Viagens na Minha Terra
GARRETT, Almeida
COLARES EDITORA 1� Edi��o de 1999
P�ginas: 200 Peso: 222 gr. Formato: 16x24 cm
ISBN: 9727820018
Estando eu á janela coa minha almofada,
Minha agulha d'ouro, meu dedal de prato;
Passa um cavaleiro, pedia pousada:
Meu pai. lho negou: quanto me custava!
— Já vem vindo a noite, é tão só a estrada...
Senhor pai, não digam tal de nossa casa
Que um cavaleira que pede pousada
Se fecha esta porta à noite cerrada.
Roguei e pedi — muito lhe pesava
Mas eu tanto fiz, que por fim deixava
Fui-lhe abrir a porta, mui contente entrava;
Ao lar o levei, logo se assentava.
As mãos lhe dei água, ele se lavava:
Pus-lhe uma toalha, nela se limpava.
Poucas as palavras, que mal me falava,
Mas eu bem senti que ele me mirava.
Fui o erguer os olhos, mal os levantava,
Os seus lindos olhos na terra os pregava.
Fui-lhe pôr a ceia, muito bem ceava;
A cama lhe fiz, nela se deitava.
Dei-lhe as boas-noites, não me replicava:
Tão má cortesia nunca a vi usada!
Lá por meia-noite, que me eu sufocava,
Sinto que me levam coa boca tapada...
Levam-me a cavalo, levam-me abraçada,
Correndo, correndo sempre à desfilada.
Sem abrir os olhos, vi quem me roubava;
Calei-me e chorei — ele não falava.
Dali muito longe que me perguntava:
Eu na minha tenra como me chamava.
— Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;
Por aqui agora Iria, a cansada.
Andando, andando, toda a noite andava;
Lá por madrugada que me atentava...
Horas esquecidas comigo lutava;
Nem força nem rogos, tudo lhe mancava.
Tirou do alfange... ali me matava,
Abriu uma cova onde me enterrava.
No fim de sete anos passo o cavaleiro,
Uma linda ermida viu naquele outeiro,
—"Que ermida é aquela, de tanto romeiro?"
—" É de Santo Iria, que sofreu marteiro."
— 'Minha Santo Iria, meu amor primeiro,
Se me perdoares, serei teu romeiro."
—"Perdoar não te hei de, ladrão carniceiro,
Que me degolaste que nem um cordeiro."
GARRETT, Almeida
COLARES EDITORA 1� Edi��o de 1999
P�ginas: 200 Peso: 222 gr. Formato: 16x24 cm
ISBN: 9727820018
Estando eu á janela coa minha almofada,
Minha agulha d'ouro, meu dedal de prato;
Passa um cavaleiro, pedia pousada:
Meu pai. lho negou: quanto me custava!
— Já vem vindo a noite, é tão só a estrada...
Senhor pai, não digam tal de nossa casa
Que um cavaleira que pede pousada
Se fecha esta porta à noite cerrada.
Roguei e pedi — muito lhe pesava
Mas eu tanto fiz, que por fim deixava
Fui-lhe abrir a porta, mui contente entrava;
Ao lar o levei, logo se assentava.
As mãos lhe dei água, ele se lavava:
Pus-lhe uma toalha, nela se limpava.
Poucas as palavras, que mal me falava,
Mas eu bem senti que ele me mirava.
Fui o erguer os olhos, mal os levantava,
Os seus lindos olhos na terra os pregava.
Fui-lhe pôr a ceia, muito bem ceava;
A cama lhe fiz, nela se deitava.
Dei-lhe as boas-noites, não me replicava:
Tão má cortesia nunca a vi usada!
Lá por meia-noite, que me eu sufocava,
Sinto que me levam coa boca tapada...
Levam-me a cavalo, levam-me abraçada,
Correndo, correndo sempre à desfilada.
Sem abrir os olhos, vi quem me roubava;
Calei-me e chorei — ele não falava.
Dali muito longe que me perguntava:
Eu na minha tenra como me chamava.
— Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;
Por aqui agora Iria, a cansada.
Andando, andando, toda a noite andava;
Lá por madrugada que me atentava...
Horas esquecidas comigo lutava;
Nem força nem rogos, tudo lhe mancava.
Tirou do alfange... ali me matava,
Abriu uma cova onde me enterrava.
No fim de sete anos passo o cavaleiro,
Uma linda ermida viu naquele outeiro,
—"Que ermida é aquela, de tanto romeiro?"
—" É de Santo Iria, que sofreu marteiro."
— 'Minha Santo Iria, meu amor primeiro,
Se me perdoares, serei teu romeiro."
—"Perdoar não te hei de, ladrão carniceiro,
Que me degolaste que nem um cordeiro."
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