"A tia Amália foi durante muitos gerações a parteira da aldeia. Pelas suas mãos hábeis e competentes e de muito saber, todo de experiência feito, passaram todas as crianças nascidas na aldeia. Naquele tempo, não havia médicos, hospital no concelho, nem estradas por onde pudessem ser transportadas as parturientes. 0 nascimento das crianças tinha de ser resolvido na aldeia, e felizmente sempre com êxito.
A tia Amália, além de exímia parteira, sabia imensas mezinhas para curar males, moléstias e situações desesperadas que sempre acontecem numa aldeia serrana, onde, nesse tempo, não se falava em assistência médica. A Tia Amália tinha sempre um remédio para curar tudo, ou quase tudo, como: sarna, sarnão, pés torcidos, treçolhos, escaldado feridas, crianças aguadas, lombrigas, Flatos, espinhela caída etc.
Sabia rezas e responsos para encontrar as coisas perdidas e afastar pestes e trovoadas.
Com ervas secas como: nardo, erva de São João, cidreira, malvas, erva de São Roberto, flor de sabugueiro, folhas de oliveiras etc, Fazia chás que curavam dores de cabeça estômago, intestinos, rins, coração etc. Com azeite, mel, leite, alhos curava gripes, constipações, reumatismo etc.
A Tia Amália era um mãe solteira, era uma conversadora que dava gosto ouvir. Sempre bem disposta e alegre, todas as crianças gostavam de ouvir os seus bonitos contos e histórias.
A Tia Amália era uma alma bondosa, simples e prestável. Quando morreu toda a gente da aldeia chorou e sentiu a sua falta. Com ela, foi para a cova uma biblioteca de saber de um valor incalculável.
À sua porta, nunca faltavam crianças para ouvirem os seus contos e as suas graças. Quando lhe pediam para contar um história ela dava uma risada, passava as suas mãos pelas cabeças das crianças e dizia entusiasmada.
‑ Todos vós passasteis pelas minhas mãos, fui eu a primeira pessoa que vos viu nascer. Todos ficávamos muito contente com esta revelação.
A tia Amália era quase uma mãe para todos e tínhamos por ela um grande respeito e admiração.
A tia Amália sabia dezenas de contos: de lobos, de raposas, de galos, de burros, de bruxas, de lobisomens, de santos, de santas, de pobres, de ricos, de rãs, de sapos, de cobras, de ratos, de gatos, de cães, de cordeiros, de lebres etc. Um dos contos que ela contava que ficou para sempre na nossa memória foi sobre uma noite de Natal.
Contava a tia Amália:
Era uma vez uma família muito pobrezinha que vivia numa aldeia da serra. Nessa aldeia havia famílias ricas, remediadas e pobres, como há em toda a parte. 0 tio Manuel era o chefe de uma família muito pobre e fazia cestos e cestas que ia vender à vila de Arganil Nas vésperas de Natal, o tio Manuel abalou cedo, como fazia sempre, para o mercado de Arganil com alguns cestos e cestas para vender, e com o dinheiro da venda, iria pagar o que devia na loja do tio Joaquim. Era a vida de um pobre e honrado homem...
Ao regressar à sua aldeia começou a nevar na serra da Aveleira, passou pela Lomba, e o nevoeiro também apareceu, ficando a noite escura como breu. 0 tio Manuel perdeu‑se várias vezes no caminho, pois, não se via nada, caminhando quase como por instinto, aqui caindo além tropeçando, até que, uma vez rebolou para um barroco, perdendo a saca onde trazia o dinheiro e dois pães que comprou para fazer a consoada com a mulher e os quatro filhos, todos ainda pequenos como vós, arrematava a tia Amália.
0 pobre do tio Manuel chegou a casa era quase meia‑noite com grande alegria a sua mulher e filhos, que já choravam pela demora do pai. Vinha todo molhado, cansado e abraçando a mulher e os filhos, chorava e contava o que lhe tinha acontecido.
A sua mulher, agora com os olhos cheios de lágrimas de alegria, dizia‑lhe: deixa lá, homem! 0 essencial é que estejas aqui ao pé de nós e não te aconteceu mal nenhum, o resto, tudo se há‑de arranjar por Deus.
Ao lado da casa do tio Manuel vivia a tia Josefa, viúva, com os seus filhos. Esta mulher também era pobre e sabia da angústia que pairava sobre os seus vizinhos, pois, já tinham perguntado várias vezes pelo tio Manuel. E logo que deram pela sua chegada, foram logo saber o que lhe tinha acontecido.
Ao saberem, ficaram muito tristes pois os bons amigos e os bons vizinhos são aqueles que se alegram com as alegrias dos seus vizinhos e ficam tristes quando acontece qualquer percalço ou desgraça aos mesmos.
Neste caso, como a noite de Natal era muito especial resolveram fazer a consoada todos juntos em casa do tio Manuel. Trouxeram broa molhada com fio de azeite e farinheiras, pois, naquele tempo, não havia chocolates nem bolo rei, nem dinheiro para gulodices.
Os filhos do tio Manuel tinham ido ao rebusco, e trouxeram um cesto de castanhas que foram assadas à lareira. E todos juntos fizeram uma linda consoada.
Eram os pobres a dar o que lhes fazia falta aos mais pobres, num gesto de ternura que só os humildes e os bem‑aventurados são capazes de fazer, com amor e solidariedade.
Era a verdadeira doutrina cristã, tantas vezes apregoada, e tão mal praticada por todo o mundo Foi uma consoada simples, tema, cheia de encantamento, como só nas aldeias serranas podia acontecer. Mas os rapazes são sempre curiosos e logo um perguntava:
‑ Então a saca do tio Manuel não apareceu? A tia Amália não a responsou?
‑ Não, meus amigos, dizia a tia Amália. Isto já se passou à muitos anos, se fosse hoje, eu responsava‑a,
e ela havia de aparecer.
Todos riamos de contentamento com as histórias tão simples, tão belas, tão humanas que a tia Amália contava.
Bem‑Haja, a tia Amália pelos momentos felizes e agradáveis que nos proporcionou, pelo Sol radioso que existia na sua alma, onde o sonho e a ternura, a todos embalava com amor."
"Contos" de António Jesus Fernandes
A tia Amália, além de exímia parteira, sabia imensas mezinhas para curar males, moléstias e situações desesperadas que sempre acontecem numa aldeia serrana, onde, nesse tempo, não se falava em assistência médica. A Tia Amália tinha sempre um remédio para curar tudo, ou quase tudo, como: sarna, sarnão, pés torcidos, treçolhos, escaldado feridas, crianças aguadas, lombrigas, Flatos, espinhela caída etc.
Sabia rezas e responsos para encontrar as coisas perdidas e afastar pestes e trovoadas.
Com ervas secas como: nardo, erva de São João, cidreira, malvas, erva de São Roberto, flor de sabugueiro, folhas de oliveiras etc, Fazia chás que curavam dores de cabeça estômago, intestinos, rins, coração etc. Com azeite, mel, leite, alhos curava gripes, constipações, reumatismo etc.
A Tia Amália era um mãe solteira, era uma conversadora que dava gosto ouvir. Sempre bem disposta e alegre, todas as crianças gostavam de ouvir os seus bonitos contos e histórias.
A Tia Amália era uma alma bondosa, simples e prestável. Quando morreu toda a gente da aldeia chorou e sentiu a sua falta. Com ela, foi para a cova uma biblioteca de saber de um valor incalculável.
À sua porta, nunca faltavam crianças para ouvirem os seus contos e as suas graças. Quando lhe pediam para contar um história ela dava uma risada, passava as suas mãos pelas cabeças das crianças e dizia entusiasmada.
‑ Todos vós passasteis pelas minhas mãos, fui eu a primeira pessoa que vos viu nascer. Todos ficávamos muito contente com esta revelação.
A tia Amália era quase uma mãe para todos e tínhamos por ela um grande respeito e admiração.
A tia Amália sabia dezenas de contos: de lobos, de raposas, de galos, de burros, de bruxas, de lobisomens, de santos, de santas, de pobres, de ricos, de rãs, de sapos, de cobras, de ratos, de gatos, de cães, de cordeiros, de lebres etc. Um dos contos que ela contava que ficou para sempre na nossa memória foi sobre uma noite de Natal.
Contava a tia Amália:
Era uma vez uma família muito pobrezinha que vivia numa aldeia da serra. Nessa aldeia havia famílias ricas, remediadas e pobres, como há em toda a parte. 0 tio Manuel era o chefe de uma família muito pobre e fazia cestos e cestas que ia vender à vila de Arganil Nas vésperas de Natal, o tio Manuel abalou cedo, como fazia sempre, para o mercado de Arganil com alguns cestos e cestas para vender, e com o dinheiro da venda, iria pagar o que devia na loja do tio Joaquim. Era a vida de um pobre e honrado homem...
Ao regressar à sua aldeia começou a nevar na serra da Aveleira, passou pela Lomba, e o nevoeiro também apareceu, ficando a noite escura como breu. 0 tio Manuel perdeu‑se várias vezes no caminho, pois, não se via nada, caminhando quase como por instinto, aqui caindo além tropeçando, até que, uma vez rebolou para um barroco, perdendo a saca onde trazia o dinheiro e dois pães que comprou para fazer a consoada com a mulher e os quatro filhos, todos ainda pequenos como vós, arrematava a tia Amália.
0 pobre do tio Manuel chegou a casa era quase meia‑noite com grande alegria a sua mulher e filhos, que já choravam pela demora do pai. Vinha todo molhado, cansado e abraçando a mulher e os filhos, chorava e contava o que lhe tinha acontecido.
A sua mulher, agora com os olhos cheios de lágrimas de alegria, dizia‑lhe: deixa lá, homem! 0 essencial é que estejas aqui ao pé de nós e não te aconteceu mal nenhum, o resto, tudo se há‑de arranjar por Deus.
Ao lado da casa do tio Manuel vivia a tia Josefa, viúva, com os seus filhos. Esta mulher também era pobre e sabia da angústia que pairava sobre os seus vizinhos, pois, já tinham perguntado várias vezes pelo tio Manuel. E logo que deram pela sua chegada, foram logo saber o que lhe tinha acontecido.
Ao saberem, ficaram muito tristes pois os bons amigos e os bons vizinhos são aqueles que se alegram com as alegrias dos seus vizinhos e ficam tristes quando acontece qualquer percalço ou desgraça aos mesmos.
Neste caso, como a noite de Natal era muito especial resolveram fazer a consoada todos juntos em casa do tio Manuel. Trouxeram broa molhada com fio de azeite e farinheiras, pois, naquele tempo, não havia chocolates nem bolo rei, nem dinheiro para gulodices.
Os filhos do tio Manuel tinham ido ao rebusco, e trouxeram um cesto de castanhas que foram assadas à lareira. E todos juntos fizeram uma linda consoada.
Eram os pobres a dar o que lhes fazia falta aos mais pobres, num gesto de ternura que só os humildes e os bem‑aventurados são capazes de fazer, com amor e solidariedade.
Era a verdadeira doutrina cristã, tantas vezes apregoada, e tão mal praticada por todo o mundo Foi uma consoada simples, tema, cheia de encantamento, como só nas aldeias serranas podia acontecer. Mas os rapazes são sempre curiosos e logo um perguntava:
‑ Então a saca do tio Manuel não apareceu? A tia Amália não a responsou?
‑ Não, meus amigos, dizia a tia Amália. Isto já se passou à muitos anos, se fosse hoje, eu responsava‑a,
e ela havia de aparecer.
Todos riamos de contentamento com as histórias tão simples, tão belas, tão humanas que a tia Amália contava.
Bem‑Haja, a tia Amália pelos momentos felizes e agradáveis que nos proporcionou, pelo Sol radioso que existia na sua alma, onde o sonho e a ternura, a todos embalava com amor."
"Contos" de António Jesus Fernandes
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