terça-feira, 18 de abril de 2006

Nas faldas da Serra do Açor

Há muitos séculos que as verdes pastagens da Serra do Açor atraíam grupos de pastores que para aí levavam os seus rebanhos. Diz-se mesmo que esses pastores seriam os Lusitanos, hábeis criadores de cavalos que povoavam os Montes Hermínios (Estrela).

Ao longo dos tempos as populações foram criando condições para a sua subsistência, conquistando à Serra cada pequena leira cultivada em socalcos. A agricultura, a pastorícia e a apicultura constituíram assim as principais actividades das populações do Piódão.

Pelo alto da Serra do Açor, próximo do Piódão, passava a antiga estrada real que ligava Coimbra à Covilhã por onde circulavam caravanas de carros de bois que traziam do litoral o peixe e o sal para levarem no regresso a carne, o queijo e os lanifícios destas terras do interior. Por ali passavam mercadores e pastores e até salteadores. Diz-se também que terão sido os ataques dos salteadores que incentivaram a união dos solitários pastores, espalhados por aquelas agrestes penedias onde criavam éguas, cavalos, ovelhas e cabras.

Situado num vale profundo e isolado, escondido nas faldas da Serra do Açor, o Piódão foi considerado, desde tempos remotos, como o local de eleição para refúgio de muitos foragidos da justiça. Ali se terá acolhido o fidalgo Diogo Lopes Pacheco, o único dos assassinos de D. Inês de Castro que logrou escapar à fúria de D. Pedro, quando, em segredo, vinha de Espanha a Portugal. Também aqui se teria refugiado João Brandão, misto de herói e assassino. Diz-se dele que atacava os seus inimigos pela calada da noite para se refugiar durante o dia em casa do Pároco do Piódão. E fala-se ainda de outros salteadores, em tempos mais ou menos remotos, como José do Telhado ou o Oliveirão.

Na sua origem a população pode ter alguns fora-da-lei, mas tem também a fidalguia e abastança dos seus senhores, com direito a tribuna própria na Igreja da Lourosa. Foi desta memória que ficou uma conhecida quadra popular.



"Gente nobre do Piódão
Gente de grande tesouro
Vão à missa à Lourosa
Com as suas esporas de ouro."
A criação da freguesia do Piódão data de 1676 e há notícia de ter sido um curato de apresentação anual no cabido da Sé de Coimbra.

No final de Oitocentos o Piódão transformou-se no pólo cultural de uma vasta região beirã por obra do seu jovem pároco, o padre Manuel Fernandes Nogueira, ali colocado em 1885 quando tinha apenas 25 anos. A ele se ficou a dever a fundação do seminário-colégio em 1886 que preparava os jovens para os estudos universitários e, mais frequentemente, para a vida eclesiástica. E ali ensinava, quase sozinho, todas as disciplinas do curso preparatório do Seminário.

Tendo funcionado até l906, a qualidade do ensino do Colégio do Piódão ultrapassou os limites do seu isolamento, atraindo centenas de jovens oriundos das mais diversas terras dos concelhos de Coimbra, Guarda e Castelo Branco. Alguns dos seus alunos tornaram-se depois figuras de destaque na vida política e eclesiástica Portuguesa.

A acção do padre Manuel Fernandes Nogueira, actualmente homenageado por uma estátua no largo da aldeia, não se limitou ao aspecto académico e cultural da povoação. Incentivou o desenvolvimento da agricultura e da silvicultura, criando na população laços estreitos de vida comunitária, e participando activamente no desenvolvimento económico da freguesia. Com o encerramento do Colégio, retoma-se o antigo esquecimento, interrompido a breves espaços pelos esforços isolados dos seus povos.

Só na década de 70 é que o Piódão consegue enfim aceder, e se tornar acessível, ao resto do mundo, com a abertura da estrada até à aldeia, em 1972, e a instalação de energia eléctrica, em 1978. Até àquela data, a única estrada existente terminava a cerca de 12 Km do Piódão e a distância só podia ser ultrapassada a pé, por caminhos demasiado estreitos para permitir a passagem dos carros de bois.

Tempos difíceis ainda frescos na memória das suas gentes, amenizados todavia por uma vida comunitária de entreajuda. Tempos idos em o povo do Piódão moldava o destino com as próprias mãos.

Por todo o povoado nasce agora uma sensação de vazio: a estrada que lhes trouxe o conforto dos tempos modernos, quebra-lhes a solidariedade e a vontade, tira-lhes o destino das mãos e leva-lhes para longe os filhos da terra.

Ficam os mais velhos trabalhando os estreitos socalcos de terra pouco profunda onde a máquina não pode trabalhar.

E fica também, ainda, o sabor da chanfana, do cabrito assado ou do presunto e a imprescindível companheira das noites frias de inverno, a aguardente de mel ou de medronho.
Aldeia do Piódão / Turismo Rural / C.M.C.

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