segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

A Queda do Egoísta Johann Fatzer

"Entre Rimbaud e Lenine, o coração envelhece. Se podemos dizer que Fatzer começa do lado da liga espartaquista (a recusa da guerra, a consciência da guerra de classses contra a ideia de guerra nacional, o elogio da deserção), irá acabar com o debate político levantado por Koch/Keuner: como criar a disciplina, como organizar um partido, como manter a revolta para além do gesto original. Como "crescer". Estaremos então na passagem da "doença infantil do comunismo" ao "tudo pela produção" de Lenine? Entre o Outubro e A Linha Geral?
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Que Rimbaud conduz ao desespero do terrorismo é uma verdade daquelas que a tragédia Baader-Meinhof veio de novo evidenciar no derrubar do comunismo. A entrada na idade adulta é a aprendizagem da morte. Da morte própria, também. Mas, acima de tudo, o aprender a matar. Cresce-se matando dentro de nós e matando os outros. Diz-se em A Decisão de Brecht, diz-se em Mauser de Heiner Müller. Com "humildade", diz-se em Fatzer.
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Fazer teatro para mim é tentar negar na prática diária a "democracia representativa" que, a mim, não me representa. Não aceito ser o "delegado" dos actores junto do Belo ou do Justo, não os represento junto da "totalidade da obra".
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O trabalho que fazemos juntos (eixado desde o António, Um Rapaz de Lisboa nesse tema para mim fulcral que é o da "passagem da juventude à idade adulta") é um trabalho, nesse sentido, basista. Como eu queria sermos um soviete. Organizarmo-nos (em "Conselho") pela responsabilidade individual.
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Mas como fazê-lo, amigos, se, como diria Fatzer, depois de nós "só haverá vencidos"?

Jorge Silva Melo

No Arquivo-Brecht há cerca de quatrocentas páginas [do projecto-Fatzer], material difuso, umas vezes uma folha de papel só tem uma linha, outras vezes a página está toda escrita, pontos de partida para versões diferentes. Espalhei as quatrocentas páginas na sala onde estava a trabalhar, andei lá pelo meio e procurei o que ligava. Conforme me apeteceu, fui estabelecendo ligações, relações em que Brecht não podia ter pensado, um puzzle. O egoísta Fatzer, que era no início muito claramente uma figura de identificação para Brecht, tornou-se cada vez mais construído de versão para versão. Depois passou Koch a ser o protagonista. Na última versão, da qual só há um fragmento, Koch torna-se Keuner, Keuner como Lenine, o pragmático, o que tenta o possível. Koch, o terrorista, Fatzer, o anarquista, Koch/Keuner a ligação da disciplina e do terror.
Heiner Müller

"Brecht despertou o melhor de Jorge Silva Melo e dos Artistas Unidos. Se o ciclo de Prometeu se ficar por aqui, pode dizer-se que Fatzer o encerrou com chave de ouro. E a programação teatral do Festival dos Cem Dias atingiu o seu momento mais alto."
Manuel João Gomes, Público, Maio 1998

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