quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

tão só a estrada...


Viagens na Minha Terra
GARRETT, Almeida
COLARES EDITORA 1� Edi��o de 1999
P�ginas: 200 Peso: 222 gr. Formato: 16x24 cm
ISBN: 9727820018



Estando eu á janela coa minha almofada,

Minha agulha d'ouro, meu dedal de prato;

Passa um cavaleiro, pedia pousada:

Meu pai. lho negou: quanto me custava!

— Já vem vindo a noite, é tão só a estrada...

Senhor pai, não digam tal de nossa casa

Que um cavaleira que pede pousada

Se fecha esta porta à noite cerrada.

Roguei e pedi — muito lhe pesava

Mas eu tanto fiz, que por fim deixava

Fui-lhe abrir a porta, mui contente entrava;

Ao lar o levei, logo se assentava.

As mãos lhe dei água, ele se lavava:

Pus-lhe uma toalha, nela se limpava.

Poucas as palavras, que mal me falava,

Mas eu bem senti que ele me mirava.

Fui o erguer os olhos, mal os levantava,

Os seus lindos olhos na terra os pregava.

Fui-lhe pôr a ceia, muito bem ceava;

A cama lhe fiz, nela se deitava.

Dei-lhe as boas-noites, não me replicava:

Tão má cortesia nunca a vi usada!

Lá por meia-noite, que me eu sufocava,

Sinto que me levam coa boca tapada...

Levam-me a cavalo, levam-me abraçada,

Correndo, correndo sempre à desfilada.

Sem abrir os olhos, vi quem me roubava;

Calei-me e chorei — ele não falava.

Dali muito longe que me perguntava:

Eu na minha tenra como me chamava.

— Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;

Por aqui agora Iria, a cansada.

Andando, andando, toda a noite andava;

Lá por madrugada que me atentava...

Horas esquecidas comigo lutava;

Nem força nem rogos, tudo lhe mancava.

Tirou do alfange... ali me matava,

Abriu uma cova onde me enterrava.



No fim de sete anos passo o cavaleiro,

Uma linda ermida viu naquele outeiro,

—"Que ermida é aquela, de tanto romeiro?"

—" É de Santo Iria, que sofreu marteiro."

— 'Minha Santo Iria, meu amor primeiro,

Se me perdoares, serei teu romeiro."

—"Perdoar não te hei de, ladrão carniceiro,

Que me degolaste que nem um cordeiro."

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