segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O Projecto de decreto-lei do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação


O Projecto de decreto-lei do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário – tal como o governo o apresentou em Dezembro de 2007 – desrespeita a dignidade profissional dos professores, ignora o seu papel pedagógico específico e, de facto, despreza a autonomia das Escolas que paradoxalmente diz defender.

Das várias alterações propostas, algumas há tão graves – quer em si mesmas consideradas, pelo que revelam de falta de respeito e reconhecimento pelos professores e pelas suas funções docentes e pedagógicas, quer pelas consequências que inevitavelmente vão trazer à vida escolar do nosso país (tão vulnerável, tão fragilizada já por políticas educativas contraditórias, apressadas e insensatas) – que importa recusar com veemência e firmeza, de todos os modos possíveis.

Parecem-nos especialmente graves os pontos seguintes:

1. Conselho Geral:
Neste “órgão de direcção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da actividade da escola”, a participação dos professores fica reduzida a um máximo de 40%. Este órgão assegura “a participação e representação da comunidade educativa” e longe de nós menosprezar essa participação. Muito pelo contrário, esperamos que ela se torne mais sentida e mais activa. Nessa comunidade educativa têm especial relevo, por motivos óbvios, os Pais e Encarregados de Educação, cujos educandos são a razão de ser da própria Escola – sendo a colaboração dos Pais e Encarregados de Educação uma tradição nossa, foi com muito gosto que a vimos expressa e consagrada na lei (Dec.-Lei nº115-A/98). Importa, no entanto, distinguir o papel que cabe a cada um dos corpos representados no Conselho Geral, e estamos seguramente perante uma errada concepção de escola quando, num órgão que tem as competências a este atribuídas, se determina que a participação dos Professores não ultrapasse os 40%.
Esta minoria para que são remetidos não corresponde ao papel que desempenham na escola – sem paralelo com qualquer outro – e reforça a sistemática desautorização e desrespeito pelo papel específico que lhes cabe, seja ele de natureza pedagógica ou científica, ou de ambas, como costuma ser. Do mesmo passo ignora-se a dignidade do estatuto do professor e subalterniza-se a sua função a interesses múltiplos verosimilmente presentes neste órgão todo-poderoso. Simbolicamente, a representação atribuída aos professores é eloquente quanto ao papel que, na Escola, a tutela lhes reserva.
Tão grave, ou mais grave ainda, o Presidente deste Conselho não pode ser um professor. Quanto a nós, deveria sê-lo, obrigatoriamente. Mas a tutela entendeu por bem vedar aos professores o acesso a este cargo. Não imaginamos que, expressamente, alguma vez de um documento legal constasse maior desconsideração pelos docentes. Esta desconfiança quanto aos professores – que perpassa por todo o documento – atinge aqui proporções inaceitáveis, e indicia a criação de uma escola à qual não gostaríamos de pertencer.

2. O Director, os Órgãos de Gestão Intermédia, o Conselho Pedagógico

O projecto de decreto-lei “pretende” reforçar a autoridade do Director – entidade que, espantosamente, não foi escolhida por uma maioria de professores! – mas fá-lo de forma verdadeiramente aberrante, asfixiando os outros órgãos de gestão. Nesta linha, cabe ao Director a designação dos responsáveis pelos cargos de gestão intermédia: coordenadores de departamento, coordenadores de grupo, coordenadores dos ensinos básico e secundário, etc. Assim, todos os professores que têm assento no Conselho Pedagógico são nomeados pelo Director. Que independência pode ter aquele órgão? Que sentido tem um Conselho Pedagógico que mais não é do que a extensão da autoridade do Director?

3. O Conselho Geral Transitório

Na composição deste órgão culmina a falta de respeito pelos professores e o desconhecimento – ou a ignorância – do que é a Escola e o seu funcionamento.
A este conselho cabem funções tão importantes como, por exemplo, a elaboração do Regulamento Interno que estabelece a composição dos vários órgãos da escola – aqueles que existem por força de lei e aqueles que são criados no âmbito da “autonomia” concedida aos estabelecimentos de ensino. Por outras palavras, a este órgão cabe redigir o documento “fundador da escola”, a partir do qual tudo o mais se organiza. Ora, justamente, dos vinte membros, apenas sete são professores. Representantes da autarquia são três (lembramos que com dificuldade a autarquia tem assegurado a participação esporádica de um elemento). Representantes da comunidade local são três. Que comunidade local é essa? Que interesses representa? Que vontade, que capacidade tem de participar neste conselho que vai “ criar” a escola onde, diariamente, professores e alunos desenvolvem o processo de ensino - aprendizagem? Os representantes dos pais são cinco, e apesar do respeito que nos merecem, parece-nos desproporcionado este número quando o comparamos com a representação dos docentes.
A composição deste conselho é uma afronta aos professores e o reconhecimento expresso de que, na escola, a sua voz é de importância relativa, a sua formação inútil, o seu papel secundário.

Rejeitando toda e qualquer acusação de corporativismo, afirmamos que os professores são profissionais que na escola têm o papel específico para o qual estão, ou devem estar, preparados: a eles cabe o desempenho das funções pedagógicas que lhes estão atribuídas, a leccionação das matérias curricularmente estabelecidas. Com os alunos, eles são o núcleo essencial da escola – sem eles, não há escola.
A comunidade educativa deve mobilizar-se para que os professores tenham condições para exercer as suas funções: tem direito a obter as informações que solicitar, pode pedir avaliações, deve exigir resultados, mas não pode assumir, em tempo algum, o papel exclusivo que cabe aos professores, como não o fará relativamente ao papel dos médicos, dos juízes, dos engenheiros…
O que o legislador pretende da escola não se depreende da leitura dos vários diplomas legais recentemente promulgados. Mas a verdade é que, sistematicamente, têm contribuído para a desmotivação, para o desânimo dos professores, sobretudo daqueles que mais respeitam a sua profissão.

Escola Secundária Rainha Dona Amélia

Reunião conjunta de Conselho Pedagógico e Assembleia de Escola

16 de Janeiro de 2008

Texto aprovado com 32 votos e uma abstenção.
Presenças de acordo com convocatória em anexo.
Aprovou-se igualmente que fosse enviado às seguintes personalidades / entidades:

• Presidente da República
• Primeiro-Ministro
• Ministra da Educação
• Presidente da Assembleia da República
• Comissão de Educação da Assembleia da República
• Conselho Nacional de Educação
• Conselho de Escolas
• Estabelecimentos de ensino público
• Confap
• Câmara Municipal de Lisboa
• Meios de Comunicação Social
• Fórum para a Liberdade de Educação

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