"Os costumes e tradições apesar de se terem vindo a perder ao longo do tempo, alguns continuam a perdurar devido às memórias dos habitantes da terra que vão lutando para que permaneçam intactas. Das tradições e costumes de Carvoeiro recolhemos as seguintes manifestações profanas:
- As janeiras: no dia 31 de Dezembro de cada ano a juventude da aldeia juntava-se num grupo misto e homogéneo que percorria todas as habitações a pedir as janeiras: ó senhora lá de casa/sentada numa cortiça/ dê lá volta a casa/ dê-me cá uma chouriça. Depois juntavam-se numa casa normalmente desabitada, onde, quais cozinheiros de ocasião, confeccionavam os alimentos angariados banqueteando-se, prolongando a noite até ao dia seguinte.
Veja-se como um autor nascido na própria aldeia, Laércio Antão, descreve as janeiras do seu tempo.
As Janeiras
Antes que surgisse o mês de Janeiro
Pedia-se a carne e as chouriças
Que, com batatas e hortaliças,
Fazia um banquete por inteiro!
Festa, alegre, feita sem canseiras,
Batia mais forte o nosso coração.
Grupos de jovens, cozinheiros de ocasião,
Festejavam, juntos, as Janeiras!
Comia-se muito, era uma folia!
Cotavam-se histórias d’encantar
Ou lendas do antanho, cheias de magia.
E, assim, se acabava aquele serão
Vivido intensamente a sonhar...
Com a alma impregnada de emoção!
In jornal A Comarca de Arganil, nº 9903, 4 de Novembro de 1992
- A matança do porco: dadas as dificuldades do quotidiano de todas as gentes do Carvoeiro a criação do porco ou porcos era prioritária para a sua alimentação. Deste modo, todos os habitantes ao longo de variadíssimas gerações criavam anualmente porcos que, por altura de Dezembro-Janeiro de cada ano, faziam a sua matança. Era um evento festivo, já que era pretexto para encontro familiar através de uma abundante ceia confeccionada sobretudo com algumas partes do porco – a cachola. Depois desmanchava-se, dividia-se a sua carne, faziam-se as morcelas e chouriças ( secando-as ao fumo da lareira ) e guardavam-se esses alimentos em locais próprios: a carne nas “ salgadeiras” e as chouriças na banha, que serviam assim de conduto para o resto do ano.
- O mastro: colocava-se perpendicularmente num local próprio um pinheiro sem ramos e, ao longo de várias semanas a juventude masculina ia trazendo ramos verdes e secos que iam juntando em circulo ao redor do pinheiro. Na noite de 23 para 24 de Junho essa lenha era incendiada ardendo em labaredas, e à sua volta os jovens brincavam e saltavam até de madrugada. Depois, antes do nascer do sol, todos se deslocavam até ao Rio Unhais onde eram obrigados a banhar-se nas suas águas frias. O autor mencionado anteriormente descreve esta tradição da seguinte maneira.
O Mastro
Durante alguns meses de Verão
Juntava-se a lenha ao redor do mastro.
Para, depois, na noite de São João
Arder, cintilante, como um astro!
À sua volta, enquanto ardia,
Saltava-se e ouvia-se cantar.
Era tal o entusiasmo e a alegria
Que até os adultos gostavam de dançar...
Donde teria vindo aquela tradição?
Aquele gosto de ver o mastro a arder
Que era gerador de tanta emoção?!
Herdada dos Mouros ou dos Monges?
E para que seria aquela lenha a arder?
Talvez, para afastar as pestes para longe!
In jornal A Comarca de Arganil, nº 9904, 26 de Novembro de 1992
- As desfolhadas e as debulhas: em termos agrícolas o milho representava quase a sobrevivência dos habitantes da aldeia. Este cereal era semeado, sachado e regado várias vezes até à sua maturação. Por volta de finais de Setembro-Outubro as espigas do milho eram apanhadas e transportadas até aos seus locais de recolha.
Depois em grupos colectivos juntavam-se para desfolhar as espigas e de seguida fazer a sua debulha. Esta, era feita através de artefactos próprios e prolongava-se por longas horas.
Tanto as desfolhadas como as debulhas eram pretexto para convívio sadio e salutar.
Durante as desfolhadas, quem encontrasse uma espiga de milho vermelha ( espiga raínha ) tinha de dar um abraço a todos os rapazes/raparigas.
Veja-se como o mesmo autor aborda estas tradições:
As Desfolhadas
Eram tardes e noites esquecidas...
Aquelas em que se faziam as desfolhadas.
Desnudavam-se as espigas, apetecidas,
Feitas de ouro e a prata, debruadas!
Nelas se juntava a nossa gente
Jovens, adultos e anciãos.
Contavam-se histórias, alegremente,
Enquanto se desfolhavam com as mãos.
Momentos calmos que compensavam
A vida árdua que levavam
Na sua luta sublime com a terra...
Um sorriso, terno, ao recolher
O fruto de canseiras – que dizer?
É, assim, o Homem da Serra!
In jornal A Comarca de Arganil, nº 9871, 3 de setembro de 1992
As Debulhas
Eram tão alegres os serões ao luar
E, as noites, cálidas, tão divertidas.
Sentia-se os paus a bater nas espigas
E ouvia-se os sons dos malhos a malhar!
Geravam corações, ledos em comunhão;
Inter ajuda, solidariedade, alegria;
Amizade, ternura, tanta fantasia...
A um povo, bom, que vivia em união!
Eventos árduos feitos a cantar
E a contar histórias ancestrais
Que pareciam coisas lindas de encantar...
Animavam e alegravam os corações
Cantavam como se fosse em arraiais,
Era um encanto aqueles serões.
In jornal A Comarca de Arganil, nº9879, 24 de setembro de 1992
- As vindimas: a aldeia vivia intensamente a época das vindimas por volta da primeira quinzena de Outubro de cada ano. Normalmente era feita em termos colectivos e de interajuda entre os diversos pequenos proprietários da aldeia, trocava-se o trabalho em vez do pagamento em dinheiro. Dado que abundava aqui a pequena propriedade, em alguns casos pequenissimas leiras, o vinho que se produzia era apenas para consumo local. A festa das vindimas estava intrinsecamente arreigada no imaginário colectivo da aldeia.
Atestando este facto, veja-se como o autor que vimos citando fala sobre as vindimas que presenciou:
As vindimas
Quando as uvas, de tom reluzente,
Coloridas, doces, já maduras,
Faziam-se as vindimas, ternamente,
Numa azáfama cheia de ternuras!
Era um regalo ouvir as cantigas,
As risadas, ledas, emoções sem par;
Enquanto os rapazes e as raparigas
Em diálogo, idílico, pareciam sonhar!...
Cortadas, uma a uma, os cestos enchiam
E aos ombros do homem p’ras dornas seguiam
Num trabalho, alegre, cheio de emoção...
Tarefa tão linda, sempre desejada.
Sempre repetida e sempre encantada
Que tanto fascinava o coração!
In jornal A Comarca de Arganil, nº 9896, 5 Novembro de 1992
- A festa do Carneiro: realizava-se pelo Carnaval e era feita exclusivamente pelos alunos da escola que se fantasiavam e, com a ajuda dos pais, ofereciam um carneiro à professora, sendo depois ocasião para a realização de um baile e peças de teatro.
Manifestações religiosas:
- O Bodo: é uma das tradições mais antigas desta aldeia e teria tido inicio a pretexto de uma promessa de um habitante do Carvoeiro ao Sr. do Bonfim, padroeiro da aldeia. O Bodo continua a fazer-se embora perdendo o seu objectivo inicial que era o de compartilharem o pão com os pobres.
Esta festa é organizada pelos mordomos, sendo os mesmos nomeados anualmente. É normalmente um dia de festa, animando a aldeia e optimizando a solidariedade comunitária.
- As Boas Festas: na Segunda-feira da Pascoela era feita em toda a aldeia a visita Pascal, que consistia na visita domiciliária do Pároco da Freguesia dando a beijar o Menino.
Este evento de cariz religioso representava muito na religiosidade das gentes da aldeia. Actualmente pela falta de padres deixou há alguns anos de se efectuar.
-O toque do sino: sempre que acontecia alguma coisa de anormal na aldeia ( pessoa falecida, incêndios...), o sino ouvia-se em badaladas sonoras avisando a gente da aldeia para algo que tivesse acontecido.
- A festa em honra do padroeiro: Durante várias décadas a festa religiosa em honra do Sr. do Bonfim, realizava-se a 20 de Setembro de cada ano. A partir do inicio da década de 90 a mesma passou a realizar-se no terceiro Sábado de Agosto de cada ano. O seu programa consistia na realização da Eucaristia, a procissão e o leilão de oferendas, cuja receita revertia para os cofres da capela.
A festa profana consistia nos bailaricos muito concorridos efectuados ao som da guitarra e do harmónio, sendo pretexto para animadas desgarradas.
Actualmente, estas tradições vão-se perdendo, já que esses instrumentos e esses bailaricos vêm sendo substituídos pelos conjuntos musicais que proliferam por esse Portugal fora.
Os jogos tradicionais fazem também parte integrante da cultura desta aldeia. Destes destacamos: o jogo da malha e o jogo do pião.
A gastronomia: dos pratos mais típicos da aldeia destacamos a chanfana de cabrito, o bucho, a tiborna ( que era feita no lagar de azeite ), o arroz doce, a tigelada e as filhós, iguarias normalmente confeccionadas nos dias de festa ( Natal, Páscoa e Festa anual do Padroeiro ).
Mas, os habitantes da aldeia comiam sobretudo aquilo que produziam: os ovos, as galinhas, os cabritos e os porcos."
Os costumes e tradições do Carvoeiro,Laércio Antão
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