terça-feira, 11 de agosto de 2009

O mérito e constância da palavra escrita

Corre o ano do centenário desta Casa, Academia Cearense de Letras, e por tal acontecimento, Senhores Acadêmicos, a honra que me conferis ao me elegerdes um de vós desperta-me sentimentos de associação inusitada: humildade; orgulho e temor.

A humildade procede de quem acha-se, ad semper, a aluna incipiente de valorosos mestres que terão presença constante neste Sodalício, ainda que encantados, na mineiridade das palavras imagéticas de Guimarães Rosa, tais como Milton Dias, Rebouças Macambira e Moreira Campos, ou na manifesta presidência desta sessão, o Príncipe dos Poetas Cearenses, Artur Eduardo Benevides. Orgulho-me de ter sido eleita acadêmica pelo mérito e constância da minha palavra escrita ao longo de duas décadas. Iniciei meu percurso literário em junho de 1973 ao publicar um pequeno ensaio crítico, La Revolte Positive de Simone de Beauvoir onde buscando apoio em Mémoires d’une Jeune Fille Rangée e Le Deuxième Sexe, duas obras da escritora francesa companheira de Sartre, observei aspectos da condição feminina de uma mulher que se havia determinado a possuir um lugar próprio no universo da Literatura.

A esta estréia ensaística seguiram-se várias outras publicações que evoluíram desde as experiências na Poesia Marginal com Boletim de Poesia, um regresso ao ensaio com Fernando Pessoa e o Momento Futurista de Álvaro de Campos e Academia Brasílica dos Esquecidos, depois o ingresso na ficção curta com Daquém e Dalém-Mar, afora vários outros trabalhos publicados em antologias, revistas, jornais e suplementos literários.

Quanto ao temor, ele advém-me da certeza de que sou ainda pequena, no engenho e na arte, para estar entre tantos doutos; no entanto, comprometo-me a partir deste momento e com a vossa sábia ajuda, cumprir um destino acadêmico que, somando-se aos vossos, possa vir a contribuir para a continuidade e o engrandecimento desta tão prestigiada Casa que hoje me acolhe e perfilha.

Senhoras e senhores, devo-lhes confessar que nesta noite minha alma emigrante está posta em floração aos olhos de todos. Nasci no Brasil, muito pequena cruzei o mar e fui-me encontrar no aconchego dos avós paternos. Adquiri lusa nacionalidade, aprendi a leitura e a escrita de Portugal. O fado quis que meu pensar, minha emoção e meu agir se moldassem sob severos pórticos de cantaria lavrada, rios caudalosos a correrem sôfregos para o mar, outonos dourados, invernos sombreados de chuva, conversas sussurradas pelos mais velhos e atrevidamente espreitadas atrás de pesados reposteiros, senhoras eternamente viúvas do preto, os uivos distantes de alguma matilha de lobos acossada pelo frio e fome, os cantares e os folguedos das colheitas.

Falo-vos, senhores acadêmicos e amigos presentes, de uma mulher dalém-mar, peninsular, beirã, de uma Beira para tantos distante ou mesmo desconhecida, mas que se orgulha de ter sido o berço da nacionalidade lusitana com Viriato, pastor dos Hermínios. Beira de Arganil, Benfeita e Coimbra, monumentos construídos na minha alma entre pedras, pinheiros e povoados, lendas, sinos de campanário, sorrisos e sermões dominicais, gente simples e gente erudita, rostos que não se apagam, fontes a surgirem mansas nas curvas da serrania, rios e ribeiras correndo por entre xistos limosos, incêndios estivais, lágrimas , refúgio ao frio na mesa do braseiro, histórias, valentias e fidalguices da família contadas para espaçar a tarde que teima em fazer-se noite, amigos sem tempo nem amor a ser medido.
Eis o substrato de quem nem imaginava vir a tornar-se escritora, pois que não era aos olhos dos que a cercavam, senão que uma garota doentiça e pálida, resposta na ponta da língua, desastrada no convívio e com uma obstinada mania de ler.

Pela mente imaginosa e as palavras encantatórias dos irmãos Grimm, Jakob e Wilhelm aprendi a amar o que lia, pois que era através daqueles contos tão singelos de Kinder-und Hausmärchen que meu ser fantasioso achava guarida.

Nos livros da Condessa de Segür, acreditei-me como uma possível heroína sobretudo em Os Desastres de Sofia, já que não havia como incluir-me entre As Meninas Exemplares, embora encontrasse em minhas longas folgas escolar elementos que se assemelhassem aos do livro As Férias.

Viajei por toda a França acompanhando, em regozijo ou no sofrimento, o pequeno órfão Remy e os cãezinhos amestrados da trupe de Monsieur Vitalis, de Hector Malot.

Como esquecer as histórias que pareciam sair de uma cestinha mágica onde Sherazade as encontrava cada noite para entreter o rei Chariar e assim escapar à morte?

E o que não cresci e diminuí de tamanho com o gigante Gargântua e seu filho, o príncipe Pantagruel, criados pela inventividade literária de Rabelais?

A última leitura infanto-juvenil contudo, foi diferente. Encontrei-me aturdida, enquanto encantada, com o universo onde se moviam Alice no País das Maravilhas e os mais alucinados personagens da minha infância, o Chapeleiro Louco, a Lagarta, a Lebre de Março, a Rainha de Copas e o Gato Cheshire tudo a reger-se pelo espelho distorcido da genialidade de Lewis Carroll, ou melhor o pseudônimo sob o qual se escondia o senhor Charles Lutwidge Dodgson. Alice introduziu-me, sem que eu mesma o soubesse, no absurdo, no mundo dos símbolos.

O amor fez-se tempo e, pelas palavras de Júlio Dinis em A Morgadinha dos Canaviais e As Pupilas do Senhor Reitor, chorei os primeiros desencontros entre amados. Na ocasião, também não escapei de Charlotte Brontë com sua Jane Eyre.

Menina moça, às escondidas, apossei-me a par e passo de alguns romances de Eça de Queiroz, todos eles cuidadosamente encarrapitados no alto de uma estante de meu tio Ângelo, o único ainda solteiro e morando em casa dos meus avós. Infelizmente, a mania que adquiri à época de utilizar o mesmo vocabulário dos livros denunciou-me, quando, imitando o personagem Carlos referindo-se a João da Ega saí-me com a expressão - Ah, um Mephistopheles de Celorico - o que valeu o reconhecimento - Com que então andas a ler Os Maias ! - e, uma boa reprimenda valeu-me a ousadia.

Com os livros, descobri também que a humildade não se prende tão só ao modo de se ater como pessoa. Ela é imprescindível no campo do saber e par a par com a determinação de não parar, nunca, de estudar e ler tudo, sem preconceitos, até o último sopro. Como ganhei a experiência do ser pouco? Vejamos, eu tinha por certo uns quatorze anos quando, sob a orientação de Mrs. Murphy, li A Tale of Two Cities de Dickens e alguns extratos de King Lear de Shakespeare, no original. Pensando ter, com estas leituras, adquirido acesso à Literatura, comprei na Livraria Sá da Costa, a dos intelectuais no Chiado, um livro que vi ser solicitado por uma senhora ainda jovem a quem trataram de senhora dona doutora. O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, foi o livro. Tudo revelou-se impenetrável da primeira à última página. Como saber qual o caminho de Harry, um labirinto ou o caos? Por que Hesse terminava a última linha com o grito - Mozart espera por mim ?

Muitas lágrimas de vergonha correram-me escondidas numa alma que pensava possuir alguma cultura e que, no entanto, revelava-se tão sem graça quanto o corpo adolescente.

Só muito mais tarde, quando foi-me dado ler O Apanhador no Campo de Centeio de Jerome David Salinger é que reconheci que o herói de Hesse, tal como Holden, de Salinger, peregrinava, rebelde e frustrado, na alienação dos tempos modernos.

Afastando-me do regaço familiar por dois anos para estudos internos em La Neuveville, saí do domínio de Gil Vicente, Bernardim Ribeiro e Camões - Já a vista, pouco e pouco, se desterra / Daqueles pátrios montes, que ficavam; / Ficava o caro Tejo e a fresca serra / De Sintra, e nela os olhos se alongavam. / Ficava-nos também na amada terra / O coração, que as mágoas lá deixavam. / E já depois que toda se escondeu, / Não vimos mais, enfim, que mar e céu. (Canto Quinto de Os Lusíadas), como também distanciava-me de Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Cesário Verde, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro e José Régio - Forças da terra e anjos do céu!, valei-me, / Que eu sou medida, e vi a Vida imensa! / Peso que sou, roubai-me ao peso!, erguei-me / Sobre a matéria própria minha, densa! / Eu ouvi-te, meu Deus! e continuei-me / Em confusões, em dúvida, em descrença.../ Mas para além do que é em mim limite, / Não há um só poro meu que te não grite!, autores que me ocorrem nesta menção.

Iniciei-me na Literatura de língua francesa. Mlle. Sullivant conduziu-me através obras e autores de que já ouvira falar vez por outra, mas que só então me era dado apreciar. Aprendi a reconhecer o encanto rítmico da poesia, como em Ronsard, - Minhonne, allons voir si la rose / Qui ce matin avait déclose / Sa robe de pourpre au soleil, / A point perdu cette vesprée, / Les plis de sa robe pourprée, / Et son teint au vôtre pareil. Tomei conhecimento da antagonia clássica - paixão, versus, razão - com os heróis do teatro de Corneille e Racine, enquanto Molière levava-me à compreensão não só das unidades teatrais como ainda à percepção e ao reconhecimento de que a genialidade tal qual a condição humana transcendem o tempo.

A leitura de Voltaire, Montesquieu, Diderot e Rousseau introduziu-me no pensamento filosófico, seja, racionalismo - versus - sensibilidade pré-romântica.

Os escritores do Romantismo, quando eu os entendi claramente, ne m’attiraient plus tellement, senão por um poema de Alfred de Vigny, La Mort du Loup, que se coadunava com a minha alma no esforçar-se para romper com a emoção fácil, - Seul le silence est grand; tout le reste est faiblesse. /...Gémir, pleurer, prier, est également lâche. / Fais énergiquement ta longue et lourde tâche / Dans la voie où le sort a voulu t’appeler, / Puis, après, comme moi, souffre et meurs sans parler.

Quando os estudos me levaram a George Sand, Balzac, Stendhal e Zola, por conseguinte ao romance, apercebi-me de que havia como que uma sombra dentro de mim mesma, inquietante, a prender-me o olhar atento em tudo e a todos à minha volta. Comecei a rabiscar, num caderninho fechado à chave, o mais que me era dado observar. Chamei a estas anotações secretas de O Livro dos Outros. Impiedosa, como só alguns adolescentes sabem ser, anotei tanto ridículo observado, tanta mentira depois desmentida, tanta verdade pela metade, que, um dia, tomada pela impressão de que as anotações para o romance haviam sido violadas e, temendo a ira dos muitos que por ali viriam-se desnudos, lancei tudo às chamas da fornalha que aquecia a nossa casa naquele inverno. Contudo, antes que surgissem as primeiras folhas primaveris, um chá permitido na sala dos professores deu-me ocasião de presenciar uma discussão sobre a verossimilhança preconizada por Aristóteles, ... não é ofício de poeta narrar o que realmente acontece; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível, verossímil e necessariamente (Poética) e por estes sábios ensinamentos dei graças ao frio e à fornalha que tão oportunamente ofereceram um fim ao que pretendi, de forma tão errônea, escrever como se romance fosse.

Retornando a Portugal, às sete colinas lisboetas, às avenidas pombalinas, à modernidade do Arieiro e ao término dos estudos regulares, resolvi cursar o Instituto Superior de Línguas e Administração.

Já estava no fim do segundo ano quando surgiu-me o imediatismo de voltar a cruzar os mares e retornar à terra-berço.

Adaptar-me ao Brasil foi processo de tal modo sedutor que tornou-se impossível, para mim àquela época, voltar a Portugal para sempre. Duas Pátrias, um enigma? Não, tenho consciência, qual Fernando Pessoa, de que minha Pátria é a língua portuguesa.

No exame de equiparação de estudos no Liceu do Ceará, tomei conhecimento, de algum modo, da civilização brasileira que, até então, era guardada em mim como cenário tropical fantasioso. Logo depois, trabalhando como pesquisadora, tradutora e intérprete para Ralfh De la Cava, tomei conhecimento, dentre outros aspectos da cultura nordestina, do cangaço. Posteriormente, durante o Curso de Letras na Universidade Federal do Ceará, coube-me a leitura, entre tantas mais que iniciaram meu processo de aculturação à civilização brasileira, do livro O Cabeleira de Franklin Távora.

Hoje, Senhoras e Senhores, quando tomo posse da cadeira 16 na Academia Cearense de Letras, tenho como dever acadêmico ressaltar a importância de seu Patrono, João Franklin da Silveira Távora, um dos pioneiros do ciclo nordestino na Literatura Brasileira.

Controvertidas e, por vezes, depreciativas têm-se mostrado as opiniões críticas sobre o posicionamento de Franklin Távora ao que se convencionou chamar de Literatura do Norte. Antes, porém, gostaria de registrar dois aspectos que considero oportuno, diante o julgamento crítico que foi alvo este escritor cearense citado em quase todos os compêndios literários do Brasil, com freqüência, de modo depreciativo, conforme será dado observar pelas citações que arrolei para estas páginas.

A primeira opinião que desejo expressar prende-se ao fato de que um acontecimento literário necessita de um certo distanciamento temporal do fenômeno original. Alguns estudiosos estabelecem cinqüenta anos, para que se possa fazer um juízo crítico com isenção.

Depois, há que frisar-se o fato da crítica literária, exercida pelos contemporâneos de Franklin Távora, julgar, com muito rigor, os dotes literários emergentes, enquanto era possuidora de uma grande repercussão, quer em jornais, panfletos ou opúsculos. Assim pois, depassar uma crítica adversa, era tarefa de Sísifo para um jovem nortista que, não possuindo uma obra ficcional de expressão, posicionara-se contra José de Alencar e subida audácia, propunha-se a pensar numa supremacia e purismo literário nordestinos, com a questão de uma Literatura do Norte.

José Veríssimo, na 5ª série da publicação Estudos de Literatura Brasileira, inicia seu estudo crítico dedicado a Franklin Távora afirmando que, Franklin Távora é uma das mais queridas e saudosas recordações da minha vida literária mas, ao longo do ensaio de seis páginas, explicita seu posicionamento: Franklin Távora parece ter conservado sempre os seus preconceitos provincianos, nos quais de regra se misturam, procurando aliás esconder-se, uma admiração ou gosto exagerado da nossa Capital e a desconfiança do matuto.

Eu não saberia dizer se não foi deste sentimento, feito de duas impressões desencontradas, que se gerou na mente de Távora a sua idéia da Literatura do Norte...Na concepção de Franklin Távora,...a preponderância que na primeira colonização e organização do Brasil teve o norte, as lutas e guerras que, nos Séculos XVI e XVII, sustentou,... a preponderância aí do elemento indígena...a diferença em que Franklin Távora assentou o seu conceito do fracionamento da literatura brasileira em setentrional e meridional, além daquelas razões de ordem histórica e social, há a razão geográfica,...Norte e Sul são distintos....Não quero negar que entre o Norte e o Sul, isto é, entre a gente do Norte e a do Sul, haja diferenças notáveis... Mas diferenças idênticas existem, verificam-nas todos os viajantes, assentam-nas nos seus romances todos os romancistas, nos mais unos dos velhos países europeus, como a França, apesar de quinze vezes menor que o Brasil, de quatorze séculos de trabalho de unificação e da extrema facilidade intercurso dos seus habitantes,...Quem...pensa em dividir a Literatura Francesa consoante o diferente viver, costume ou paisagem que ela representa?

Consultando Nelson Werneck Sodré em sua História da Literatura Brasileira, registrei algumas considerações acerca do determinismo literário de Franklin Távora em busca de uma Literatura Regional do Norte, que segundo o romancista, seria mais nacional porquanto distante das influências externas da colonização que ainda se processava no sul do Brasil. Escreve Sodré: A ilusão do ficcionista cearense esteve em julgar a possibilidade de conferir caráter nacional a uma literatura por um ato de vontade, alheio a todas as condições do meio e do tempo.

Faltando-lhe os dotes pessoais para uma tarefa tão ampla, embora não lhe faltasse capacidade para narrar, como ficou expresso em muitas de suas páginas e particularmente naquelas de Um Casamento de Arrabalde, errou os caminhos e, procurando veracidade na cor local, desviou-se para as tramas históricas que constituíam justamente o antídoto para as suas intenções. Nelas se perdeu, e de tal sorte que considerava o que havia de melhor como ruim, e punha esperanças na falsidade de suas personagens e de seus quadros.

No entanto, é a Wilson Martins, no volume IV da História da Inteligência Brasileira que deve-se uma das mais severas críticas, quando alude à novela Sacrifício de Franklin Távora, publicada em capítulos na famosa Revista Brasileira. A simples evocação do nosso patrono da cadeira nº 16 às Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett nas primeiras passagens de Sacrifício suscitou de Wilson Martins esta observação: Infelizmente, não se pode imaginar nada mais oposto ao estilo da prosa garrettiana que o de Franklin Távora. Em Sacrifício, particularmente, o diálogo é falso e empedrado, fazendo corpo com um texto escrito no estilo da descrição jornalística, repleto de tiradas pomposas. É uma novela romântica em que se percebe a contaminação de Paulo e Virgínia; fria e retórica, tem os defeitos do velho folhetim, já então anacrônico, sem apresentar-lhe as qualidades de interesse e movimento.

Por outro lado, no volume referente à Era Modernista da coletânea A Literatura no Brasil, sob a direção do conceituado pesquisador Afrânio Coutinho, a corrente literária defendida e encetada por Franklin Távora é tida como um legado ficcional que ao desdobrar-se, aperfeiçoando-se, originou a vertente regional no romance brasileiro, cerne do ciclo nordestino modernista: ... ao romper-se a aurora modernista, em 1922, o romance brasileiro já havia fixado a sua fisionomia estética e temática. O modernismo, nisto como em tudo o mais, não foi um começo absoluto. É a continuação das tradições que se haviam formado através dos séculos de evolução literária. É claro que renovou, nas formas e nas técnicas. Mas a sua contribuição tornou-se mais válida precisamente porque já encontrou o caminho aberto pôr experiências anteriores. Do contrário não teria tido o ímpeto e a capacidade realizadora. E, mais adiante, no mesmo volume de A Literatura no Brasil, o escritor cearense continua a ser mencionado: Franklin Távora, nos limites entre Romantismo e Naturalismo, foi o primeiro a usar o tema da seca e da saga do jagunço em O Cabeleira (1876). Além disso, foi quem lançou a idéia da Literatura do Norte (prefácio de O Cabeleira), primeiro portanto a levantar a bandeira do regionalismo e das regiões literárias com suas características próprias.

Silvio Romero, também faz registro do nosso Patrono no tomo quinto da História da Literatura Brasileira, dedicando palavras elogiosas à contribuição que Franklin Távora emprestou ao cenário literário no Brasil: Alta é a importância que toca a Franklin Távora, pois que lhe cabe um posto notável entre os mais distintos romancistas do Brasil até aos dias de hoje.

Ele deve figurar como o chefe do naturalismo tradicionalista e campesino na novelística brasileira; naturalismo, porque seus tipos e cenas são estudados do natural, das observações diretas do escritor e não meros filhos da imaginativa; tradicionalista, porque o romancista deu quase sempre preferência aos assuntos do passado, nomeadamente do século XVIII, que estudou com carinho; campesino, porque escolhia seus atores entre as gentes da roça, do mato, do campo.

José Veríssimo, no texto adverso que mencionei anteriormente e cuja crítica destinava-se a assinalar a republicação em 1977 dos romances O Cabeleira, O Matuto e Lourenço , pela Livraria Garnier, contudo tece elogios ao referir-se à obra ficcional de Franklin Távora, senão observe-se como a análise introdutória foi concluída: Se a sua teoria apenas contém uma parte mínima e muito relativa de verdade, os três livros com que a exemplificou, são das mais exatas e mais belas representações em nossa literatura do velho Brasil, do Brasil tradicional, daquele que, sem embargo da bruteza da terra e da gente, e não obstante todas as razões acima, me parece, à minha alma apesar de tudo ainda romântica, enamorada do passado, o mais interessante, o mais pitoresco, o mais encantador.

Quando em 1984 o Acadêmico Otacílio Colares foi designado para realizar uma apresentação crítica à reedição de Os Índios do Jaguaribe: história do século XVII, assim reportou-se a Franklin Távora num trecho que achei oportuno transcrever: É preciso porém, por ser de justiça, sobretudo com vistas aos futuros interessados em nosso evolver literário, que antes de dizer-se (ou ser dado como tal) criador de uma ficção peculiar, que mestre Tristão de Ataíde enquadrou como de pruridos sertanistas, foi Távora, com seu Os Índios do Jaguaribe, um escritor jovem, que se inclinara, antes, para o indianismo e que, logo compreendendo o falso caminho que trilhava, desviar-se-ia para a corrente roceira com Um Casamento no Arrabalde e os três romances históricos, onde, segundo o grande crítico, há páginas de sabor local, com que pretendeu criar, como Adolfo Caminha, uma Literatura do Norte - O Cabeleira, O Matuto e Lourenço.

Voltemo-nos agora, tão somente, ao patrono da cadeira 16 da Academia Cearense de Letras, João Franklin da Silveira Távora. Sua origem situa-se no maciço de Baturité, precisamente em Montemor-o-Novo, tendo permanecido no Ceará até que para seguir o curso de Direito, transferiu-se para o Estado de Pernambuco onde passou a residir. Por volta dos trinta e dois anos mudou-se para o Rio de Janeiro, ali permanecendo até que um aneurisma o levasse à morte em 1888.

O que teria escrito este cearense que viesse a despertar tão grande número de críticas pejorativas, ocasionando que tantas palavras fossem vertidas nos mais diversos livros de crítica literária no Brasil ? O prefácio de Franklin Távora em O Cabeleira traz uma longa carta a um amigo. Após comentários não pertinentes ao que o autor defende como Literatura do Norte, ao final da sexta página, assim escreve : Venhamos ao assunto desta carta. Em O Cabeleira ofereço-te um tímido ensaio do romance histórico, segundo eu entendo este gênero da literatura....As letras têm, como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte, porém, do que no Sul abundam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra.

A razão é óbvia: o Norte ainda não foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia pelo estrangeiro.

A feição primitiva, unicamente modificada pela cultura que as raças, as índoles, e os costumes recebem dos tempos ou do progresso, pode-se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua genuína expressão.

Mais adiante, seguindo-se a comentários sobre romances e romancistas do Norte e do Sul, com uma velada crítica a José de Alencar, Franklin Távora retoma sua proposta: ...têm os escritores do Norte que verdadeiramente estimam seu torrão o dever de levantar ainda com luta e esforços os nobres foros dessa grande região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus costumes, suas lendas, sua poesia, máscula, nova, vívida e louçã, tão ignorada no próprio templo onde se sagram as reputações, assim literárias, como políticas, que se enviam às províncias.

Não vai nisto, meu amigo, um baixo sentimento de rivalidade que não aninho em meu coração brasileiro. Proclamo uma verdade irrecusável. Norte e Sul são irmãos, mas são dois. Cada um há de ter uma literatura sua, porque o gênio de um não se confunde com o do outro. Cada um tem suas aspirações, seus interesses, e há de ter, se já não tem, sua política.

Enfim não posso dizer tudo... Depois de haveres lido O Cabeleira, melhor me poderás entender a respeito da criação da literatura setentrional.

A verdade é que a obra literária de Franklin Távora poder-se-ia dividir em duas partes. À primeira, que estaria compreendida entre os anos de 1861 e 1867, pertenceriam as obras de cunho nitidamente romântico: A Trindade Maldita, Um Mistério de Família, Os Índios do Jaguaribe e A casa de Palha.

A segunda fase, correspondente à proposta de uma Literatura do Norte, iniciar-se-ia com Um Casamento no Arrabalde em 1969, seguindo-se de Três Lágrimas, Cartas a Cincinato, O Cabeleira, O Matuto, Lendas e Tradições do Norte, Sacrifício e Lourenço, contudo, os romances mais identificados com a proposta de Távora, seriam : O Cabeleira (1876); O Matuto (1878) e Lourenço (1881).

A leitura destes três romances conduz à constatação de que o Autor ao construir-lhes a narrativa enveredou por um enfoque mais histórico do que levava a supor a proposta regionalista dos costumes e usos do Norte, tomando como ponto de apoio o prefácio de O Cabeleira e a Literatura do Norte.

O muito ilustre acadêmico, Doutor Newton Teófilo Gonçalves, a quem tenho a grande e talvez não merecedora honra de suceder no assento à cadeira 16 deste Sodalício, em seu esmerado discurso de posse - A Literatura pela Literatura é vazia, como a ciência desumanizada é funesta - escreveu a respeito de nosso Patrono: Sinceramente, nunca me animei a estudar as raízes de um escritor se com ele não me afino, nem pela linguagem, nem pelos temas, nem pela chateza provinciana, que somente uma forma de extraordinária beleza poderia compensar.

Não me foi dado privar de uma simples conversa que fosse, do intelectual, do médico, enfim, dessa pessoa tão envolta pela sabedoria que era Dr. Newton .

Nascido em Fortaleza no ano de 1917, Newton Teófilo Gonçalves fez seus estudos secundários no Liceu do Ceará de onde seguiu para a Faculdade de Medicina da Bahia, vindo a diplomar-se em 1939.

No Rio de Janeiro, seguiu alguns cursos de especialização como Clínica Cirúrgica, Anatomia Patológica e Anatomia Patológica da Tuberculose. Em Fortaleza especializou-se em Didática do Ensino Médico, além de um curso na Universidade de Michigan, U.S.A., sobre Administração Universitária.

Enumerar todas as funções exercidas por Dr. Newton seria tarefa que não ensejaria ressaltar sua cultura, a universalidade do seu pensamento, o aguçado espírito crítico, além da sensibilidade de um homem de mente tão elevada que enriquecia todos quanto dele aproximavam ou conviveram.

Pela união e determinismo de um grupo de jovens médicos na década de 40, Walter Cantídio, Jurandir Picanço, Waldemar Alcântara, José Carlos Ribeiro e Newton Gonçalves, a Faculdade de Medicina do Ceará foi fundada em 1948.

Entre os cargos mais elevados que ele veio a ocupar, ressalte-se: professor Titular do Departamento de Cirurgia da U.F.C.; Médico Ministério da Marinha; Diretor da Faculdade de Medicina do Ceará; Presidente do Centro Médico Cearense; 1º Presidente do Conselho Regional de Medicina do Ceará; 1º Presidente da Secção Cearense do Colégio Internacional de Cirurgia e Coordenador dos Centros de Cultura da U.F.C.

Portador de várias condecorações, Newton Gonçalves recebeu Medalha da Abolição, Medalha Barca Pelon, Medalha do Mérito Naval concedida pelo Governo da Espanha e Grã-Cruz do Mérito pela República Federal da Alemanha.

Ao possuir um bom domínio da língua alemã, traduziu duas obras médicas Embolia Gordurosa e Hérnia de Hiato, do professor G. BOTTGER.

O acadêmico da cadeira 26, médico Lúcio Gonçalo de Alcântara, ao proferir o discurso de saudação e acolhida à Academia Cearense de Letras de seu antigo mestre, salientou: A produção cultural de Newton Gonçalves é abundante e de boa qualidade; embora dispersa, pois o autor até então está por condensá-la em livro. Penso que em breve deverá fazê-lo, para que não se perca em páginas de publicações efêmeras tanta coisa de fino gosto, digna de ser preservada, lida e consultada.

A posse de meu antecessor ocorreu a 19 de novembro de 1979, e quinze anos decorridos, a sugestão do discípulo não chegou a concretizar-se, conquanto o Magnífico Reitor do Ceará, acadêmico Antônio Martins Filho, fundador de quase todas as universidades sediadas em nosso Estado, esteja a trabalhar com afinco no projeto deste livro condensante.

Páginas esparsas foram procuradas, copiadas e fraternalmente cedidas a mim por Marly Vasconcelos, Regina Fiúza e Murilo Martins, sem as quais não haveria como cumprir o preceito de louvor ao acadêmico que antecedeu pelo que se estreia. Estou certa de que muitas e esmeradas palavras nos foram legadas por Dr. Newton. Por isso, desculpo-me se tão pouco lhes houver a falar neste elogio póstumo a um dos mais cultos homens que o Ceará gerou, neste século que se finda.

De Instantâneos, transcrevo a quinta passagem: Eu não sabia a razão de minha tristeza, em dia de festa! / Dispensei os analistas seguindo uma advertência de Marañon: o que a natureza levou para o subconsciente, de lá não se deve retirar... / Mas, como a literatura é a mostra da vida, foi em As Farpas de Ramalho Ortigão que encontrei a chave do mistério. / Diz ele: No meu pobre coração quantos lutos sobrepostos, quantas saudades acumuladas! / E o poeta Barros Pinho remata o poema A Noite de Natal, com estes versos: / Os mortos são radicais / Só sabem viver com os vivos. / Por isso é que sinto tanta saudade nos dias de festa!

Na verdade, nosso homenageado era um humanista que raro olvidava a formação médica, ainda que numa simples passagem, como neste exemplo extraído do discurso de agradecimento pronunciado quando da outorga de Sócio Honorário na solenidade comemorativa do 81º aniversário da Academia Cearense de Letras : É que estamos na época dos obsoletismos programados; do supérfluo tomando o lugar do essencial; época em que se transplantam corações negros para corpos brancos; mas não se consegue implantar a cordialidade das raças.

No opúsculo Molière publicado a partir de palestra proferida na Associação Cultural Franco-Brasileira do Ceará em setembro de 1973, o conferencista inicia sua fala pela afirmação de que nada erudito dele se esperasse porque tão somente comentaria impressões de leitura, e em alusão direta a Molière, acrescenta que ... sou a partir de agora, mais uma de suas personagens, ridícula como todas, representando o papel de literato à força, mas tal não poderia ocorrer pois que seu juízo crítico revelava o intelectual arguto, senão observem-se as passagens cotejadas, aqui e ali ao longo de sua preleção: ...O teatro moleriano é predominantemente ação...o acento tônico da obra de Molière está nos tipos que levou à cena, nos seus hábitos e costumes, fraquezas e virtudes que possuíam, expondo-os sem artifícios, sem apelo ao caricatural, só para mostrar o quadro da sociedade em que viveu, da sociedade na qual sobrevivemos... soube divertir o Rei e satisfazer ao Povo, sem trair a sua arte, sem distorcer a comédia que a humanidade representa para si mesma. Molière resistiu ao mais severo e imparcial dos juizes: o gosto do público através dos tempos.

Na impossibilidade de comentar convosco tudo quanto Dr. Newton escreveu e que foi-me dado coletar, registro aqui alguns títulos publicados, por via de regra, em periódicos: Vigarices; Ciência Desumanizada; Fé na Ciência; O dever dos intelectuais; Confraternização da classe médica; Um Médico Vê o Homem ; Ainda as crianças; Mea Culpa; Lamentações de um autodidata; O discurso que não foi perfeito; Queremos a Universidade do Ceará; A Medicina Moderna, afogada em Ciência e Tecnologia, perde humanidade e esquece o doente; Esperança; Hospital fecha... e o Diretor não sai...; Como é, sai ou não sai o Diretor?; Uma biblioteca pública para Fortaleza; Buracos, buracos e mais buraco; Ânsia por ter um líder; Londres; A falência do curso secundário; A função do professor; A cultura geral do médico; Dois equívocos; Campanha da Boa Vontade; Uma mensagem esquecida; Mais de 52.000 mulheres e Conversa fiada.

Recolhi, também, algumas aulas e conferências médicas, mesmo quanto não houvesse o menor propósito de comentá-las, apenas consignar por escrito parte da obra de cunho científico : Clínica Propedêutica Cirúrgica; A Cirurgia Pediátrica; Apontamentos para a História da Cirurgia Pediátrica no Ceará e Ascaridíase Biliar.

Guardei, por considerá-las de muito sábia observação, um bom número de citações extraídas de Ciência e Literatura, aula inaugural do Curso de Aperfeiçoamento em Análise e Interpretação Literária, promovido pelo Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, e, por tão valorosas as considerações tecidas por Dr. Newton Gonçalves, encerrarei com elas a louvação que por mim lhe é devida. Observe-se a lição: ... as ciências e as humanidades devem andar de braços dados, para proporcionarem ao homem-indivíduo a cultura total imprescindível à sua missão civilizadora....Literatura e Ciência, ambas se comunicam pela linguagem. A diferença está em que a literatura purifica a linguagem para revelar os estados íntimos do espírito,... A ciência usa uma linguagem de finalidade e de utilidade, expurgada de imagens, perseguindo a precisão dos conceitos...Entre o feitio científico e o dom da expressão artística por meio da palavra não há incompatibilidade: um se prende à necessidade lógica e externa ao espírito que pesquisa e descobre; o outro seria o jogo livre da imaginação...Não há receitas para criação literária...A criação literária transcende a verdade científica e a beleza da forma é, não raro, todo o seu conteúdo... Cientistas e literatos, embora por caminhos e métodos diferentes, ambos procuram interpretar o homem e o seu universo.

Senhores Acadêmicos: chegou o momento do presente, do presente que só passa a ser verdade para mim, nesta sessão acadêmica, quando agradecer a Deus e aos seres de boa vontade que estiveram à volta de mim, em qualquer época da vida e que aqui estão personificados em cada partícula do meu sentir. Haveria acaso o presente, uma noite tão solene onde encontro-me no centro do olhar de tantos eruditos, se tantos não houvessem me guiado, ensinado, questionado, moldado o caráter, orientado os estudos, apontado os erros, ouvido e conversado nos momentos de dúvida, sugerido alternativas nas crises e apontado o novo?

Não, Senhoras e Senhores, muito pouco seria eu sem os outros que, por vezes, sem mesmo se haverem apercebido, contribuíram para esta honraria de passar a integrar a respeitável Academia Cearense de Letras, ocupando a cadeira de número 16.

Todavia, alguns são partícipes em escala tão maior do presente agradecido, nesta minha introdução no círculo dos imortais, do lugar de honra que a partir de agora ocuparei que, por tal modo, a conquista talvez lhes seja mais devida que a mim.

Vejo-me a argila que meus Avós, meu Pai, meus Tios, meus Irmãos e Primos, meus Sogros, sobretudo meus Filhos Daniela e Leonardo, meus Mestres e meus Alunos, todos integrados no mesmo processo, esculpiram-me dando a feição e o feitio com que aqui me acho em vossa presença. Adorados meus, como vos sou grata !

Para sempre, minha gratidão ao Acadêmico da cadeira 26 deste Sodalício, Lúcio Gonçalo de Alcântara, um médico e homem público do qual tantos do seu Estado natal se orgulham e que, por muitos anos, tem sido o meu marido. Lúcio foi meu leitor desde os primeiros e tímidos escritos e, por neles achar algum mérito, não apenas passou a incentivar-me como a cobrar, sempre o melhor, enquanto estabelecia um círculo de isolamento protetor em minha volta para que sua vida pública interferisse o quanto menos com os propósitos literários e por tal modo, as idéias que viessem-me a surgir encontrassem oportunidade de transformarem-se em palavras, em alumbramento sobre o papel branco.

Nosso caminhar não foi suave, mas ao estimular-me, Lúcio e eu progredimos juntos, cobramo-nos posicionamentos, fortalecemo-nos quando a desilusão invadia o outro e hoje aqui estamos, mais uma vez unidos sem rivalizar. Que Deus o proteja Lúcio, ainda porque antes da imortalidade que neste momento tanto me eleva no universo da cultura, já havíamos juntos ganho a imortalidade humana pela existência de Daniela e Leonardo, nosso sangue pulsando além de nós.

Aparentar-se pelo bem-querer, afinidade e devoção é centelha existencial divina. Marly Vasconcelos é a irmã-poetisa que sempre possuiu o dom de revelar-me o melhor que há em tudo que escrevo. Ah, como quisera estar à altura da minha gratidão para saber manifestar com mestria a emoção genuína de que fui tomada por sua erudita saudação, tão bela e generosa, no momento em que sou acolhida pela vossa nobreza, senhoras e senhores acadêmicos.

Que os anjos brancos garrettianos perenizem a graça de suas asas brancas, doce e suave Marly, Marly Vasconcelos, Marly poetisa maior, Marly acadêmica, Marly amica mia e non della ventura (adaptação das palavras de Beatriz a Virgílio ao referir-se a Dante em Inferno).

O desejo de ver-me grande e sábia como eles o são, deu ocasião a que alguns acadêmicos sugerissem a ousadia de candidatar-me a uma cadeira vaga nesta centenária Casa. O meu mestre, poeta dos maiores do nosso tempo e, grande amigo, Artur Eduardo Benevides chamou a si a idéia primeira, que ao encontrar o respaldo do tão ilustre Cláudio Martins, da respeitada e erudita Noemi Elisa Aderaldo, da lírica Marly Vasconcelos, do romancista João Clímaco Bezerra, tomou a forma de um convite formulado pelo amigo de notável ilustração Dimas Macêdo, para que me inscrevesse, concorrendo à vaga aberta para a cadeira de número 16 da Academia Cearense de Letras. Bem haja a vossa benquerença, amigos!

Lembro nesta cerimônia de tanta pompa voltada para mim, os três amigos que ganhei de uma só vez e que me correm nas veias, Cláudio, Glícia e Morais, pois que por amá-los tanto não há como deles jamais não vir a depender porquanto nos formamos no universo da verdade, do silêncio e da dor.

Il est de la reconnaissance comme la foi aux engagements, il est de l’amitié comme le respect à nous-même. À chacune de ces personnes, si différemment posicionnées chez moi, Mlle. Sulivant, Bernard Loubié, Lena Ommundsen Pessoa et les Enfants Terribles, je remercie le voisinage de culture, d’espoir, de croyance et d’amitié que vous avez eu auprès de moi. Dieu merci !
Senhores Acadêmicos, a vós que haveis sufragado meu valor literário e o ser intelectual que sou, agradeço o reconhecimento, o estímulo e a honraria que atribuíram-me ao quererem que seja uma de vós. O que generosamente haveis feito por mim, agradecimentos não tenho como transmiti-los, senão que pelo prazer de juntos virmos a usufruir, por longo tempo, os sonhos e os encantos que a Literatura nos concede.

A todos presentes a esta sessão, amigos que convidei pensando em cada um, sabendo que meu regozijo por receber tal honraria seria vosso também, agradeço a Deus o benefício de haver-vos colocado ao meu alcance para que, usufruindo de vossa amizade, entenda e possa sentir o quanto é prazerosa a empatia, o quanto é doce um olhar marejado em nossa intenção e o quanto é magnificente ter lealdade na alma.

Muito, muito obrigada !

Universalidade e Literatura
Discurso de Posse na Cadeira 16 da Academia Cearense de Letras

Ano do 1º Centenário
Maria Beatriz Rosário de Alcântara
Fortaleza, 30.11.1994

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