quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

O passado de Arganil

Um pouco de História / 3
(...) Embora não faltem documentos referentes a Arganil e outras localidades do seu actual concelho, parece-nos que só após a tomada de Seia, Viseu, Lamego e Coimbra, a nossa região se libertou definitivamente do jugo infiel. É natural, mesmo, que nem luta tivesse havido. Metida entre Seia, Viseu e Coimbra, que haviam sido tomadas pelos cristãos, e defendida dos muçulmanos da Beira Baixa pela barreira da Estrela, a sua defesa, confiada, por certo, a pequena guarnição militar, dado o facto da maioria dos seus habitantes serem moçárabes, como já vimos, não tinha a mínima possibilidade de se manter. De resto, a penetração cristã para montante de Mondego e seus afluentes, já vinha enfraquecendo, havia alguns anos, a resistência infiel, e preparando o caminho para continuar neste sentido.
É o que demonstra a acção do mosteiro do Lorvão, fundado no último quartel do século IX, pouco depois da tomada de Coimbra, em 878, por D. Afonso III de Leão. Dotado de enorme actividade, inicia, desde logo, uma valiosa obra de repovoamento que, só em volta da nossa região, se estende de Ceira, Serpins e Vilarinho, a Penacova e outras localidades vizinhas, passando a Gondelim, na foz do Alva, onde chega a viver o conde Diogo Fernandes, primeiro governador de Coimbra, após a conquistada cidade, em 878, e também senhor de Alquinícia, Louredo, Oliveira e outros lugares, até Miranda do Corvo. De Gondelim, a população cristã chega a Mucela e Sarzedo, Santa Comba Dão, Midões, Travanca, etc.
(...) uma vez novamente reconquistada Coimbra, em 1064, prossegue com intensidade crescente, sob a direcção do seu governador, o conde Sisnando. O território que administra abrange a zona que se estende até ao Douro, incluindo Lamego e Viseu, e confina, para Leste, com o distrito civil e militar de Seia, englobando, portanto, a nossa região, incluindo Arganil, onde a darmos crédito a Frei Nicolau de Santa Maria, já existiria o convento de S. Pedro de Arganil, segundo documento por este citado, datado de 1080, altura em que teria passado para Folques. (vidé Frei Nicolau de Santa Maria - Chronica da Ordem dos Conegos Regrantes do Patriarcha Santo Agostinho, Parte II, Lisboa, 1668, pág. 158 e segs.)


(...) Que se passava, por esta altura, na nossa região? Em 1111, nova investida dos Sarracenos leva-os à conquista de Santarém, Lisboa e Sintra. «Para lhes obstar a conquista de Coimbra - diz o historiador padre Gonzaga de Azevedo - dera o conde D. Henrique, no mesmo ano, foral a Soure; nesse, ou nalgum dos imediatos. Miranda da Beira, pelo lado de Leste, e Santa Eulália, a Poente, sobre o Mondego, receberam presídios e foram repovoadas. Este sistema defensivo, constituído por três fortes castelos, que cobriam e desafogavam a cidade (de Coimbra) dos primeiros assaltos, era completado por outros redutos, levantados na direcção Nordeste-Sudoeste, e apoiados nos contrafortes da Serra da Estrela - Coja, Arganil e Seia - formando todos como que uma nova fronteira contra os inimigos do Sul. (...) Os muçulmanos tomaram Miranda da Beira e Santa Eulália, destruiram Soure, cujos habitantes haviam fugido, e, no ano seguinte, investiram contra Coimbra, onde chegarama a entrar, mas da qual não conseguiram apoderar-se. «Soure - continua Gonzaga de Azevedo - ficou por sete anos ao abandono. Coja e Arganil foram doadas, com as terras dependentes, em 1121, a Fernão Perez de Trava, e, no ano seguinte, à Sé de Coimbra e seu bispo D. Gonçalo, recebendo aquele o forte de Santa Eulália, sobre o Mondego, e, em 1122, o castelo de Soure». Também lhe foi doada Seia, neste mesmo ano.

E quanto a Arganil? - Em relação a Arganil, creio que não podemos aceitar as conclusões de Gonzaga de Azevedo. Por um lado, contrariamente ao que assevera, na carta de escambo de que já falámos, trata-se apenas de Coja. Arganil não aparece ali mencionada. Não menciona, igualmente, tal doação o «Livro das Calendas da Sé de Coimbra», que só se refere a Coja. (vidé Livro das Kalendas, ed. Pierre David e Torquato de Sousa Soares, Vol. I, Coimbra, 1947, pág. 205). É certo que esta doação à Sé de Coimbra aparece juntamente com a doação de Coja, no documento de 1122. Mas trata-se - esclarece o dr. Rui de Azevedo - de uma «interpolação» certamente feita - diz este ilustre investigador - com «propósitos fraudulentos».

(vidé In Documentos Medieviais Portugueses, cit. pág. 78 e segs.)
António G. Mattoso, "Ligeiras notas para a história do concelho de Arganil".
I Congresso Regionalista da Comarca de Arganil.

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