quarta-feira, 31 de maio de 2006

Continua a Primavera


Com a chegada da Primavera, dá-se a aparição do SÁVEL, o peixe símbolo do rio Minho, pelo seu valor sócio-económico, a sua história, a etnografia e a gastronomia. Era a espécie básica, que tanto alimentava a comunidade piscatória...Continua Aqui

"O trabalho em Portugal"

Artigo 36º

2 - "O docente desenvolve a sua actividade profissional de acordo com as orientações de política educativa e no quadro da formação integral do aluno, cabendo-lhe genericamente:

a) Identificar saberes e competências-chave dos programas curriculares de forma a desenvolver situações didácticas em articulação permanente entre conteúdos, objectivos e situações de aprendizagem, adequadas à diversidade dos alunos;

b) Gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais;

c) Trabalhar em equipa com professores e outros profissionais, envolvidos nos mesmos processos de aprendizagem;

d) Desenvolver, como prática da sua acção formativa, a utilização correcta da língua portuguesa nas suas vertentes oral e escrita;

e) Assegurar as actividades educativas de apoio e enriquecimento curricular dos alunos, cooperando na detecção e acompanhamento de dificuldades de aprendizagem;

f) Assegurar e desenvolver actividades educativas de apoio aos alunos, colaborando na detecção e acompanhamento de crianças e jovens com necessidades educativas especiais;

g) Utilizar adequadamente recursos educativos variados, nomeadamente as tecnologias de informação e conhecimento, no contexto do ensino e das aprendizagens;

h) Utilizar a avaliação como elemento regulador e promotor da qualidade do ensino, das aprendizagens e do seu próprio desenvolvimento profissional;

i) Participar na construção, realização e avaliação do projecto educativo e curricular de escola;

j) Participar nas actividades de administração e gestão da escola, nomeadamente no planeamento e gestão de recursos;

l) Participar em actividades institucionais, designadamente em serviços de exames e outras reuniões de avaliação;

m) Colaborar com as famílias e encarregados de educação no processo educativo, em projectos de orientação escolar e profissional;

n) Promover projectos de inovação e partilha de boas práticas, com outras escolas, instituições e parceiros sociais;

o) Fomentar a qualidade do ensino e das aprendizagens, promovendo a sua permanente actualização científica e pedagógica apoiado na reflexão e na investigação;

p) Fomentar o desenvolvimento da autonomia dos alunos, respeitando as suas diferenças culturais e pessoais, valorizando os diferentes saberes e culturas e combatendo processos de exclusão e discriminação;

q) Demonstrar capacidade relacional e de comunicação, assim como equilíbrio emocional nas mais variadas circunstâncias;

r) Desenvolver estratégias pedagógicas diferenciadas, promovendo aprendizagens significativas no âmbito dos objectivos curriculares de ciclo e de ano;

s) Assumir a sua actividade profissional, com sentido ético, cívico e formativo;

t) Desenvolver competências pessoais, sociais e profissionais para conceber respostas inovadoras às novas necessidades da sociedade do conhecimento;

u) Promover o seu próprio desenvolvimento profissional, criando situações de autoformação diversificadas, nomeadamente em equipa com outros profissionais, na resolução de problemas emergentes de educativas situações;

v) Avaliar as suas práticas, conhecimentos científicos e pedagógicos e gerir o seu próprio plano de formação.

Ao professor titular são atribuídas, além das previstas no número anterior, as seguintes funções:

a) Coordenação pedagógica do ano, ciclo ou curso;

b) Direcção de centros de formação das associações de escolas;

c) Exercício dos cargos de direcção executiva da escola;

d) Coordenação de departamentos curriculares e conselhos de docentes;

e) Orientação da prática pedagógica supervisionada a nível da escola;

f) Coordenação de programas de desenvolvimento;

g) Exercício das funções de professor supervisor;

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terça-feira, 30 de maio de 2006

Continua a Primavera


The Art of Clemente Arce LA PRIMAVERA SPRINGTIME

"a construção de um professor"

Formar profissionais capazes de criar situações de aprendizagem deveria ser o eixo central da maior parte dos programas de formação inicial e continuada dos professores da pré-escola à universidade. Tal visão porém ainda está muito longe do verdadeiro sentido que se deve dar ao termo tornar-se professor.

Uma série de estudos sociológicos demonstram uma clara evolução das profissões: enfermeiros, assistentes sociais, jornalistas e ... professores. Assim, frente aos inúmeros desafios da transformação necessária dos sistemas educacionais o papel do professor deve evoluir de mero executante para o de profissional.

O presente artigo procura refletir um pouco estas transformações necessárias a partir de minha experiência individual e particular como docente. A intenção é desvelar qual é o papel do professor em sala de aula, comprometido com a ação educativa.
sultados exatamente como os esperados. Percebi então, a complexidade do ser professor, do estar em sala de aula e o tamanho da responsabilidade que colocam em nossos ombros. Diante destas constatações, surgiram algumas questões: qual é o papel do professor na ação educativa? E, como deve ser (formado) esse professor?

São questões difíceis de serem respondidas. Principalmente, porque em educação não existem receitas e/ou fórmulas mágicas. Porém, cabe aqui uma reflexão mais profunda sobre estas questões.

Em busca do entendimento de alguns conceitos importantes

Antes de partir para uma reflexão mais profunda, é preciso entender o termo educação. Para Libâneo deve-se reconhecer

`` no conceito de educação a idéia de que o acontecer educativo corresponde à ação e ao resultado de um processo de formação dos sujeitos ao longo das idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem capacidades e qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas por determinado contexto social ``(1998, p.65).

A partir disso, é possível vislumbrar uma série de definições para o conceito de educação e quase todas são unânimes num aspecto importante: a educação é vista como um processo de desenvolvimento que se dá num `continuum'.

O problema reside nas formas como cada uma dessas concepções encara o processo. As visões atualmente em voga - e que permeiam o sistema educativo institucionalizado - tendem a conceber a educação não como algo que possa surgir da relação HOMEM X MUNDO, mas trabalham a educação como um produto, onde é necessário lidar com competências e planificações capazes de levar a um resultado previamente sabido e calculado.

Esta visão é claramente perceptível nas novas diretrizes curriculares dos cursos superiores de Comunicação Social. Homologadas meio na surdina em abril de 2001, tais diretrizes privilegiam a formação técnica e consideram as práticas que exijam reflexão, planejamento e pesquisa como entraves à formação de um profissional voltado para o mercado.

Assim, se entendemos que a prática educativa tende a ser vista como um produto, como o final de um processo elaborado e organizado, com um fim estabelecido onde o aluno deve chegar enquanto fruto de competências trabalhadas, poderemos partir para um outro ponto de reflexão: a própria profissão docente, uma vez que , segundo Sacristán (In Nóvoa: 1995), o discurso pedagógico dominante hiper-responsabiliza os professores em relação à prática pedagógica e à qualidade de ensino. Embora isso apenas reflita a realidade de um sistema centrado na figura do professor como condutor visível da ação educativa.

Reflete também como a sociedade atual afeta a escola, transferindo a esta e, principalmente, aos professores, um número cada vez maior de funções, às quais muitas vezes não estão preparados e/ou não possuem a competência necessária para exercê-las e, muitas vezes, são funções não relacionadas diretamente com a nossa profissão. É preciso ter clareza das funções do professor para não sujeitar-se à desprofissionalização. E isso tende a ser um problema quando não se foi preparado para ser professor, como é o caso específico dos profissionais que se tornam professores nos cursos de Comunicação Social, em suas diferentes habilitações.

Ampliando a idéia de prática educativa

Ensinar é uma prática social ou, como Freire (1974) imaginava, uma ação cultural, pois se concretiza na interação entre professores e alunos, refletindo a cultura e o contextos sociais a que pertencem.

Assim, não se pode reduzir o conceito da prática educativa às ações de responsabilidade do professor e que, normalmente, ocorrem em sala de aula. O ato de educar, a ação educativa, transcende às ações dos professores e extrapola os limites físicos da sala de aula. Sacristán (1995) procura definir melhor esta visão a partir da análise das ``práticas aninhadas''.

Tal análise é esclarecedora na medida em que sistematiza a real dimensão da prática educativa e delimita como cada parte deste sistema afeta a prática em sala de aula - ação do professor. Podemos observar, nesse esquema:

a) a existência de uma prática de caráter antropológico, anterior e paralela à escola;

b) as práticas institucionais desenvolvendo-se nesse ambiente cultural onde a escola se inscreve;

c) existência de práticas concorrentes que, embora não sejam da esfera pedagógica, afetam de forma marcante a ação educativa.

Pensar numa prática de caráter antropológico é interessante pois, embora a prática educativa seja anterior à formalização do conhecimento, alguns especialistas, ao refletirem sobre a relação prática X conhecimento, simplesmente ignoram tal fato.

É preciso perceber a existência de uma cultura - sobreposta ao pedagógico e influenciando diretamente na prática pedagógica. Esta cultura será mais importante, do que a própria formação técnica, para o entendimento correto desta prática. Bourdieu define essa cultura como um habitus, ou:

``como um conjunto de esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a situações sempre renovadas sem nunca se constituir em princípios explícitos'' (BOURDIEU In PERRENOUD, 1997, p.39)

ou um

``sistema de disposições duradouras e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona, em cada momento, como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações, e torna possível a concretização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma natureza''. (p.40)

Isto é, embora se deixe de lado tal discussão, não podemos perder de vista a pluralidade de indivíduos presentes na sala de aula. Cada aluno é um sujeito diferente e o professor também é um sujeito muito específico que, embora tenha freqüentado um curso de formação, possui uma base antropológica (cultural) que poderá afetar o seu desempenho.

Ampliando a discussão iniciada com Sacristán (1995), se pensarmos melhor sobre as chamadas ``práticas institucionalizadas'', poderemos concluir que os professores possuem uma autonomia relativa na medida em que dependem de coordenadas político - administrativas reguladoras tanto do sistema educativo, como da própria escola. Isso derruba velhas idéias que definem a profissão professor como algo carismático e idílico e, em alguns casos, como uma ``tabula rasa'' que será organizada e construída conforme a performance pessoal de cada um - como se o resultado e o sucesso na carreira docente dependesse de uma predisposição à profissão.

Ser professor

Ser professor significa tomar decisões pessoais e individuais constantes, porém sempre reguladas por normas coletivas, as quais são elaboradas por outros profissionais ou regulamentos institucionais.

E, embora se exija dos professores uma capacidade criativa e de tomada de decisões, boa parte dessa energia acaba por ser direcionada na busca de solução de problemas de adequação com as normas estabelecidas exteriormente.

Voltando às nossas questões iniciais, podemos deduzir que, embora o docente não possa definir a ação educativa (enquanto construção autônoma), há a possibilidade da refletir sobre o papel que ocupa neste processo. Mas, sozinho não é capaz de afetá-lo.

Dessa, forma, uma de nossas maiores angústias, pode ser respondida quando se entende a competência docente como algo não traduzível por técnicas ou habilidades. O professor não é um técnico. Assim como ser jornalista não é ser técnico. É ser antes de tudo um sujeito integrado com o mundo e sabedor de seu papel social.

Ser professor significa, antes de tudo, ser um sujeito capaz de utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para desenvolver-se em contextos pedagógicos práticos preexistentes. Isso nos leva à visão do professor como um intelectual, o que implicará em maior abertura para se discutir as ações educativas. Além disso envolve a discussão e elaboração de novos processos de formação, inclusive de se estabelecerem novas habilidades e saberes para esse novo profissional.

Ao atuar como professor o jornalista também estaria desenvolvendo a ampliação dos conceitos e sentidos dados à profissão, vista até aqui como um saber eminentemente técnico.

Entretanto, cabe aqui uma ressalva para não incorrermos num erro. Se entendemos que o professor não é um técnico, isto é, que os atuais processos de formação de professores pecam por darem ênfase exagerada aos processos técnico-metodológicos, não estamos dizendo que a prática educativa pode vir a ser construída apenas a partir da experiência. Pelo contrário, embora não se possa estabelecer uma supremacia da teoria sobre a prática ou vice-versa, tanto uma como outra são de extrema importância para o processo de ensino.

O processo deve sempre ser pensado como um processo de: ação - reflexão - ação. Não podemos imaginar uma ação educativa criada puramente a partir da experiência, muito menos como a mera tradução do saber científico. Sacristán (1995) fala, se possível, de um ensino encarado como resultado de um empenhamento moral e ético, onde o professor e o aluno saibam exatamente quais são seus papéis e, o primeiro, tenha consciência de seu inevitável poder.

Retomando a idéia do professor intelectual talvez o maior desafio seja transformar os atuais cursos de comunicação na tentativa da construção de um profissional mais completo. Tais cursos preparam os alunos para algo idealizado onde, todos as metodologias são possíveis e positivas, o processo de aprendizagem dá-se sempre de forma linear e inteligente, todas as escolas possuem boas instalações e equipamentos.

Prepara-se para uma escola ideal, mas muito longe do ``mundo real'' onde quase nunca as condições mais básicas para a ação educativa estão presentes. `` A formação do professor se faz, ainda hoje, com base em estudos e modelos do passado baseados numa realidade ideal que nunca se concretizou'' (RIBAS, 2000, p. 35).

Formação docente e profissionalização

Perrenoud (1997) traz à tona uma nova questão, intimamente ligada às outras aqui colocadas: será que os professores não são ``profissionais'' no sentido correto do termo? Se dissermos não, poderemos levar à idéia de que, atualmente, os professores são amadores, que ora podem ser benevolentes demais, ora são cruéis e sem medidas corretas de avaliação e cobrança. E isso não é verdade.

Quando falamos de profissionalização devemos ter em mente a busca da ampliação deste conceito e isso pressupõe que, na profissão professor, se pensa numa substituição de regras e técnicas preestabelecidas por estratégias orientadas, mais objetivas e por uma ética - ou empenhamento moral.

O conhecimento já não pode mais ser considerado como fragmentado, estático - passível de ser sempre controlado por regras imutáveis e predeterminadas - mas deve ser (re)pensado como um processo em construção. Diante da imensa e incessante evolução técnico-científica, o conhecimento e a forma como o tratamos deve mudar.

Houve uma quebra de paradigma no momento em que começamos a perceber que a ciência não está baseada em verdade imutáveis. Como o processo é constante, sempre há a possibilidade da contradição e o surgimento de novas descobertas. O atual sistema de formação de professores não acompanha nem dá conta desta nova realidade.

Perrenoud (1997)) afirma não ser preciso ir muito longe na busca de uma solução para esta nova etapa de profissionalização. Quando olhamos para os níveis do percurso escolar, podemos observar que, no ensino fundamental, os professores, em sua maioria, não ficam mais presos à aplicação de metodologias, com uso de técnicas e truques, mas buscam a construção de processos didáticos orientados globalmente porém adaptados à diversidade dos alunos, ao seu nível e às condições materiais e morais do trabalho.

Entretanto, quanto mais nos aproximamos dos graus superiores da escolarização menos qualificação pedagógica os professores possuem, embora se exija destes maior conhecimento acadêmico - domínio dos saberes científicos. Isto significa que estes inventam suas próprias práticas. O problema é, a partir de qual qualificação didática?

Isso reflete negativamente na ação educativa, pois a grande maioria dos professores desse nível, não possui experiências pessoais do ensino numa sala de aula. Aí, fazem o que é mais comum, vivem de velhas recordações - como o professor do começo desse texto que se espelhava nos velhos mestres... Mesmo os docentes que passam por cursos de formação, acabam, de certa forma, sendo atingidos por esse efeito, pois em algum momento terão professores que não o foram na prática.

Uma atividade não se profissionaliza além de um certo limite, muitas vezes porque há um certo comodismo com a situação de desigualdade. Para ele, a educação hoje funciona assim. Há um conformismo generalizado com o fato de que parte da sociedade passará pela escola sem uma formação adequada, muitas vezes sem o mínimo necessário.

Numa idéia próxima às abordagens socioculturais, vê-se na sociedade atual uma cumplicidade com a manutenção do status quo, o qual leva a maioria a permanecer à margem do poder e da superação de suas realidades.

Para Perrenoud (1997) a profissionalização só será um progresso quando, do ponto de vista social, o aumento do nível de instrução geral se tornar prioritário, numa tentativa de acelerar uma evolução global da sociedade.

A escola não pode permanecer na forma que se apresenta hoje. É preciso repensar a formação do professor, sempre imaginado um processo de formação ampla e continuada. Porém, esta não deve ser baseada em pequenos treinamentos ou períodos de reciclagem, mas efetivamente contínua, sem prejudicar o trabalho com os alunos e gerando resultados positivos e diretos na prática dos professores.

É necessário a adoção de uma postura mais ``realista e inovadora''. Onde, se possível, deve-se pensar um processo de formação de profissionais capaz de garantir um conhecimento mais crítico, uma visão mais ampla dos códigos e elementos culturais, bem como uma melhoria da percepção do espaço visual e corporal dos sujeitos e um domínio amplo de metodologias mais apropriadas para lidar com a diversidade, bem como uma capacidade de maior diferenciação das intervenções e de gestão.

Além disso, esse processo deve habilitar o professor a, de forma autônoma, utilizar-se dos instrumentos e práticas de avaliação formativa e, por fim, que este professor tenha a capacidade do diálogo, em qualquer nível.

A formação deve também garantir a própria ação educativa, (re)construindo-a a partir das reais necessidades do grupo, considerando que, embora se deseje trabalhar todos os conteúdos estabelecidos e se busque lançar mão das mais modernas e criativas tecnologias educativas, um professor não consegue dar conta do todo preestabelecido.

Nessa formação tem que ficar claro que relação de ensino é uma relação do âmbito do desejo. Ela deve, necessariamente, ser entremeada por jogos de sedução e manipulações. É preciso provocar o desejo no outro. O aluno deve ser visto como um sujeito de corpo inteiro, que tem sua identidade, sua cultura, necessidades e interesses e a classe é um lugar de grande diversidade e pluralismo. Não podemos olhar para um grupo de alunos como se todos fossem exatamente iguais. Exemplos claros podem ser vistos nos cursos de Comunicação Social, em disciplinas do chamado núcleo comum, como Fotografia - a minha área de docência - cujo programa deve ser adaptado a cada uma das habilitações existentes. Além disso, temos alunos de diferentes origens sociais, culturais e econômicas o que nos dá classes com uma heterogeneidade de habitus e diretamente influenciando o processo de aprendizagem.

Deve-se ressaltar ainda que a ação educativa é complexa e, mesmo que se faça necessário um planejamento prévio das ações, o tempo real é diferente. Embora nós desejássemos alunos criativos, cooperativos e ativos, eles não são sempre assim. Na sala de aula veremos conflitos, alunos aborrecidos e cheios de mecanismos de fuga e de defesa.

O processo de formação de um professor intelectual pode ser organizado a partir da participação em grupos de debates e sessões de leitura. Mesmo não gostando de receitas ou modelos, Perrenoud (2001) imagina que o processo de formação poderia ser construído com base em ``paradigmas elucidativos''.

Estes paradigmas seriam estabelecidos a partir das teorias de comunicação; de referências psicanalíticas e orientação psicossociológica ( dinâmicas de grupos, liderança, redes de comunicação, atitudes); noções profundas de antropologia social e cultural; formação sobre os objetivos pedagógicos e avaliativos; elementos de sociologia da educação; e, por fim com uma reflexão epistemológica e didática sobre as aprendizagens e o ensino em comunicação.

Isso nos leva em direção ao modelo do

``professor profissional ou reflexivo onde a dialética entre teoria e prática é substituída por um ir e vir entre PRÁTICA - TEORIA - PRÁTICA. O professor torna-se um profissional reflexivo, capaz de analisar as suas próprias práticas, de resolver problemas, de inventar estratégias. Sua formação apóia-se nas contribuições dos praticantes e dos pesquisadores, ela visa a desenvolver no professor uma abordagem das situações vividas do tipo AÇÃO - CONHECIMENTO - PROBLEMA, utilizando conjuntamente prática e teoria para construir no professor capacidades de análise de suas práticas e de metacognição.'' (ALTET In PERRENOUD, 2001, p. 26)

Outros modelos poderiam ser sugeridos, mas o que talvez seja mais evidente é pensar este processo de formação como a possibilidade de uma reflexão consciente sobre a ação educativa.

Considerações Finais

O ensino (ação educativa) não deve ser colocado como algo apenas da esfera da escola (enquanto instituição organizada e voltada para a educação). O processo de ensino permeia todos os níveis de nossas vidas e da sociedade e, ao olharmos para qual é o papel do professor em sala de aula, devemos ter em mente não mais a idéia de formação de sujeitos aptos a atenderem às exigências do mercado - como mão-de-obra especializada e/ou consumidor.

Significa perceber o processo de ensino com um processo de construção - através da ação reflexiva - de um sujeito completo, um homem consciente de seu papel social, mais tolerante e respeitador das diferenças, que sabe coexistir... e que traz em si a consciência transitiva (Paulo Freire) da superação, da mudança e do agir.

Como Paulo Freire dizia, temos que nos lembrar que toda ação educativa deve ser feita no sentido de levar o homem a refletir sobre seu papel no mundo e assim, ser capaz de mudar este mundo e a si próprio.

"Reflexões sobre o ser professor: a construção de um professor intelectual"
Jorge Carlos Felz Ferreira - Especialista em Comunicação - PUCSP, mestrando em Comunicação Social pela UMESP. Jornalista e fotógrafo, foi Coordenador do Curso de comunicação da FAESA (ES), onde trabalha desde 1996.

"sobre os tecelões do futuro"

1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


(Tecendo a Manhã -João Cabral)

sobre pessoas que marcaram e marcam nossa vidas,

"Há pessoas que nos falam e nem as escutamos,
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas
há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida
e nos marcam para sempre"


(Pensamento - Cecília Meireles),

sobre a mágica presença de estrelas,

"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas"


(Das Utopias - Mario Quintana)

sobre mestres inesquecíveis,

"(...) Ele me ensinou quase tudo o que sei: não só o tesouro oculto nas páginas de cada livro fechado, não só a maravilha de cada pequena ou grande descoberta, não só a comunhão com autores e leitores, mas a sabedoria da vida cotidiana."

"(...) Esse é o verdadeiro mestre: o que não castiga mas impele, o que não doutrina mas desperta a curiosidade e a acompanha, o que não impõe mas seduz, o que não quer ser modelo nem exemplo mas companheiro de jornada (...)"

(Lembro-me dele - Lia Luft)

CRE Centro de Referênia em Educação - Mario Covas

domingo, 28 de maio de 2006

acerca do "processo educacional"

O professor é o grande agente do processo educacional, diz o Dr. Gabriel Chalita, autor do livro "Educação - a solução está no afeto". E ele prossegue: "A alma de qualquer instituição de ensino é o professor. Por mais que se invista na equipagem das escolas, em laboratórios, bibliotecas, anfiteatros, quadras esportivas, piscinas, campos de futebol - sem negar a importância de todo esse instrumental -, tudo isso não se configura mais do que aspectos materiais se comparados ao papel e à importância do professor."

Mas, professor Gabriel, perguntamos, há quem afirme que o computador irá substituir o professor, e que nesta era em que a informação chega de muitas maneiras, o professor perdeu sua importância. Ele responde, com serenidade: "O computador nunca substituirá o professor. Por mais evoluída que seja a máquina, por mais que a robótica profetize evoluções fantásticas, há um dado que não pode ser desconsiderado: a máquina reflete e não é capaz de dar afeto, de passar emoção, de vibrar com a conquista de cada aluno. Isso é um privilégio humano."

Deste ponto em diante, deixaremos que a entrevista siga como monólogo, porque quem tem ouvidos de ouvir, que ouça.

"Pode-se ter todos os poemas, romances ou dados no computador, como há nos livros, nas bibliotecas; pode até haver a possibilidade de buscar informações pela Internet, cruzar dados num toque de teclas, mas falta a emoção humana, o olhar atento do professor, sua gesticulação, a fala, a interrupção do aluno, a construção coletiva do conhecimento, a interação com a dificuldade ou facilidade da aprendizagem.
Os temores de que a máquina possa vir a substituir o professor só atingem aqueles que não têm verdadeiramente a vocação do magistério, os que são meros informadores desprovidos de emoção. Professor é muito mais do que isso. Professor tem luz própria e caminha com pés próprios. Não é possível que ele pregue a autonomia sem ser autônomo; que fale de liberdade sem experimentar a conquista da independência que é o saber; que ele queira que seu aluno seja feliz sem demonstrar afeto. E para que possa transmitir afeto é preciso que sinta afeto, que viva o afeto. Ninguém dá o que não tem. O copo transborda quando está cheio; o mestre tem de transbordar afeto, cumplicidade, participação no sucesso, na conquista de seu educando; o mestre tem de ser o referencial, o líder, o interventor seguro, capaz de auxiliar o aluno em seus sonhos, seus projetos.
A formação é um fator fundamental para o professor. Não apenas a graduação universitária ou a pós-graduação, mas a formação continuada, ampla, as atualizações e os aperfeiçoamentos. Não basta que um professor de matemática conheça profundamente a matéria, ele precisa entender de psicologia, pedagogia, linguagem, sexualidade, infância, adolescência, sonho, afeto, vida. Não basta que o professor de geografia conheça bem sua área e consiga dialogar com áreas afins como história; ele precisa entender de ética, política, amor, projetos, família. Não se pode compartimentar o conhecimento e contentar-se com bons especialistas em cada uma das áreas.
Para que um professor desempenhe com maestria a aula na matéria de sua especialidade, ele precisa conhecer as demais matérias, os temas transversais que devem perpassar todas elas e, acima de tudo, conhecer o aluno. Tudo o que diz respeito ao aluno deve ser de interesse do professor. Ninguém ama o que não conhece, e o aluno precisa ser amado! E o professor é capaz de fazer isso. Para quem teve uma formação rígida, é difícil expressar os sentimentos; há pessoas que não conseguem elogiar, que não conseguem abraçar, que não conseguem sorrir. O professor tem de quebrar essas barreiras e trabalhar suas limitações e as dos alunos.
Não há como separar o ser humano profissional do ser humano pessoal. Certamente o professor, como qualquer pessoa, terá seus problemas pessoais, chegará à escola mais sisudo que o habitual e terá mais dificuldade em desempenhar seu trabalho em sala de aula. Os alunos notarão a diferença e a eventual impaciência do professor nesse dia, mas eles não sabem os motivos da sisudez do mestre e podem interpretar erroneamente. Exatamente por isso é preciso cuidar para que contrariedades pessoais não venham à tona, causando mágoas e ressentimentos.
Ao enfrentar problemas de ordem pessoal o professor deve procurar o melhor meio para sair do estado de espírito sombrio e poder desempenhar seu trabalho com serenidade. A leitura dos clássicos, o contato com a arte, com a natureza, uma boa terapia, uma reflexão mais profunda sobre a contrariedade por que se está passando pode ajudar muito. Ninguém é mau em essência, como já dissemos, mas um professor descontrolado deve rever seu comportamento sob pena de ser mal interpretado por seus alunos.
Sabe-se que a dificuldade financeira é um obstáculo para a maior parte dos professores deste país, mas não pode servir de desculpa: há numerosos programas culturais gratuitos, há bibliotecas públicas, a natureza está aí e não cobra nada para ser contemplada. Não se trata de ignorar a lamentável situação em que se encontram os professores no que diz respeito aos patamares salariais. Essa classe vem sendo tratada com desrespeito pela grande maioria dos administradores públicos do país. Para obras de cimento e cal sempre há dinheiro, para um salário digno de quem forma o cidadão brasileiro não há verbas. Entretanto, isso não pode ser desculpa para a acomodação, para a negligência ou para a impaciência. O professor tem o direito constitucional de fazer greve e ninguém pode deixar de respeitá-lo por isso, mas não tem o direito de ser negligente, incompetente, displicente, porque o aluno não tem culpa. Se o problema é com os administradores, eles é que devem ser enfrentados. É melhor entrar em greve, com todos os problemas decorrentes disso, do que dar uma aula sem alma apenas porque não se ganha o suficiente.
Desde os primórdios da cultura grega, o professor se encontrar em uma posição de importância vital para o amadurecimento da sociedade e a difusão da cultura. As escolas de Sócrates, Platão e Aristóteles demonstram a habilidade que tinham os pensadores para discutir os elementos mais fundamentais da natureza humana. Não perdiam tempo com conteúdos engessados. Discutiam o que era essencial. Sabiam o que era essencial porque viviam da reflexão, e a aula era o resultado de um profundo processo de preparação. Assim foi a escola de Abelardo, com os alunos quase extasiados pelo carisma do professor e pela forma envolvente e sedutora como eram tratados os temas. Sócrates andava com seus alunos e ironizava a sociedade da época com o objetivo de fazê-los pensar, de provocar-lhes a reflexão, o senso crítico. Não se conformava com a passividade de quem acha que nada sabe e nunca conseguirá sabem nem com a arrogância de quem acredita que tudo sabe e, portanto, nada mais há que mereça ser estudado ou refletido.
Jesus Cristo, o maior de todos os mestres da humanidade, contava histórias, parábolas e reunia multidões ao seu redor, fazendo uso da pedagogia do amor. Quem era esse pregador que falava de forma tão convincente, ensinava sobre um novo reino e olhava nos olhos com a doçura e a autoridade de um verdadeiro mestre? A multidão vinha de longe para ouvi-lo falar, para aprender sobre esse novo reino e sobre o que seria preciso fazer para alcançar a felicidade. O grande mestre não precisava registrar as matérias, não se desesperava com o conteúdo a ser ministrado nem com a forma de avaliação, se havia muitos discípulos ou não. Jesus sabia o que queria: construir a civilização do amor. E assim navegava em águas tranqüilas, na maré correta, com a autoridade de quem tem conhecimento, de quem tem amor e de quem acredita na própria missão.
Sócrates e Cristo foram educadores, formaram pessoas melhores. Não há como negar que os numerosos profetas ou os simples contadores de história conseguiram tocar e educar muito mais do que qualquer professor que saiba de cor todo o plano curricular e tudo o que o aluno deve decorar para ser promovido. Ninguém foi obrigado a seguir a Cristo, não havia lista de presença nem chamada, e mesmo assim a multidão se encantava com seus ensinamentos - ele tinha o que dizer e acreditava no que dizia, por isso foi tão marcante.
O professor precisa acreditar no que diz, ter convicção em seus ensinamentos para que os alunos também acreditem e se sintam envolvidos. Precisa de preparo para ir no rumo certo e alcançar os objetivos que almeja.
O professor que não prepara as aulas desrespeita os alunos e o próprio ofício. É como um médico que entra no centro cirúrgico sem saber o que vai fazer e sem instrumentação adequada. Tudo na vida exige uma preparação. Uma aula preparada, organizada, com o conteúdo refletido muito provavelmente será bem sucedida. Aula previamente preparada não significa aula engessada: não lhe dará o direito de falar compulsivamente, sem permitir intervenção do aluno, não dialogar com a vida, não dar ensejo a dúvidas; o professor não deixará de discutir outros temas que surgirem apenas porque tem que cumprir o roteiro de aula que preparou. Pode até ocorrer que ele dê uma aula diferente daquela que planejou, mas isso é enriquecedor.
Preparação é planejamento. Muitos professores fazem o planejamento do início do ano de qualquer maneira, apenas para cumprir exigências formais. É lamentável. Se o professor investir tempo refletindo cada item de seu planejamento, sem dúvida terá muito menos trabalho durante o ano para o cumprimento de seus objetivos porque planejou, sabe onde quer chegar, sabe o tipo de habilidade que precisa ser trabalhada e como avaliar o processo do aluno.
A partir da minha experiência por meio de contatos no Brasil e fora daqui, passo agora a compor um quadro com os tipos mais comuns de professor que se pode encontrar. Como todo o respeito que merece a categoria como um todo, nota-se freqüentemente a recorrência dos mesmos gêneros de atuação em sala.


PROFESSOR ARROGANTE
Ele se acha o detentor do conhecimento. Fala de si o tempo todo e coloca os alunos em um patamar de inferioridade. Ao menor questionamento, pergunta quantas faculdades já fez o aluno, se já escreveu algum livro, se já defendeu teses, para se mostrar superior. Gosta de parecer um mito; teima em propalar, às vezes inventando, os elogios que recebe em todos os congressos dos quais participa; conta histórias a respeito de si mesmo para mostrar quanto é competente e querido. Não gosta de ser interrompido, não presta atenção quando algum aluno quer lhe contar um feito seu. Só ele interessa; só ele se basta.
O que se pode dizer é que o professor arrogante tem uma rejeição a si mesmo e não acredita em quase nada do que diz. Como sofre, possivelmente, de complexo de inferioridade, precisa de auto-afirmar usando a platéia cativa de que dispõe: os alunos.

PROFESSOR INSEGURO
Tem medo dos alunos; teme ser rejeitado, não conseguir dar aula, não ser ouvido porque acha que sua voz não é tão boa. Não sabe como passar a matéria apesar de ter preparado tudo; acha que talvez fosse melhor usar outro método; teme que os alunos não gostem de sua forma de avaliação. Começa a aula várias vezes e se desculpa, e pede ainda que esqueçam tudo, e recomeça. Tem receio de que os pais dos alunos não gostem de sua forma de relacionamento com eles, receia também a direção da escola, os outros professores e se vê paralisado, com seu potencial de educador inutilizado.
O medo de fato paralisa e dificulta o crescimento profissional. Apesar de ser um sentimento normal e freqüente, é preciso que seja trabalhado. Um ator quando entra em cena geralmente está tenso, nervoso, mas seu talento consiste em não transmitir essa sensação para a platéia. Ele precisa confiar no que está fazendo e superar a insegurança. Se o professor não acreditar no que diz, será ainda mais difícil ao aluno fazê-lo.

PROFESSOR LAMURIANTE
O professor lamuriante reclama de tudo o tempo todo. Reclama da situação atual do país, da escola, da falta de participação dos alunos, da falta de material para dar um bom curso, do currículo, das poucas aulas que tem para ministrar sua matéria. Passa sempre a impressão de que está arrasado e não encontrar prazer no que faz. Às vezes se aproveita da condição de professor e usa a turma para fazer terapia. Fala do filho, da filha, da empregada, da cozinheira, da ingratidão de amigos etc. Mais uma vez, se trata do abuso da platéia cativa.
A dignidade de um profissional é requisito básico para uma relação de trabalho. No magistério, essa norma é um mandamento, na medida em que o professor trata com pessoas em formação, que não são seus iguais em nenhuma hipótese.

PROFESSOR DITADOR
É aquele que não respeita a autonomia do aluno. Trabalha como se fosse um comandante em batalha; exige disciplina a todo o custo. Grita e ameaça. Não quer um pio, zela pela sala como se fosse um presídio; ninguém pode entrar atrasado nem sair mais cedo; ninguém pode ir ao banheiro, é preciso disciplinar também as necessidades fisiológicas. Dia de prova parece também dia de glória: investiga aluno por aluno, proíbe empréstimo de material, ameaça quem olhar para o lado. Tem acessos de inspetoria higiênica, investiga as unhas das mãos e os cabelos. Grita exigindo silêncio quando o silêncio já reinava desolado na sala.
O professor ditador está perdido na necessidade de poder. Poder e respeito não se impõem, se conquistam. Há determinadas práticas que se perpetuam sem razão; são contraproducentes e muito danosas para o aluno mas, principalmente, fazem muito mal ao professor que as revive.

PROFESSOR BONZINHO
Diferentemente do ditador, o bonzinho tenta forçar amizade com o aluno. Gosta de dizer quanto gosta dos alunos. Traz presentes, dá notas altas indiscriminadamente. Seus alunos decidem se querem a prova com ou sem consulta, em grupo ou individualmente, depois propala sua generosidade. Às vezes ainda tem a audácia de se comparar aos colegas, afirmando que os outros professores não fariam isso. Durante a prova responde as questões para os alunos, para que não fiquem tristes, para que não tirem nota baixa. Concede outra chance e dá outra prova para quem foi mal, idêntica à anterior só para tirar uma nota bem boa. Pede desculpa quando a matéria é muito difícil e só falta pedir desculpa por ter nascido.
A amizade também é um processo de conquista e esse professor acaba sendo motivo de chacota entre os alunos. Tudo o que vem dele parece forçado porque procede de uma carência de atenção e de uma necessidade infantil de aceitação.

PROFESSOR DESORGANIZADO
Esse aparece em aula sem a menor idéia do que vai tratar. Não lê, não prepara as aulas, não sabe a matéria e se transforma em um tremendo enrolador. Sua desorganização é aparente: como não faz planejamento, não sabe o tipo de tarefa que vai propor, então inventa na hora e na aula seguinte não se lembra de cobrar os alunos nem comenta sobre o que havia pedido. Como não sabe o que vai ministrar, põe-se a conversar com os alunos e a discutir banalidades. De repente, para dinamizar a aula, resolve promover um debate: o grupo A defende a pena de morte, o grupo B será contrário à pena de morte, sem nenhum preparo anterior, nenhum subsídio contra ou a favor.
O profissional precisa ter método. A organização é prova do compromisso que ele tem para com os alunos. A improvisação, muitas vezes necessária e enriquecedora, não prescinde do planejamento, como já dissemos.

PROFESSOR OBA-OBA
Tudo é festa! Esse tipo adora as dinâmicas em sala. Projeta muitos filmes, leva algumas reportagens; faz com que os alunos saiam da sala para observar algum fenômeno na rua ou no céu, fala em quebra de paradigmas, tudo conforme pregam os chamados consultores de empresas, mas sem amarração, sem objetividade. A dinâmica pode ser ótima, mas é preciso que o aluno entenda por que ele está fazendo parte daquela atividade. O filme pode ser fantástico, mas se cada dia vier um filme diferente e não houver discussão, aprofundamento, perde-se o sentido. Há aquele professor que gosta de levar música para a sala de aula, comentar uma letra da MPB ou explicar As quatro estações, de Vivaldi. É interessante, desde que não se faça isso sempre, porque os alunos sentem falta do nexo com a matéria que devem aprender. E o que deveria ser um elemento agradavelmente surpreendente se transforma em motivo de chacota.
Esse professor é bem intencionado, não há dúvida. Mas falta-lhe estabelecer com os alunos a relação desses jogos de sensibilização com o conteúdo da matéria que cabe a ele ministrar.

PROFESSOR LIVRESCO
Ao contrário do oba-oba, o professor livresco tem uma vasta cultura. Possui um profundo conhecimento da matéria, mas não consegue relacioná-la com a vida. Ele entende de livros, não do cotidiano. Além disso, não utiliza dinâmica alguma, não muda a tonalidade da voz, permanece o tempo todo em apenas um dos cantos da sala e suas ações são absolutamente previsíveis. Todos sabem de antemão como vai começar e como vai terminar a aula; quanto tempo será dedicado para a exposição da matéria, quanto tempo para eventuais questionamentos. Não importa se o aluno está acompanhando ou não seu raciocínio, ele quer dizer tudo o que preparou para ser dito.
Apesar de ter embasamento, dominar o conteúdo, é necessário aprimorar a forma, trabalhar com a habilidade da didática. Ensaiar mudança na metodologia. Às vezes, o professor livresco piora quando resolve inovar: leva um retroprojetor para a sala, e as lâminas contêm, transcrito, tudo o que vai ler em voz alta. E aquela aula se torna interminável e cansativa.

PROFESSOR "TÔ FORA"
Ele não se compromete com a comunidade acadêmica. Não quer saber de reunião, de preparação de projetos comuns, de vida comunitária. Nem festa junina, nem gincana cultural ou esportiva, nem festa de final de ano. Ele dá sua aula e vai embora. Muitas vezes é até bom professor, mas não evolui sua relação social nem o conteúdo interdisciplinar porque não está presente. Alguns são arrogantes a ponto de achar que não têm o que aprender, que estão acima dos outros professores e portanto não vão ficar discutindo bobagens. Outros estão preocupados com as lutas do dia-a-dia pela sobrevivência e como não estão ganhando para trabalhar em festas juninas, por exemplo, se negam a participar.
O processo educativo é comunitário. O bom ambiente escolar depende da participação de todos. A mudança dos paradigmas ocorre quando cada um dá sua parcela de contribuição e é capaz de permitir que o outro também opine, também participe. Ninguém é uma ilha de excelência que prescinda de troca de experiências.

PROFESSOR DEZ QUESTÕES
Para sua própria segurança, o professor "dez questões" reduz tudo o que ministrou num só bimestre a um determinado número de questões: dez, nove, 15, não importa. Ele geralmente passa toda a matéria no quadro-negro ou em forma de ditado. Quando há livro, pede que os alunos leiam o que está ali e façam resumo ou respondam às questões. Corrige, se necessário, questão por questão. Geralmente as questões não são relacionais, não são críticas. No campo das ciências exatas, o aluno deve decorar as fórmulas para a solução dos problemas. E no fim do bimestre o professor apresenta algumas questões que os alunos devem decorar para a prova. Em sua "generosidade" avisa que dessas dez questões vai usar apenas cinco na prova. Ou alunos decoram ou, se forem mais astutos, colam; acabada a prova, joga-se fora a cola ou joga-se fora da memória aquilo que foi decorado. No outro bimestre, como o ponto é outro, haverá outras dez questões para ser decoradas e assim sucessivamente: a aprendizagem não significou nada a não ser algumas técnicas de memorização e de burla.
É inadmissível que com tantos recursos à disposição um professor se sirva de técnicas antiquadas e sem sentido. Exigir que um aluno decore coisas cujo sentido ele nem percebe, que nem mesmo tornarão a ser mencionadas no decorrer dos estudos, constitui um absurdo que será antes de mais nada constatado pelo próprio aluno.

PROFESSOR TIOZINHO
"Tiozinho", no sentido depreciativo, é aquele professor que gasta aulas e mais aulas dando conselhos aos alunos. Trata-os como se fossem seus sobrinhos, quer saber tudo sobre a vida deles, o que fazem depois da escola, aonde vão, os lugares que freqüentam e emite opiniões em assuntos de cunho privado que absolutamente não competem a ele. O professor tiozinho de sente um pouco psicólogo também, e maus psicólogo, é claro. Começa desde logo a diagnosticar os problemas dos alunos e se acha qualificado para isso.
Geralmente conselho não funciona com aluno. O espaço que o professor dá é aquele que permite ao aluno sentir-se à vontade para conversar, nunca para que se sinta obrigado a expor sua vida privada em sala porque o professor quer ser um "tio" bom. E isso não muda comportamento; a amizade e a confiança não podem ser forçadas, nascem de um movimento natural de convivência saudável.

PROFESSOR EDUCADOR
O professor que se busca construir é aquele que consiga de verdade ser um educador, que conheça o universo do educando, que tenha bom senso, que permita e proporcione o desenvolvimento da autonomia de seus alunos. Que tenha entusiasmo, paixão; que vibre com as conquistas de cada um de seus alunos, não descrimine ninguém, não se mostre mais próximo de alguns, deixando os outros à deriva. Que seja politicamente participativo, que suas opiniões possam ter sentido para os alunos, sabendo sempre que ele é um líder que tem nas mãos a responsabilidade de conduzir um processo de crescimento humano, de formação de cidadãos, de fomento de novos líderes.
Ninguém se torna um professor perfeito, aliás aquele que se acha perfeito, e portanto nada mais tem a aprender, acaba de transformando num grande risco para a comunidade educativa. No conhecimento não existe o ponto estático - ou se está em crescimento, ou em queda. Aquele que se considera perfeito está em queda livre porque é incapaz de rever seus métodos, de ouvir outras idéias, de tentar ser melhor.


A grande responsabilidade para a construção de uma educação cidadã está nas mãos do professor. Por mais que o diretor ou o coordenador pedagógico tenham boa intenção, nenhum projeto será eficiente se não for aceito, abraçado pelos professores porque é com eles que os alunos têm maior contato.
O artigo 13 da LDB sobre a função dos professores:

Artigo 13 - Os docentes incumbir-se-ão de:
I. participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II. elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
III. zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV. estabelecer estratégias de recuperação dos alunos de menor rendimento;
V. ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI. colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Nota-se que o papel do professor, segundo a LDB, está muito além da simples transmissão de informações. Dentro do conceito de uma gestão democrática, ele participa da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, isto é, decide solidariamente com a comunidade educativa o perfil de aluno que se quer formar, os objetivos a seguir, as metas a alcançar. E isso não apenas no tocante a sua matéria mas toda a proposta pedagógica.
A LDB discorre sobre a elaboração e o cumprimento do plano de trabalho, trazendo à tona a organização do professor e a objetividade no exercício de sua função. No tocante à aprendizagem dos alunos, fala em zelo no sentido de acompanhamento dessa aprendizagem, que se dá de forma heterogênea, individual. Zelar é mais do que avaliar, é preocupar-se, comprometer-se, buscar as causas que dificultam o processo de aprendizagem e insistir em outros mecanismos que possam recuperar os alunos que apresentem alguma espécie de bloqueio para o aprendizado.
O professor só conseguirá fazer com que o aluno aprenda se ele próprio continuar a aprender. A aprendizagem do aluno é, indiscutivelmente, diretamente proporcional à capacidade de aprendizado dos professores. Essa mudança de paradigma faz com que o professor não seja o repassador de conhecimento, mas orientador, aquele que zela pelo desenvolvimento das habilidades de seus alunos. Não se admite mais um professor mal formado ou que pare de estudar.
O artigo termina falando da colaboração do professor nas atividades de articulação da escola, com as famílias e a comunidade. Aliás, para que o processo de aprendizagem seja eficiente, os atores sociais precisam participar e essa articulação é imprescindível. A parceria escola/família, escola/comunidade é vital para o sucesso do educando. Sem ela a já difícil compreensão do mundo por parte do aluno se torna cada vez mais complexa. Juntas, sem denegar responsabilidades, a família, a escola, a comunidade podem significar um avanço efetivo nesse novo conceito educacional: a formação do cidadão."

"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimos que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive."
Ricardo Reis

(Esse trecho faz parte do livro Educação - A solução está no afeto, de Gabriel Chalita, Editora Gente)
http://www2.catho.com.br/jcs/inputer_view.phtml?id=2424

sábado, 27 de maio de 2006

Global Position System


About Eu Já Estive Aqui / José Carlos Dias
Eu Já Estive Aqui's Photos

Antes de partir. Curvímetro e Contaquilómetros. Durante a expedição a Bússola. Depois os Binóculos. Mapas, Escalas, e Curvas de nível.

Eu Já Estive Aqui pode ser acompanhada pelo Ensign GPS que indicará a posição do viajante 24 horas por dia em qualquer lugar do mundo. Vai receber o sinal a partir de 3 satélites.

Documentação - pessoal e do veículo.
Segurança - cartões de crédito.
Saúde - pulseira com os dados clínicos.
Água - purificadores químicos.
Navegação - mapas, curvímetro e GPS.
Sinalização - frascos de fumo.
Alimentação - comida liofilizada.
Descanso - mantas (hipotérmicas ou de alumínio).
Higiene - duche solar.
Equipamento - Mochilas.
Calçado - sapatos de lona.
Roupa - Polos.
Utensílios - navalha multiuso.
E Também...PC portátil e equipamento fotográfico.

O viajante dos anos 90 leva o GPS ( Global Position System ), que lhe permite situar qualquer ponto do planeta em apenas um minuto. 20 satélites fazem parte desta rede que emite ondas de localização durante todo o dia. O GPS mede o tempo que demora um sinal a chegar ao satélite. A latitude e a longitude são mostradas no ecrã do GPS em graus , minutos e segundos. Também a altitude pode ser determinada.
A margem de erro é de apenas 20 metros. Pode ser utilizado, em quaisquer condições atmosféricas.
O viajante vai ter oportunidade de o utilizar. Pesa apenas 397
gramas.

sexta-feira, 26 de maio de 2006

Óbidos Vila Museu

...mui nobre e sempre leal Vila de Óbidos.

http://urban.csuohio.edu/.../obidos/obidos702620.jpg

Hoje estive Aqui

Numa visita à mui nobre e sempre leal Vila de Óbidos, no dia 26 do mês de Maio do ano da graça do Senhor de 2006.
Porta da Vila de Óbidos
urban.csuohio.edu/.../ obidos/obidos702618.jpg

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Continua a Primavera


Primavera, Antonio Rivero

" pistoleiros da palavra"

..."A maior parte dos jornalistas não dá esse salto além, mas um bom número encontra justificativas para escrever, filmar, dizer "coisas" que, pelos padrões do mundo hoje, não conduzem a estágios gradualmente mais elevados de civilização. É assim que alguns se tornam pistoleiros da palavra, mercenários da imagem, amparados na frágil argumentação de que é isso que o povo quer, é disso que o povo gosta. Programas de rádio e televisão e páginas de jornais que usam palavras, expressões, textos, imagens e emoções apelativas, chulas, sensacionalistas, não estão dando o que uma pessoa precisa: estão reforçando o que ela quer negar, estão prendendo-a à condição de que ela quer sair, estão baixando a um nível mais inferior que o drama humano que exploram – mais inferior porque esse jeito de fazer Imprensa alimenta-se de vísceras sociais, que são depois devolvidas, por vômito, pelos vários meios de comunicação, realimentando – talvez involuntariamente, talvez inconscientemente – o processo de degradação ou de não-evolução de uma parcela da sociedade.

Também não resiste a justificativa de que programas e páginas sensacionalistas trazem leitores e ganham patrocinadores. Anunciante não é burro. Ele não quer propriamente esse tipo de programa: ele quer audiência – e, pelo menos comercialmente, esta pode vir tanto com um programa ou página que mostra um indivíduo esfolado quanto com um que apresenta brincadeiras com crianças. Dá até para concluir que alguns comunicadores não querem buscar a melhor informação; querem a maior audiência, doa a quem doer. Ética, neste caso, é só um detalhe. E, assim, amarram a burrice no rabo da estatística e a apresentam ao patrocinador. Com isso, simultaneamente assinam atestado de óbito profissional, porque, obedecendo a lei do menor esforço e estimulados por uma inapetência cultural, não são criativos e persistentes o bastante para apresentarem soluções profissional e socialmente menos indecentes do que as que já constam no cardápio pré-impresso de baixarias.

Não se está, aqui, particularizando pessoas ou produtos, meios e mensagens. Fala-se de uma causa, não de casos. Até porque, para alívio de uns, a precariedade ética, a torpeza vocabular acontece mesmo nas melhores famílias de Londres, capital da liberdade de imprensa e local onde se registra um dos maiores índices de leitura do mundo. São uma centena jornais na Inglaterra, país 33 vezes menor que o Brasil, com uma média de quase 400 exemplares de jornais por grupo de mil habitantes, aí computados os recém-nascidos. Pois é. É nessa Inglaterra das etiquetas, da fleuma, do cavalheirismo, da pontualidade, da veneração pela Casa Real e da adoração pelas coisas da realeza, é nesse lugar que explodiram grandes escândalos, que descem e satisfazem toda a escala dos instintos menores do homem. E os que deveriam dar exemplos majestáticos – príncipes e princesas, duques e duquesas e outros mais e menos nobres – também esses caem na real e na gandaia e se mostram plebeus falíveis e faláveis como qualquer outro mortal."/...



JORNALISMO E ÉTICA
Os limites da imprensa
Edmilson Sanches em 23/5/2006
Observatório de Imprensa

quarta-feira, 24 de maio de 2006

"O filósofo, a crise e o kibe"

Um fio invisível conecta a já enrugada crise política brasileira, as pândegas cibernéticas do blog Kibe Loco, uma sinistra rede de intrigas estabelecida no underground da mídia brasileira e um filósofo em desorientação reveladora. A história híbrida, misto de romance policial e farsa cômica, tem início num ágil movimento de dedos sobre o teclado de um computador. Rapidamente, por maldade ou imperícia, compõe-se na tela uma ficção, dessas que gozam de formidável verossimilhança. Neste agosto de nervos públicos expostos, o "jornalista" Ucho Haddad desfecha mais um ataque contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Composto na economia de 761 caracteres, o texto é aparentemente despretensioso, mas gera nos leitores enorme desconforto cívico e desapontamento moral. Recheado de veneno, o informativo-denúncia sobe à rede na URL (www.ucho.info). Avisa o seguinte:

Festa de Arromba

Quem pensa que a lama fétida que emerge das entranhas do poder acabou, engana-se. Tido como um dos mais badalados DJ´s do universo, Tiësto (foto), que cobra cachês de US$ 30 mil para cima, tem em sua agenda do corrente ano uma apresentação marcada para a Granja do Torto, mais precisamente em 11 de outubro.

Como o presidente Lula é adepto de música sertaneja e pagode, alguém precisa explicar os verdadeiros motivos para a contratação de Tiësto, o DJ responsável pela sonorização da abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004.

Considerando que a viagem de Tiësto a Brasília não será por simpatia ao presidente Lula ou algo parecido, tudo indica que se trata de mais uma farra dos primeiros-filhos, que o trabalhador brasileiro terá de financiar. Clique, depois acesse a página `schedule´ e confira a mais nova barbárie consumista do presidente Lula, o defensor do povo e dos trabalhadores".

Como na selva da internet nem toda aberração passa despercebida, a "notícia" pipocou no computador de Marcelo Junqueira (corretor de valores e DJ diletante), o controvertido Psycho, do site Surra de Pao Mole. Ao checar a informação com colegas, convenceu-se de que se tratava de uma fraude. Logo, disparou para o autor o seguinte e-mail indignado:

Caro jornalista Ucho Haddad,

Nunca havia lido sua coluna e nem ao menos sabia da existência desse seu site. Porém ao receber por e-mail uma cópia de uma absurda matéria entitulada ´ Festa de Arromba´, senti-me na obrigação de investigar a fonte de tamanha ignorância, chegando assim ao senhor.

A acusação contida na matéria é o melhor exemplo do lado mais obscuro do jornalismo leviano, que dispensa investigações e transborda ódio e parcialidade.

"Granja do Torto", além de ser o nome da residência oficial da Presidência da República, é também o nome de um local muito utilizado para festas, exposições e rodeios: o famoso Parque de Exposições da Granja do Torto.

Um google. Uma simples consulta ao google com as palavras "festas" e "granja do torto" e sua informação cairia por terra muito antes de pensar se transformar em tão frágil "denúncia". Pouco. Muito pouco mesmo pra quem se auto-intitula "jornalista investigativo".

Duvido que um dia voltarei a seu tão informativo site pra saber se o senhor será profissional a ponto de assumirá o erro e se retratar publicamente. Mas penso que isso seria o mínimo que se poderia esperar de quem carrega tantas pedras nas mãos e um .info ao lado do nome. Além de, claro, colaborar para que idéias como a criação do CNJ - Conselho Nacional de Jornalismo não possam ser justificadas.

Saudações, Psycho

A novela alvoroçou a comunidade virtual quando o dono do site de humor Kibe Loco, o publicitário Antonio Pedro Tabet, resolveu prestar um serviço de utilidade pública ao país e denunciar a denúncia. Transformou suas descobertas na esclarecedora série "Chifre em cabeça de cavalo". "A farsa das falsas acusações é viral, perigosa e me assusta" , explicou. "Além disso, não deixa de ser engraçado assistir ao constrangimento que essas ‘barrigas’ causam nos grandes órgãos de imprensa." No rápido processo de apuração, Tabet atirou sua rede e trouxe à tona outros peixes grandes. Na quinta-feira (25/8), por exemplo, Cesar Giobbi, da coluna "Persona", do Estado de S.Paulo, publicou o seguinte:

Bufê infantil

Pelo visto o presidente Lula não está nem um pouco preocupado com a opinião pública. Está armando uma rave particular, na Granja do Torto, em Brasília, e resolveu contratar o festejado DJ Tiesto, considerado um dos melhores do mundo, que animou o verão europeu nos melhores endereços. Pelo menos é o que se lê no site do DJ, www.tiesto.com. A festinha é dia 11 de outubro, plena terça-feira, já que dia 12 é feriado. Como é Dia da Criança, imagina-se que o presidente queira festejar os filhos... Estarão usando cartões de crédito para pagar estas despesas também?

Outro colega de Ucho, o colunista Giba Um, reproduziu a notícia.

Super-DJ na Granja

Quem consultar o calendário de apresentações internacionais do famoso DJ Tiësto, responsável pela sonorização da abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004 e que cobra cachês de US$ 30 mil para cima, fora despesas, certamente ira se surpreender com uma apresentação marcada para 11 de outubro, na Granja do Torto, residência do casal presidencial. É uma terça-feira, véspera de feriado (data consagrada a Nossa Senhora Aparecida) e, antes de Brasília, o DJ Tiësto passa por eventos e festivais em Dubai, Moscou, Lyon e daqui, segue para uma apresentação dia 14 de outubro, em Buenos Aires".

Depois de alguma pesquisa, Tabet descobriu que vários sites e blogs reproduziam a versão deturpada dos fatos. Os didáticos protestos do Kibe Loco mobilizaram vários grupos de internautas, que divulgaram aos quatro ventos o episódio. Instaurou-se uma saudável indignação e os mocinhos aparentemente triunfaram, pelo menos neste duelo.

Retrato de um personagem polêmico

Ora, mas quem é, afinal, Ucho Haddad, esse profeta da ruína moral brasileira, capaz de comover o país com suas "revelações". Trata-se na verdade de Evaldo Haddad Fenerich, um publicitário de 46 anos, freqüentador assíduo de delegacias de polícia e tribunais. Constantemente encrencado com a Justiça, morou atrás das grades em 2001. Respondeu a inquéritos por estelionato, apropriação indébita, falsificação de documentos, receptação, ameaça e outros crimes. Em 1998, foi condenado por apropriação indébita. Recebeu como pena um ano de reclusão em regime aberto e dez dias-multa. Seus advogados, entretanto, conseguiram que cumprisse a pena em liberdade. Em 2000, Fenerich foi acusado de tentar leiloar o Dossiê Cayman II. As bizarras histórias do "jornalista" estão narradas em reportagem de José Paulo Lanyi publicada no portal Comunique-se e reproduzida neste Observatório, em 2003.

Em outra nota, publicada recentemente em seu site, Haddad atribui a uma "peluda raposa" informação sobre um suposto esquema para retirar o presidente Lula da cena política.

A casa caiu

Preocupado com a situação cada vez mais complicada do presidente Lula, uma das mais peludas raposas da república petista foi se aconselhar com um dos integrantes do governo do PT e ouviu o que não esperava. Seu interlocutor disse que o melhor seria convencer o presidente Lula da necessidade de inventar uma isquemia cerebral e viajar para Cleveland, nos Estados Unidos, para um suposto tratamento de aproximadamente quarenta dias. Tempos depois, já de volta ao Brasil, Lula se refugiaria em São Bernardo do Campo para uma convalescença, por lá permanecendo enquanto os ânimos da política nacional estiverem aquecidos. Mais adiante, anunciaria sua retirada do cenário político sob a desculpa de cuidar da saúde e da própria vida.

Mais uma vez, como contraponto, vale recorrer à devastadora reportagem de José Paulo Lanyi acima citada:

Evaldo Haddad Fenerich diz que viajava aos Estados Unidos para se tratar de um câncer linfático. Enviou à Justiça de São Paulo um comunicado (31/05/2000) do Memorial Sloan-Kettering International Center, de Nova York, que o informava de uma consulta com o Dr. Straus em 03/06/2000. O documento versava sobre todos os procedimentos de praxe: entre outras recomendações, orientava o paciente acerca do registro no hospital, do custo da primeira consulta (US$ 1 mil) e de uma eventual internação (US$ 100 mil de depósito). Um dos advogados de Fenerich buscava relaxar-lhe a prisão preventiva, com a alegação de que ele deveria prosseguir com o tratamento iniciado nos Estados Unidos em janeiro de 1998. Fenerich viajaria ‘diuturnamente’ a esse país por causa da terapia. No entanto, de acordo com declaração do próprio acusado à Justiça Brasileira, o tratamento teria começado em 13.06.2000, nesse mesmo Memorial Sloan-Kettering International Center, em Nova York. Fenerich dizia não poder comparecer às audiências (estelionato e outras fraudes) porque o tratamento se alongaria até o fim daquele ano. No processo, até hoje não constam documentos sobre consultas, cirurgias, exames realizados, nada que pudesse comprovar o tratamento nos Estados Unidos. Em um determinado trecho, a defesa de Fenerich argumentava: ele descobrira a doença em 1997, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Os comprovantes apresentados à Justiça são atestados médicos e exames realizados no Hospital Ipiranga (SUS), de São Paulo, em agosto de 2001.

Novamente, o atilado "Psycho", o politizado DJ, pescou a "coincidência". Em seu site, o Holmes brasileiro expôs uma justa desconfiança.

A semelhante estratégia sugerida pelo suposto `integrante do governo petista´ e a utilizada pelo próprio jornalista para fugir da Justiça seriam apenas uma coincidência, ou talvez esse `jornalista investigativo´ sofreria de uma leve esquizofrenia, com tendências a misturar sua própria realidade com suas fictícias e exclusivas notícias publicadas?"

Rede de intrigas

Outra coincidência é a articulação orgânica entre os sites e blogs dedicados a espinafrar o governo e abastecer de querosene a fogueira política. Ucho, Giba Um e Cláudio Humberto, o homem de comunicação de Collor, criaram suas centrais de "notícias" a partir do estímulo de Ruy Nogueira Netto, publicitário empreendedor, expert em campanhas políticas. Há claramente um círculo de trocas entre essas células periféricas de informação. Muitas notas são socializadas, com sutis maquiagens de texto. Um ecoa o outro. Procura-se produzir marola. Como característica comum, apresentam a ironia ácida contra o governo e a presença de fontes do mundo animal. Foi sempre uma "raposa peluda", um "cachorro grande" ou um "rato do partido" quem fez vazar a notícia "bombástica". Em seu blog, Ruy Nogueira fornece links para serviços semelhantes de Janer Cristaldo ("filósofo" propagandista ultraconservador), Cesar Maia, Diego Casagrande, Ricardo Noblat, Giba Um e... Ucho!

Por razões educativas, sigamos até o site de Giba Um. Na segunda-feira (29/8), por exemplo, ele divulga nebulosa informação sobre suposto sistema de compra de ativistas profissionais.

Contra e a favor

Só no Brasil: a Polícia Militar de Brasília e os arapongas da Abin – Agência Brasileira de Informação – filmaram as últimas passeatas na Capital Federal, a primeira a favor e a segunda, contra o presidente Lula. Aí, foram examinar os filmes e, na decodificação, ficou patente que, pelo menos a metade dos cara-pintadas de uma eram os mesmos da outra. É o chamado bloco dos "agitadores profissionais", que são convocados pelas entidades estudantis e pelas centrais sindicais e que recebem, pela atuação, diária de R$ 50, mais vale-refeição.

Desculpas tímidas

Depois da bronca, Ucho, Giba Um e Cesar Giobbi emitiram "erratas" acanhadas sobre o episódio "Rave no Torto". Ucho alegou que não conhecia a existência de um parque de exposições com denominação semelhante à da residência presidencial. Em entrevista concedida a este articulista, afirmou que foi induzido ao erro por informações incompletas no site do DJ. "Erro maior foi cometido pelo presidente Lula, que nunca cumpriu com suas promessas de campanha", acusou. "No caso em questão, devo dizer que aprendi mais uma vez, pois sou o melhor produto de meus erros."

O colunista César Giobbi, do Estadão, publicou o seguinte:

O site do DJ Tiesto, que até na tarde de quarta-feira apresentava em sua agenda um show na Granja do Torto, em Brasília, no dia 11 de outubro, mudou de endereço na manhã de ontem. O que aparece, agora, é que sua apresentação será no Parque de Exposições da Granja do Torto. Bem diferente, não?

A nota encerra outro erro. Na verdade, o site de Tiesto já havia explicitado a qual Granja do Torto se referia na tarde da própria quarta-feira (24/8). Giobbi alega que checa todas as informações que publica, mas que foi iludido pelas informações no site do DJ. "Tenho quatro empregos e não posso visitar todos os sites para conferir um endereço", afirma. O colunista destaca seus méritos ao admitir rapidamente o erro. Ao analisar o episódio, apresenta uma opinião controvertida. "Eu não acredito em nenhuma informação que corre na Internet, pois esse tipo de notícia não tem credibilidade", sentencia.

Código de Ética

Em vigor desde 1987, o Código de Ética dos Jornalistas é encarado como peça anedótica por determinados setores da imprensa periférica e pelo bloguismo de maledicência.

Em seu artigo 2º, o código determina: "A divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independente da natureza de sua propriedade". O artigo 14º estabelece que o jornalista deve: "Ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas".

De acordo com Fred Ghedini, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, é necessário separar o joio do trigo. "Temos profissionais sérios atuando em blogs e outros centros informativos virtuais", afirma. "Mas há também uma rede de redundância de informações falsas, de sabotagem da verdade, que reúne de bandidos comuns a extremistas ultraconservadores." Ghedini considera que o novo cenário da comunicação virtual permite valorosas experiências de comunicação, mas também abre brechas para a ação de desqualificados de todos os tipos. "A sociedade civil e os jornalistas precisam estar vigilantes para apontar as distorções", afirma.

Uma saudável desorientação

Caso esta história "jornalística" admita um orago, este será René Descartes, o homem da máscara enigmática, virtuoso no exercício solene do pensamento dubitativo, tão culto e preparado a ponto de desconfiar de tudo no teatro do mundo. Um dia, já sapientíssimo, ousou por humildade estranhar toda a realidade. "É como se, de repente, tivesse ido parar em um redemoinho e estou tão confuso que não posso tocar o fundo nem nadar para a superfície", confessou.

O pensador iniciou ali, num doce tormento, a aventura que viria a transformar a filosofia do Ocidente. Inventariou todos os seus conhecimentos. Surpreso, descobriu que a arca dos saberes abrigava apenas objetos da incerteza. Assim, decidiu rejeitar todos, até que pudesse provar racionalmente que eram dignos de confiança. Submeteu-os, um a um, a criterioso exame crítico. Escorado na "dúvida metódica", declarou que só aceitaria idéias, fatos e opiniões que tivessem passado pelo crivo da dúvida. O filosofo determinava a existência do malum epistemicum, a forma de mal associada à ignorância e ao falso conhecimento.

Imagina-se o benefício se a preocupação de Descartes fosse compartilhada pelos homens e mulheres que alimentam a indústria da informação. O primeiro passo rumo ao aprimoramento do ofício seria reconhecer as linhas divisórias entre a ignorância e a incerteza. A primeira se desenvolve no casulo da doxa, envolta pelos fios opacos da tola convicção coletiva. O autêntico escriba ignorante não sabe que não sabe. É resistente e, não raro, fanático, inquisidor e arrogante.

No caso da incerteza, tão útil a quem informa, o que se revela é a falha, o erro sempre possível. Os ungidos pela incerteza, como um Euclides da Cunha, reconhecem a ignorância e sabem que suas fórmulas nem sempre explicam a realidade. Perplexos diante da complexidade dos fenômenos da existência, esses humildes imitam Descartes. Superam o encantamento, até que admitem aproximar seus assustados olhos da essência das coisas. Essa "busca da verdade" serve como exercício intelectual e espiritual. Mas constitui-se em virtude maior porque atende a uma exigência ética da cidadania.
Feitos & Desfeitas
REDE DE INTRIGAS
"O filósofo, a crise e o kibe"
Por Walter Falceta Jr. em 29/8/2005

terça-feira, 23 de maio de 2006

Continua a Primavera


Carl Larsson, Våren, 1907

O poder dos Jornalistas

..."Apesar das razões naturais para a cooperação entre jornalistas e políticos existem igualmente entre eles motivos naturais de conflitos. Como profissionais, os jornalistas pretendem tomar as suas próprias decisões e receiam ser manipulados por parte dos políticos ou dos seus assessores. Por seu turno, os políticos receiam que os jornalistas deturpem as suas mensagens ou as voltem contra eles.
O surgimento das relações públicas e a crescente conscientização do governos de que podem usar em seu proveito as notícias, paralelamente à também crescente conscientização da imprensa de que tem de lutar contra a manipulação das notícias, levaram os jornalistas a não se contentarem com a simples obtenção de notícias.
O papel dos media face ao poder político evoluiu de uma fase de reverência, sobretudo em algumas democracias ocidentais para outra, situada por alguns autores nos anos sessenta, em que os jornalistas deixaram de dar apenas cobertura aos líderes políticos para passarem a criticá-los e escrutinar as suas ações e atitudes. O modelo de um jornalismo crítico e ativo colocou sob constante vigilância os aspectos mais controversos da sociedade e o comportamento dos políticos. Os políticos, sobretudo os governantes, passaram a estar permanentemente sob o olhar do cidadãos. Os jornalistas interrogam-nos, as sondagens dão conta do seu grau de aceitação ou rejeição. O poder político é, assim, obrigado a gerir ao mesmo tempo o acontecimento e as reações múltiplas e cruzadas da opinião pública. [31]
Os jornalistas (e os institutos de sondagem) são atores políticos que nenhum político pode desprezar na sua atividade quotidiana. Eles desempenham a vários níveis um papel importante na atividade governamental pela capacidade que possuem de forçar a discussão de determinados temas que não seriam prementes se não surgissem como “temas quentes” nas manchetes dos jornais ou em reportagens televisivas. Os media interferem na atividade dos governos, marcam a agenda, colocando os políticos sobre pressão constante e obrigando-os a tratar com urgência determinadas questões que requerem aprofundamento e estudo. Contudo, apesar de os jornalistas serem, cada vez mais, atores políticos, [32] os seus valores são diferentes e colidem muitas vezes com os valores políticos. O tempo dos media e o tempo da política não são compatíveis. Os media precisam de boas “estórias” que enfatizem os aspectos fora do comum, controversos ou dramáticos do mundo e da política. Os media orientam-se para acontecimentos que possam constituir-se em oportunidades de notícias, não para valores de natureza política. Mas as sociedade evoluem lentamente e não ao ritmo dos media. Por isso, os problemas críticos e crônicos não são geralmente notícia. Pelo contrário, os acontecimentos abruptos têm cobertura garantida, embora na maioria dos casos os desenvolvimentos subseqüentes sejam esquecidos. Ocasionalmente, os media revisitam os assuntos a que deram primeira página mas raramente os acompanham sistematicamente.
De um modo geral, políticos, jornalistas e analistas não se entendem sobre o papel dos media no que se refere, por exemplo à instituição presidencial. No último ano, mercê dos escândalos que envolveram a presidência americana, foram inúmeros os debates sobre essa questão. James Carey, professor na Columbia Graduate School of Journalism considera que a imprensa e a presidência têm vindo a degradar-se mutuamente, e afirma que a imprensa não devia destruir a autoridade da instituição presidencial, porque os presidentes passam mas a instituição permanece. Por isso, diz ele, vale a pena preservá-la [33] .
Opinião diferente é manifestada por Maxwell King do Philadelphia Inquirer que afirma que não compete ao jornalista apoiar a instituição presidencial, sem prejuízo de manter com ela uma boa relação. "Como jornalista", diz ele, "sentir-me-ia desconfortável com a idéia de ter de tratar uma instituição ou uma pessoa de uma maneira especial". [34]
Outros, como David Laventhol do Times Mirror, afirmam que a imprensa trata o Presidente de uma maneira especial porque é destacada precisamente para cobrir os seus atos. O seu objetivo é, então, "apanhar" o Presidente. [35]
Em vez de uma dependência ou autonomia absolutas dos jornalistas relativamente às fontes, creio dever falar-se de uma interdependência que umas vezes torna uma das partes mais forte em relação à outra na influência e na definição daquilo que chega ao conhecimento do público, da maneira como chega e do momento em que chega."/...
uff.br - Jornalismo e Elites do Poder, Estrela Serrano

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Continua a Primavera


Casa de campo en primavera
Escuela Municipal de Pintura de Tabernas

Tratemos desta vida

Ora, senhores, já que somos cristãos, já que sabemos que havemos de morrer e que somos imortais, saibamos usar da morte e da imortalidade. Tratemos desta vida como mortais, e da outra como imortais. Pode haver loucura mais rematada, pode haver cegueira mais cega que empregar-me todo na vida que há de acabar, e não tratar da vida que há de durar para sempre? Cansar-me, afligir-me, matar-me pelo que forçosamente hei de deixar, e do que hei de lograr ou perder para sempre, não fazer nenhum caso! Tantas diligências para esta vida, nenhuma diligência para a outra vida? Tanto medo, tanto receio da morte temporal, e da eterna nenhum temor? Mortos, mortos, desenganai estes vivos. Dizei-nos que pensamentos e que sentimentos foram os vossos quando entrastes e saístes pelas portas da morte? A morte tem duas portas: Qui exaltas me de portis mortis [22]. Uma porta de vidro, por onde se sai da vida, outra porta de diamante, por onde se entra à eternidade. Entre estas duas portas se acha subitamente um homem no instante da morte, sem poder tornar atrás, nem parar, nem fugir, nem dilatar, senão entrar para onde não sabe, e para sempre. Oh! que transe tão apertado! Oh! que passo tão estreito! Oh! que momento tão terrível! Aristóteles disse que entre todas as coisas terríveis, a mais terrível é a morte. Disse bem mas não entendeu o que disse. Não é terrível a morte pela vida que acaba, senão pela eternidade que começa. Não é terrível a porta por onde se sai; a terrível é a porta por onde se entra. Se olhais para cima, uma escada que chega até o céu; se olhais para baixo, um precipício que vai parar no inferno, e isto incerto.

Sermão de Quarta-Feira de Cinzas
Igreja de S. Antônio dos Portugueses, Roma. Ano de 1670.
Padre António Vieira

domingo, 21 de maio de 2006

M. E. - Tralha

O Centenário da Real República dos M. E. - TRALHA.
Aqui

Continua a Primavera

"Primavera" - Valle Sudafricano - Oleo espatulado 37x35 - 1988. Alejandro Anderson Nizzero

Contrastes Regionais

A trilogia beirã contida na anterior divisão provincial - Beira Alta, Beira Baixa e Beira Litoral - ainda permanece bem viva no espírito de muitos portugueses, com a qual se mantêm identificados apesar de a nova divisão territorial do continente apenas estabelecer duas Beiras, a Litoral e a Interior. A redução resultou essencialmente da fragmentação da Beira Alta. A maior parte dos concelhos do distrito de Viseu passou a integrar a Beira Litoral, do mesmo modo que a quase totalidade dos restantes, pertencentes ao distrito da Guarda, foi associada à Beira Baixa, passando a constituir a Beira Interior.

A actual região agro-florestal da Beira Litoral compreende uma área com 11.725 km2, englobando as seguintes cinco unidades de nível III da NUTS (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos). Baixo Vouga - Doze municípios: Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mealhada, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar, Sever do Vouga e Vagos; Baixo Mondego - Oito municípios: Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Mira, Montemor-o-velho, Penacova e Soure; Pinhal Litoral - Cinco municípios: Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós; Pinhal Interior Norte - Catorze municípios: Arganil, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penela, Tábua, Vila Nova de Poaires, Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande; Dão-Lafões - Quinze municípios: Aguiar da Beira, Carregal do Sal, Castro Daire, Mangualde, Mortágua, Nelas, Oliveira de Frades, Penalva do Castelo, Santa Comba Dão, São Pedro do Sul, Sátão, Tondela, Vila Nova de Paiva, Viseu e Vouzela.

Esta região, apesar da sua posição litoral, apresenta acentuados contrastes entre a sua fachada mais litoral e a área mais interior. Esses contrastes identificam-se a vários níveis de análise, nomeadamente no que diz respeito aos aspectos geológicos. Desde logo o facto de estarem presentes, lado a lado, duas unidades morfoestruturais muito diferentes - Orla Sedimentar Mesocenozóica e Maciço Antigo Ibérico - faz com que, além de idade, as rochas apresentem sobretudo litologias diferenciadas. Assim, enquanto na Orla predominam as formações sedimentares, essencialmente constituídas por grés, conglomerados, calcários, calcários dolomíticos, calcários mais ou menos margosos, margas, arenitos e areias, pelo contrário, no Maciço Antigo predominam as formações cristalinas, constituídas essencialmente por rochas magmáticas à base de granitóides e por rochas metamórficas, constituídas por xistos, grauvaques, quartzitos e corneanas, estas nas auréolas de metaformismo de contacto.

Naturalmente que histórias geológicas diferentes, associadas a rochas tão distintas em cada uma destas unidades, vão proporcionar formas de relevo bem diversas. Como consequência, a separação entre estas duas unidades é muito nítida, segundo uma linha que, grosso modo, se inicia a norte de Espinho, passa por S. João da Madeira, Albergaria-a-Velha, Águeda, Anadia, Coimbra, Penela, Alvaiaázere e prossegue em direcção a Tomar. A nascente situa-se o Maciço Antigo e a poente a Orla Sedimentar.

E se, do ponto de vista geológico, esta linha divisória encerra um profundo significado, não é menos importante do ponto de vista topográfico, pois também faz o contraponto entre as formas de relevo suaves, aplanadas, em que se destacam as serras calcárias de baixa altitude, e as formas de relevo mais movimentadas, correspondentes às serras de Lousã (1205 m), Açor (S. Pedro do Açor, 1342 m, Cebola 1418 m) e Caramulo (1075 m), para mencionar apenas as mais elevadas.

O contraste altitudinal entre as duas unidades morfoestruturais é particularmente marcado em toda a área situada a norte de Coimbra, onde se regista um verdadeiro degrau topográfico entre essas unidades.

Nas imediações de Coimbra, para nascente, além do Maciço Marginal de Coimbra, designação local para o rebordo montanhoso do Maciço Antigo Ibérico, individualizam-se outras formas de relevo, de direcção geral NW-SE, correspondentes aos afloramentos de quartzito, que, pela sua dureza, se destacam na paisagem, imprimindo-lhe um vigor ímpar, traduzido pelas majestáticas cristas topográficas que proporcionam: serras do Buçaco (549 m), de S. Pedro Dias (438 m) e penedo de Góis (1040 m); penedos de Fajão (902 m), serra do Vidual (1119 m), penedos de Unhais (885 m) e serra do Maxialinho (836 m); serras do Espinhal (853 m) e de S. Neutel (550 m).

Além disso, também impressionam as magníficas formas de pormenor constituídas por vales em garganta, sempre que os afloramentos de quartzito são atravessados por rios, cuja grandiosidade é proporcional à importância dos cursos de água. De entre estas formas de pormenor referimos a mais conhecida, denominada Livraria do Mondego, que, como o próprio nome indica, se situa no local onde este rio corta os quartzitos, entre Penacova e a Barragem da Aguieira.

Situações análogas, mas com vales mais apertados, ocorrem na Senhora da Candosa, quando o Ceira atravessa o afloramento de quartzito na Pena, quando a ribeira de Pena franqueia os penedos de Góis, na barragem de Santa Luzia, no local onde o rio Unhais, com aparente facilidade mas um tanto enigmaticamente, transpõe um obstáculo gigantesco constituído pelas serras de Vidual-Penedo, e, por último, as fragas de S. Simão, local onde a ribeira de Alge atravessa a crista do Espinhal.

Mais a norte, a serra do Caramulo, de constituição geológica predominantemente granítica, faz a transição entre as formas aplanadas da Orla e do Maciço Antigo, estas conhecidas pela designação genérica de planalto beirão (A. Fernandes Martins, 1940) ou Plataforma do Mondego (A. Brum Ferreira, 1978) e aquelas globalmente designadas por Baixo Vouga e Baixo Mondego.

A serra do Caramulo dispõe-se segundo uma direcção NE-SW, constituindo um bloco tectónico dissimétrico, balançado para ocidente e limitado por uma importante falha a leste. Deste modo, do lado oriental a serra é limitada por uma importante escarpa, enquanto a vertente ocidental desce progressivamente até dominar a plataforma litoral (A. Brum Ferreira, 1978, pág. 204).

A norte do rio Vouga destaca-se ainda a serra da Arada (1072 m), que já faz parte do maciço da Gralheira.

Entre os principais conjuntos montanhosos apresentados, serra do Caramulo e cordilheira Central, na base dos quais se situam, respectivamente, as depressões do Borralhal-Campo de Besteiros (A. Brum Ferreira, 1978) e as bacias da Lousã-Arganil (s. Daveau, et al., 1985/6), desenvolve-se a plataforma do Mondego, que inclina suavemente para SE e na qual a principal movimentação se deve ao encaixe da rede hidrográfica e à existência de alguns relevos residuais.

Na Orla Sedimentar, entre Mondego e Vouga, predominam áreas aplanadas ou de relevo pouco movimentado, respectivamente formadas pelas planícies aluviais construídas por estes rios e pelas dunas litorais (A. C. Almeida, 1995).

A cortar esta platitude, mesmo junto ao mar, ergue-se a serra da Boa Viagem, que, tanto dos miradouros da Vela (202 m) como da Bandeira (258 m), permite desfrutar de boas vistas panorâmicas, aliás uma característica comum a muitos outros lugares não só do Baixo Mondego (F. Rebelo, et al., 1990) mas de toda a Beira Litoral (A. Fernandes Martins, 1949a e O. Ribeiro, 1949).

A sul do rio Mondego destacam-se dois conjuntos de serras calcárias. Mais a norte, as serras do Rabaçal (532 m), de Sicó (553 m) e de Alvaiázere (618 m), estudadas pormenorizadamente por Lúcio Cunha (1990), e mais a sul, as serras de Aire (679 m) e Candeeiros (613 m), alvo de análise de Fernandes Martins (194 b).

Também do ponto de vista climático se verificam alguns contrastes entre as duas unidades morfoestruturais mencionadas, determinados quer pela proximidade ou afastamento (e abrigo) do oceano e das suas influências que pela variação da altitude.

Se esses efeitos são sensíveis ao nível da temperatura do ar não serão menos significativos no que concerne à distribuição da precipitação, onde também se regista de modo muito nítido a influência da variação da latitude.

Com efeito, a maior proximidade do mar e a latitude mais elevada das serras da Arada e Caramulo permitem que, apesar da sua menor altitude, os valores de precipitação aí registados sejam superiores aos que se verificam nas serras da Lousã-Açor, pese embora a sua maior elevação.

Entre estes dois conjuntos montanhosos, numa situação de abrigo, a plataforma do Mondego regista quantitativos de precipitação bem inferiores. Do mesmo modo, na plataforma litoral também se verificam valores de precipitação relativamente baixos. Apenas nas serras calcárias são ligeiramente superiores, pelo que também em termos de precipitação existe um nítido contraste entre os valores registados na Orla Sedimentar e no Maciço Antigo.

Os contrastes de natureza física existentes entre duas unidades vão certamente condicionar a ocupação humana, pelo que não é de admirar que seja a faixa mais litoral aquela que se apresenta mais densamente povoada. Com efeito, apenas os municípios coincidentes com áreas predominantemente calcárias é que apresentam densidades inferiores a 100 hab./km2, contrariamente ao que sucede na faixa mais inferior, onde só quatro municípios (Viseu, Nelas, Santa Comba Dão e Lousã) ultrapassam esse valor. Este situação agrava-se à medida que avançamos em direcção à fronteira, pelo que esta faixa constitui uma área de transição para a Beira Interior.


Luciano Lourenço in "Guia Expresso de Portugal"
Docente do Instituto de Estudos Geográficos da Fac. de Letras da Universidade de Coimbra