Homilia do Cardeal Patriarca
"Contemplar a Cruz através do olhar de Maria"
"Contemplar a Cruz através do olhar de Maria"
1. "Stabat Mater dolorosa, iúxta Crúcem lacrimosa, dum pendébat Filius". Silenciosa aos pés da Cruz, com o coração retalhado de dor, Maria é figura da humanidade redimida. Nesta Sexta-Feira Santa convido-vos a contemplar o mistério da Cruz de Cristo, através do olhar maternal de Maria. O evangelista São João refere-nos que aos pés da Cruz, onde o Senhor entrega a vida, estavam a Mãe de Jesus, acompanhada por sua irmã Maria, mulher de Cleófas e Maria de Magdala (Jo. 19,25). Jesus tinha sido praticamente abandonado por todos. Os discípulos dispersaram-se, restando apenas João, aquele que Jesus amava; os miraculados desapareceram, as multidões que O seguiam e O aclamaram como Messias nas rua de Jerusalém, tinham pedido a Sua condenação. Só Maria, Sua Mãe, acompanhada por duas amigas e João são fiéis até ao fim. Eles vencem o medo e superam a dor e não evitam a Cruz. Essa é a primeira atitude que podemos aprender com Maria: não ter medo da Cruz, contemplá-la com amor, porque aquele crucificado é a encarnação do amor. Aproximamo-nos da Cruz porque nela está suspenso alguém que nos ama infinitamente, nosso Senhor e Mestre. Naquela Cruz joga-se o nosso destino; ali somos gerados para uma vida nova, nas núpcias misteriosas entre Deus e a humanidade; e Maria, que dera à luz o Verbo encarnado, surge como Mãe da nova humanidade, participando como mulher Mãe nesse parto doloroso da humanidade redimida. Jesus explicita essa nova maternidade de Maria, ao dizer-lhe, referindo-se a São João: "Mulher, eis o teu filho". A maldição que tinha caído sobre outra mulher, Eva, a primeira mãe da humanidade, condenada a dar à luz os seus filhos na dor (Gen. 3,16) é vencida na dor de Maria. Também ela, aos pés da Cruz, gera os novos filhos na dor, mas a sua dor é o sofrimento da redenção.
2. Aos pés da Cruz está Maria como co-redentora. Quis Deus que entre ela e o seu Filho, houvesse uma unidade de missão, e essa missão Maria aceitou-a, desde o primeiro momento, na obediência da fé. "Eu sou a Serva do Senhor, cumpra-se em mim a Tua Palavra" (Lc. 1, 38). Essa obediência total à vontade do Pai será a atitude contínua de Jesus. A Sua fidelidade é uma obediência que, segundo São Paulo, encontra a sua máxima expressão naquela Cruz: humilhando-Se ainda mais, obedeceu até à morte na Cruz (Fil. 2,8). E na Carta aos Hebreus que há pouco escutámos, diz-se que Ele, "apesar de ser Filho, aprendeu, de quanto sofrera, o que é obedecer" (Heb. 5,8). Aprender a obediência, aprofundar a atitude de abandono à vontade de Deus, eis algo que Maria não deixou de aprofundar, desde a anunciação até à Cruz. Aos pés da Cruz, tal como Seu Filho, Maria obedece, abandona-se ao desígnio misterioso de Deus e percebe, na Cruz, qual era a vontade de Deus a que se abandonara no início. A sua obediência é, agora, mais radical e profunda, pois percebe que é mais exigente aceitar a vontade de Deus acerca do Seu Filho do que acerca dela própria. A sua obediência é a mesma de Jesus, ela é co-redentora.
Contemplemo-la, no seu olhar terno e sereno, de quem abraça o mundo no dom do Seu Filho e aprendamos, com ela, a obedecer à vontade do Senhor, quando nos convida à conversão, quando nos atrai para a intimidade, quando nos envia em missão, quando nos interpela a sermos santos, como Ele é Santo. A Cruz de Cristo é, em cada momento, um apelo à conversão, um convite à confiança, um desafio de amor. Se hesitarmos na resposta, cruzemos o nosso olhar com o dela, e peçamos-lhe que seja nossa mediadora. 3. Contemplar Maria aos pés da Cruz é captar a redenção como drama, que atinge a sua profundidade no sofrimento de inocentes, pessoas cujo coração puro nunca conheceu o pecado. O sofrimento revela-se-nos, neles, não como castigo merecido da culpa, mas na força positiva da sua energia criadora. Porquê o sofrimento de corações inocentes, como o de Cristo e o coração Imaculado de Sua Mãe? Já no Antigo Testamento, nas regras da Páscoa Judaica, estava determinado que a vítima pascal deveria ser um cordeiro sem defeito (Ex. 12,5). Na nova Páscoa, Jesus, o mais puro dos homens, que exprime na natureza humana a própria pureza de Deus, é o novo Cordeiro Pascal. Fora assim que João Baptista, apontando-O com o dedo, O apresentou aos seus discípulos: "Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo. 1,29). Mas no altar do sacrifício, como vítima sem mancha, acompanha-O Maria, Sua Mãe. Por isso a liturgia bizantina chama a Maria "a cordeira de Deus". Ela é, verdadeiramente, co-redentora. Contemplando Maria aos pés da Cruz, canta uma antífona daquela tradição litúrgica: "Ao ver o Cordeiro, Pastor e Redentor, injustamente levantado na Cruz, a cordeira exclama, chorando amargamente: o mundo rejubila aceitando de Ti a redenção, as minhas entranhas ardem ao ver a Tua crucifixão, que Tu sofres por misericórdia; Deus bondoso, Senhor sem pecado! A Ela clamamos com fé: alcança-nos misericórdia, ó Virgem, concede-nos a remissão dos pecados, a nós que nos prostramos diante do Teu sofrimento" (1).
Contemplamos o mistério da Cruz através do coração Imaculado da Mãe de Jesus, também ela imolada com o Cordeiro Pascal. Naquela Cruz joga-se o destino da humanidade pecadora, o destino de cada um de nós. Mesmo que sofrêssemos todas as dores do mundo, elas não mereceriam a nossa redenção. Interpretá-las-íamos como castigo dos nossos pecados, porventura como vingança de Deus. Só corações inocentes podiam acolher o sofrimento como expressão dramática do amor de Deus ofendido, percebendo-lhe a grandeza do amor misericordioso. Num coração inocente o sofrimento é todo dom e oferta, é hino de louvor. Fixando o nosso olhar em Maria, Mãe dolorosa, percebemos a dramaticidade do pecado como ofensa à glória devida a Deus. A gravidade do pecado consiste nisso: que uma criatura criada à imagem de Deus, exerça a sua liberdade contra o desígnio amoroso desse mesmo Deus. Ao tomarem sobre si os nossos pecados, Jesus e Sua Mãe, sem nunca terem pecado, não se limitam a sofrer em vez dos pecadores, sofrem por causa do pecado, com tal intensidade, que repõem a glória ofendida e restituem, como que em nova criação, a capacidade de os homens pecadores se abandonarem à misericórdia.
4. Recomeça ali, aos pés daquela Cruz, uma nova possibilidade de fidelidade à aliança com Deus, nasce um povo novo, gerado na inocência do seio virginal da Igreja, de que Maria é Mãe e figura. "Depois Jesus disse ao discípulo: eis a tua Mãe" (Jo. 19,27). Aos pés da Cruz, contemplando Maria, descobrimos a fecundidade virginal da Igreja, que nos gera na inocência, para um caminho novo de fidelidade. Como aconteceu com Jesus e Sua Mãe, a inocência não nos liberta do sofrimento; mas permite-nos aceitar todo o sofrimento e fazer dele um dom, dando-lhe força redentora. Contemplando Maria, aos pés da Cruz, aprenderemos, com ela, a abraçar a nossa cruz, e fazer dela oferta eucarística e hóstia de louvor, para a redenção do mundo.
Sé Patriarcal, 29 de Março de 2002
NOTA: 1 - Joseph L'Edit, Marie dans la Liturgie de Byzance, pp. 194
2. Aos pés da Cruz está Maria como co-redentora. Quis Deus que entre ela e o seu Filho, houvesse uma unidade de missão, e essa missão Maria aceitou-a, desde o primeiro momento, na obediência da fé. "Eu sou a Serva do Senhor, cumpra-se em mim a Tua Palavra" (Lc. 1, 38). Essa obediência total à vontade do Pai será a atitude contínua de Jesus. A Sua fidelidade é uma obediência que, segundo São Paulo, encontra a sua máxima expressão naquela Cruz: humilhando-Se ainda mais, obedeceu até à morte na Cruz (Fil. 2,8). E na Carta aos Hebreus que há pouco escutámos, diz-se que Ele, "apesar de ser Filho, aprendeu, de quanto sofrera, o que é obedecer" (Heb. 5,8). Aprender a obediência, aprofundar a atitude de abandono à vontade de Deus, eis algo que Maria não deixou de aprofundar, desde a anunciação até à Cruz. Aos pés da Cruz, tal como Seu Filho, Maria obedece, abandona-se ao desígnio misterioso de Deus e percebe, na Cruz, qual era a vontade de Deus a que se abandonara no início. A sua obediência é, agora, mais radical e profunda, pois percebe que é mais exigente aceitar a vontade de Deus acerca do Seu Filho do que acerca dela própria. A sua obediência é a mesma de Jesus, ela é co-redentora.
Contemplemo-la, no seu olhar terno e sereno, de quem abraça o mundo no dom do Seu Filho e aprendamos, com ela, a obedecer à vontade do Senhor, quando nos convida à conversão, quando nos atrai para a intimidade, quando nos envia em missão, quando nos interpela a sermos santos, como Ele é Santo. A Cruz de Cristo é, em cada momento, um apelo à conversão, um convite à confiança, um desafio de amor. Se hesitarmos na resposta, cruzemos o nosso olhar com o dela, e peçamos-lhe que seja nossa mediadora. 3. Contemplar Maria aos pés da Cruz é captar a redenção como drama, que atinge a sua profundidade no sofrimento de inocentes, pessoas cujo coração puro nunca conheceu o pecado. O sofrimento revela-se-nos, neles, não como castigo merecido da culpa, mas na força positiva da sua energia criadora. Porquê o sofrimento de corações inocentes, como o de Cristo e o coração Imaculado de Sua Mãe? Já no Antigo Testamento, nas regras da Páscoa Judaica, estava determinado que a vítima pascal deveria ser um cordeiro sem defeito (Ex. 12,5). Na nova Páscoa, Jesus, o mais puro dos homens, que exprime na natureza humana a própria pureza de Deus, é o novo Cordeiro Pascal. Fora assim que João Baptista, apontando-O com o dedo, O apresentou aos seus discípulos: "Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo. 1,29). Mas no altar do sacrifício, como vítima sem mancha, acompanha-O Maria, Sua Mãe. Por isso a liturgia bizantina chama a Maria "a cordeira de Deus". Ela é, verdadeiramente, co-redentora. Contemplando Maria aos pés da Cruz, canta uma antífona daquela tradição litúrgica: "Ao ver o Cordeiro, Pastor e Redentor, injustamente levantado na Cruz, a cordeira exclama, chorando amargamente: o mundo rejubila aceitando de Ti a redenção, as minhas entranhas ardem ao ver a Tua crucifixão, que Tu sofres por misericórdia; Deus bondoso, Senhor sem pecado! A Ela clamamos com fé: alcança-nos misericórdia, ó Virgem, concede-nos a remissão dos pecados, a nós que nos prostramos diante do Teu sofrimento" (1).
Contemplamos o mistério da Cruz através do coração Imaculado da Mãe de Jesus, também ela imolada com o Cordeiro Pascal. Naquela Cruz joga-se o destino da humanidade pecadora, o destino de cada um de nós. Mesmo que sofrêssemos todas as dores do mundo, elas não mereceriam a nossa redenção. Interpretá-las-íamos como castigo dos nossos pecados, porventura como vingança de Deus. Só corações inocentes podiam acolher o sofrimento como expressão dramática do amor de Deus ofendido, percebendo-lhe a grandeza do amor misericordioso. Num coração inocente o sofrimento é todo dom e oferta, é hino de louvor. Fixando o nosso olhar em Maria, Mãe dolorosa, percebemos a dramaticidade do pecado como ofensa à glória devida a Deus. A gravidade do pecado consiste nisso: que uma criatura criada à imagem de Deus, exerça a sua liberdade contra o desígnio amoroso desse mesmo Deus. Ao tomarem sobre si os nossos pecados, Jesus e Sua Mãe, sem nunca terem pecado, não se limitam a sofrer em vez dos pecadores, sofrem por causa do pecado, com tal intensidade, que repõem a glória ofendida e restituem, como que em nova criação, a capacidade de os homens pecadores se abandonarem à misericórdia.
4. Recomeça ali, aos pés daquela Cruz, uma nova possibilidade de fidelidade à aliança com Deus, nasce um povo novo, gerado na inocência do seio virginal da Igreja, de que Maria é Mãe e figura. "Depois Jesus disse ao discípulo: eis a tua Mãe" (Jo. 19,27). Aos pés da Cruz, contemplando Maria, descobrimos a fecundidade virginal da Igreja, que nos gera na inocência, para um caminho novo de fidelidade. Como aconteceu com Jesus e Sua Mãe, a inocência não nos liberta do sofrimento; mas permite-nos aceitar todo o sofrimento e fazer dele um dom, dando-lhe força redentora. Contemplando Maria, aos pés da Cruz, aprenderemos, com ela, a abraçar a nossa cruz, e fazer dela oferta eucarística e hóstia de louvor, para a redenção do mundo.
Sé Patriarcal, 29 de Março de 2002
NOTA: 1 - Joseph L'Edit, Marie dans la Liturgie de Byzance, pp. 194
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