“Se um dia disserem que o seu trabalho não é de um profissional, lembre-se: A Arca de Noé foi construída por amadores; profissionais construíram o Titanic…“
segunda-feira, 10 de julho de 2006
No Piódão
"São poucos os que sempre aqui viveram. No Piódão, alguns mais novos já tentaram outras paragens, outros, sobretudo mulheres, vieram aqui parar vindos de terras próximas, por via do matrimónio. Foi assim com o pai de Carlos Lourenço e com ele também. A mãe é de Chãs de Égua e a sua mulher de São Gião. Com 35 anos, Carlos explora o café Gruta, situado bem à entrada da aldeia, no Largo Cónego Manuel Fernandes Nogueira. Diz que a dúzia de rapazes mais novos a viver no Piódão são todos solteiros: “aqui não há raparigas”. Junto à esplanada, com mesas e cadeiras vermelhas, as bancas expõem réplicas de casas de xisto. É uma segunda povoação em miniatura pronta a ser transplantada para qualquer lar distante.
É este o primeiro local onde os turistas estacam para melhor admirarem o contraste entre o castanho-escuro das paredes das habitações e o branco quase gritante da igreja matriz, que ostenta no exterior uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Construída durante o século XVII, foi reconstruída no final do século XIX pelo cónego Manuel Fernandes Nogueira. No cimo da escadaria deste edifício de ar sólido e imponente sobressaem as suas quatro colunas cilíndricas, rematadas por cones. No interior, o tecto abobadado é de madeira pintada de azul celeste, em harmonia quase perfeita com a talha (alguma dourada) datada da altura da remodelação. Maria José cuida da igreja, limpa-a e trata de abrir as portas quando a presença de estranhos o justifica. Natural de Braga, viveu em Tomar e à terra do marido veio parar.
Perto do templo fica a casa de todas as polémicas, outrora propriedade de um particular que iniciou a sua construção em tijolo. Hoje, o primeiro andar acolhe um museu dedicado a três áreas – “O Olhar dos Outros”, “Uma História cheia de Estórias” e “Vida Quotidiana” – e, o rés-do-chão é ocupado pelo posto de turismo. Com as placas de xisto assentes na horizontal, umas sobre as outras, o exterior em nada destoa do resto do aglomerado habitacional.
Do outro lado do largo, o café Solar dos Pachecos faz esquina com a rua da Venda do Lourenço. Mas antes de prosseguir, há que espreitar a ribeira do Piódão – agora, final do Verão, já esvaziada – e apreciar a paisagem circundante com os terraços em degraus, encosta acima, a servirem de plataformas agrícolas e a sustento de pequenos palheiros. É a mestria de quem teve de domar a paisagem para dela tirar rendimento, são os muros de xisto a suster as terras, é Natureza e Homem unidos numa beleza feita de contrastes entre a força de vontade para permanecer selvagem e a necessidade do domador".
"É tempo de explorar as ruas estreitas, os becos, os detalhes e as características arquitectónicas que levaram a aldeia de Piódão a ser classificada como Imóvel de Interesse Público, em 1978. As escadas situadas ao lado da igreja são um dos caminhos, bem como a rua da Venda do Lourenço, mas o percurso pouco importa. A subir, sempre a subir, vai-se admirando os telhados de xisto preto com as placas sobrepostas de forma a impedirem a entrada da água das chuvas. Na cumeeira e no topo das chaminés algumas pedras foram estrategicamente colocadas para segurar as lajes por altura das intempéries.
Virada a Sul, a aldeia procura proteger-se dos ventos rigorosos de Inverno, as construções são sustentadas por alicerces colocados em terrenos íngremes, o que em grande parte explica os três pisos das casas. Hoje em dia, o rés-do-chão serve para guardar lenha e alguns produtos resultantes da agricultura, antes, era o lar dos animais da família. No piso intermédio e superior vivem as pessoas, entre divisões feitas de madeira. Outrora, o último andar era reservado aos produtos retirados da agricultura, como milho e batatas.
Por entre as janelas de paisagem vê-se a Serra do Açor, este ano, vítima dos incêndios. Na aldeia ainda se fala com emoção do mês de Julho. Maria da Conceição mora aqui e sofre do coração. Lembra que há dezoito anos foi quase a mesma coisa mas, desta vez, por causa dos problemas de saúde, não teve outro remédio senão fugir. Cândida trabalha no restaurante da família do marido e não consegue reter as lágrimas quando fala do tremendo susto por que passaram. Agora só espera que chova devagar, chuva miudinha para impedir os aluimentos e a cedência dos terrenos.
Pela porta de “O Fontinha”, nome dado a esta pequena sala de refeições, entra Francisco Anjos, o leigo da aldeia. Aproveita para conversar um pouco da sua vida e dos costumes da região. Tem 68 anos, já trabalhou nas minas da Panasqueira e esteve em Lisboa durante 25 anos. Nos dias que correm, depois de ter feito formação na Diocese de Coimbra, dá missas, faz enterros, enfim, ajuda no que pode quando o pároco está em serviço noutras povoações. Quanto às cruzes feitas a partir dos ramos de oliveira benzidos no Dia de Ramos e pregadas nas ombreiras das portas das habitações, diz que servem como protecção contra as trovoadas e os raios. “No dia de Santa Cruz, a 3 de Maio, é hábito porem-se cruzes nos campos e nas portas pedindo a protecção a Sta. Bárbara e ao Senhor”. Cândida confirma e acrescenta que as trovoadas aqui são frequentes.
No dia seguinte Francisco tem uma festa marcada, como todos os anos. É o sábado mais próximo do dia de S. Francisco de Assis (4 de Outubro) e vêm Franciscos de todo o lado, mesmo aqueles que, sendo naturais das terras vizinhas vivem noutras regiões do país. A comemoração começa com uma missa às onze da manhã na pequena capela de S. Pedro – cuja imagem do padroeiro da aldeia surge em lugar de destaque no centro e por cima do pequeno altar – e segue com uma patuscada".
INATEL
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