domingo, 12 de fevereiro de 2006

Buscar a Manhã

Antigamente os de Fajão não sabiam quando era manhã para se poderem levantar. Então resolveram em assembleia geral, que era na Raseira, escalar cada mês um lavrador para ir à serra buscar a manhã. O que estava escalado prendia os bois ao carro, punha-lhe uns sacos em cima e abalava para a Serra, ainda de noite, para ir buscar a manhã.Aconteceu que um dia calhou pernoitar um almocreve em casa dum lavrador. Altas horas da noite ouviu um reboliço em casa e perguntou o que era aquilo. Disseram-lhe que estavam a prender os bois e a preparar o carro para ir à Serra buscar a manhã, porque aquele mês tinha-lhe calhado na escala.O almocreve viu logo ali uma boa ocasião para fazer negócio, e perguntou: Quanto dão vocês a quem vos traz um bichinho que todos os dias vos diz quando é de manhã?- Trinta mil réis e uma carga de presuntos (era o dinheiro em Fajão).Eles aceitaram, e o almocreve, à volta trouxe-lhes um galo. O galo cantava logo de manhã e eles assim escusariam de ter tanto trabalho de ir buscar a manhã.Mas esqueceram-se duma coisa: não perguntaram ao almocreve que é que o bicho comia. Lá vai então um a correr a ver se ainda apanhava o almocreve para lhe perguntar o que é que o bicho comia. Logo que o avistou perguntou cá de longe: Ó senhor, que é que o bicho come?- Ora! Que é que o bicho come! Come do que come a gente!O homem entendeu «o bicho come a gente». Passou parte ao povo, «o bicho come a gente», e todos à uma se atiraram ao pobre bichinho até darem cabo dele, e assim continuaram a ir todos os dias buscar a manhã, cada um conforme a sua escala.«Saberá Vossa Senhoria que comigo somos catorze».
Contos de Fajão

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