domingo, 24 de junho de 2007

acerca da impotência da oposição?

*Enfim, só!*

Por António Barreto

*A SAÍDA DE ANTÓNIO COSTA* para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de
muitas maneiras. Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados
é que contam. Entre estes, está o facto de o candidato à autarquia se ter
afastado do governo e do partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho
à frente de um e de outro. Único senhor a bordo tem um mestre e uma
inspiração. Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal,
mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal. A ponto de, com
zelo, se exceder: prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para
estudar. Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido. Com os dois e com a
sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem
políticos.

*Onde estão os políticos socialistas? Aqueles que conhecemos, cujas ideias
pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado? ****Uns
saneados, outros afastados. Uns reformaram-se da política, outros foram
encostados. Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão. Uns
foram viajar, outros ganhar dinheiro **. Uns desapareceram sem deixar
vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo.
Manuel Alegre resiste, mas já não conta. Medeiros Ferreira ensina e escreve.
Jaime Gama preside sem poderes. João Cravinho emigrou. Jorge Coelho está a
milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda
existe. António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão. Almeida
Santos justifica tudo. Freitas do Amaral reformou-se. Alberto Martins
apagou-se. Mário Soares ocupa-se da globalização. Carlos César limitou-se
definitivamente aos Açores. João Soares espera. Helena Roseta foi à sua vida
independente. *Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à
insignificância. O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado. Os
sindicalistas quase não existem. O actual pensamento dos socialistas
resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a
inevitabilidade do governo e da luta contra o défice. O ideário
contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a
meditação budista. Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o
sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e
dos políticos. Sem hesitar, apanhou a onda.

*Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates *.
Não mais do que picadas de mosquito. *As gafes entretêm a opinião, mobilizam
a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento.* Mas nada de
essencial está em causa. Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a
gente. As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino são pura
diversão. E não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros,
que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o
primeiro-ministro. É assim que ele os quer, como se fossem
directores-gerais. Só o problema da Universidade Independente e dos seus
diplomas o incomodou realmente. Mas tratava-se, politicamente, de questão
menor. Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo
estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá.

O estilo de Sócrates consolida-se. *Autoritário. Crispado. Despótico.
Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não
estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber.
Deseja ter tudo quanto vive sob controlo *. Tem os seus sermões preparados
todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de
recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de
encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de
identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa
livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias
sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um
funcionário que se exprimiu em privado. *O estilo de Sócrates está vivo, por
inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. *A
austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos
que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa
sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as
iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos
fundos e às autorizações.

Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem
oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a
tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa.
Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de
Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a
Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a
bel-prazer. *Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível.
Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência
da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos
portugueses pela liberdade.» *
*«Público» de 27 de Maio de 2007*

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