sábado, 22 de março de 2008

O senhor Miguel


O senhor Miguel Sousa Tavares, em 'A rua e o beco', no Expresso, parece ter uma atitude mais comedida no ataque aos professores. E são dezenas os que o aplaudem e pedem bis.

Por causa disso, apetece-me escrever-lhe uma cartinha. Desconheço o e-mail do senhor, ou forma de lhe fazer chegar os escritos, pelo que por aqui me fico.

Senhor Miguel,

Há um ódio de estimação pelos professores que agora não está em causa.
Há uma mania imparável de discursar sobre assuntos que não domina, mas isso agora não está em causa. Há uma ideia sobre o que é a Educação em Portugal, distorcida, mas não faz mal, nem é isso que está em causa.

Em causa, está um favorzinho que lhe queria pedir. A sua prosa tem alcance, pelo que pode prestar um serviço ao país com o agitar da pena.

Antes do favor, quero dizer-lhe que, apesar das suas ideias, apesar das notícias que invadem a comunicação social, apesar das opiniões deste ou daquele, o problema com a Educação em Portugal está completamente à margem de modelos de avaliação de professores, de modelos de gestão das escolas, de aulas de substituição, ou de outras quaisquer medidas que tenha conhecimento, quer as defenda ou não.
Usando a célebre palavra da senhora Ministra da Educação, é 'irrelevante' se os professores são avaliados desta ou daquela maneira, ou sequer avaliados, se quem dirige uma escola é um director ou um conselho executivo, e por aí fora. São tudo pormenores irrelevantes para o produto do sistema de ensino. É como passar graxa na carroçaria de um carro que se engasga, mudar-lhe as pastilhas dos travões, meter-lhe uma antena nova para o rádio ou lavar os tapetes. O carro engasga-se na mesma.

Agora, o favor.

Investigue. Vá para o terreno. Fale com os miúdos que têm insucesso.
Fale com os miúdos que abandonam a escola. Fale também com os que têm sucesso e não abandonem a escola. Fale com vários. Fale com muitos.
Compare. Tente estabelecer um padrão. Vá à raiz dos problemas e não fique pela rama. Aproveite e fale com os pais dos que têm sistematicamente insucesso. Vá a casa deles. Questione uns e outros.
Argumente. Depois, escolha dois ou três que têm sistematicamente insucesso e disponha-se a ajudá-los durante umas semanas, acompanhando e aconselhando. Questione mais. Questione porque têm negativas neste ou naquele teste. Questione porque não aprendem nas aulas. Questione se vão às aulas de apoio oferecidas pela escola e, se forem, o que vão lá fazer. Enfim, investigue. Depois, sente-se no computador e escreva uns artigos de opinião sobre a Educação em Portugal e o nosso sistema de ensino. É um favor, o que aqui lhe peço, mas, ao mesmo tempo, considere também como um desafio.

Se quiser ir mais além, ofereça-se para ajudar um Director de Turma com uma boa dose de alunos com insucesso e comportamentos inadequados.
Trabalhe com ele, faça-lhe propostas para resolver os problemas e disponha-se a partilhar a execução, no terreno, das suas propostas. Experimente. Fale com as famílias dos alunos. Vá a casa deles. Converse com eles. Acompanhe-os. Depois, sente-se no computador e escreva mais uns artigos de opinião sobre a Educação em Portugal e o nosso sistema de ensino.

E esqueça lá essas coisas da avaliação do desempenho, dos modelos de gestão das escolas, dos sindicatos, do corporativismo, do receio da mudança e de outros chavões.

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