sábado, 5 de agosto de 2006

"Como evitar incêndios florestais e produzir energia"

Em anos normais Portugal importa cerca de 80% do total da energia que consume. A parcela hídrica em anos húmidos pode ir até 20%. Podem considerar-se ainda as energias endógenas (solar, eólica, biomassa, marés, geotérmica) com pouca expressão estatística. De todas as citadas, a biomassa constitui a energia da época pré-industrial no interior do país, logo aquela em que há mais experiência, maior tradição de equipamentos e a que existe disponível em maior quantidade e todos os dias cresce

Devido a factores bem conhecidos, como a redução da agricultura de subsistência, a divisão da propriedade em minifúndio, a pequena rentabilidade de actividades florestais como a resinagem, a produção de carvão vegetal, a diminuição da pastorícia, a urbanização da população na Zona do Pinhal, entre o Tejo e o Douro, todos os anos o fogo faz grandes estragos e o mato e a acácia ocuparam os espaços possíveis.

No entanto, temos clima, terreno e regime de chuva de excelente equilíbrio permitindo o desenvolvimento anual de plantas que formam os matagais conhecidos de todos. Até parece que teremos de lamentar a benesse que temos. Qualquer dia até ambicionamos ter as condições desérticas do Marrocos ou da Argélia, onde não há incêndios florestais, só para não termos os gastos que se verificam aqui com eles... A atitude mais consequente será, logicamente, aproveitar toda esta riqueza com que a natureza nos brindou.

A via que, sob o ponto de vista energético, é possível apontar para superar o actual estado de coisas pode resumir-se na seguinte filosofia:

Transformar os incêndios descontrolados de Verão
em incêndios controlados ao longo de todo o ano
Na verdade, antes da construção das centrais hidroeléctricas, também os rios descontrolados de Inverno produziam cheias, destruíam culturas e bens e no verão havia secas. Só com estudos e investimentos adequados, em obras hidráulicas, foi possível evitar as inundações de Inverno e as secas de Verão.

Desde há cerca de 30 anos que o país sofre o flagelo dos incêndios de Verão, que não permitem que as árvores (especialmente o pinheiro) entrem no circuito comercial normal da madeira por não atingirem a idade adulta. Na região Centro, onde se verifica a maior incidência de fogos florestais, os terrenos não são de 1ª classe agrícola, mas não de classes tão baixas como as encostas do Douro onde, no entanto, ao longo de dois séculos, se desenvolveu o valioso Vinho do Porto.

Se há incêndios é porque há produto combustível e esse produto combustível é a biomassa. É actualmente em pouca quantidade porque não se caminhou no sentido de a aproveitar, controlar, seleccionar, transportar e utilizar de forma eficiente. Não conheço estudos consistentes que permitam indicar quantas toneladas de matos, arbustos e restos de árvores se produzem anualmente nos sete distritos em referência (Aveiro, Viseu, Guarda, Coimbra, Castelo Branco, Santarém e Leiria). No entanto, estudos orientados para o eucalipto e o pinheiro com fins industriais (de que só se utilizam os rolos) indicam que ficam na floresta resíduos como pontas, ramos e cascas. O eucalipto constitui a única espécie relativamente acompanhada tecnicamente uma vez que constitui matéria-prima de um sector industrial importante: a pasta de papel.

O pinheiro bravo constitui na maior parte dos terrenos uma espécie espontânea, sem total projecto de plantação, defesa e aproveitamento. São muito poucos os proprietários que vêem as suas árvores atingirem a idade adulta de forma a permitir a sua venda no mercado da madeira sem sobressaltos. O mais frequente é a venda ao desbarato, após incêndios que secam a árvore. Como esta não resiste ao ataque dos insectos mais do que um inverno é vendida imediatamente ao desbarato aos madeireiros que compram pelo preço que querem. Aqui temos uma fraqueza do sector económico que prejudica gravemente a colectividade, situação que ao Estado compete ordenar.

Considerando o valor calorífico de biomassa como cerca de 1/3 do fuel, podemos admitir que perdemos anualmente milhares de tep (tonelada equivalente de petróleo) ao não aproveitar essa biomassa disponível e que arde descontroladamente.

De acordo com estudos desenvolvidos, cresce anualmente um quilo e meio de biomassa por metro quadrado. Será razoável admitir que um terço pode ser retirada da floresta e a seguir queimada em Central Termoeléctrica para produzir electricidade e permitir o pleno desenvolvimento dos restantes dois terços que constitui a floresta.

Fazendo contas, verifica-se que, por ano, estão disponíveis, por hectare, 5 toneladas de biomassa para a nossa Central Termoeléctrica. Se a recolha for feita de 5 em 5 anos poderíamos recolher 25 t. Como uma equipa de 4 operários pode trabalhar por dia 2000 m 2 , num ano teríamos:

2000 m 2 x 220 dias úteis = 440 000 m 2 , logo 44 ha

44 ha x 25 t = 1100 t, cujo valor pode ser de 33 000€


Essa equipa teria encargos de salários anuais de cerca de 28 000€, logo interessante sem mais verbas.

Para uma Central Termoeléctrica de 5 MW são necessárias 30 000 t de biomassa anualmente, o que significa trabalhar 1300 ha por ano. Dado que recolhíamos no mesmo local de 5 em 5 anos, seria necessário uma área de 6 500 ha para assegurar o funcionamento pleno da Central, o que não ultrapassa um raio de 5 km.

Verificamos assim que, mesmo sem pagamento por parte do proprietário, é rentável a recolha dos resíduos da floresta — desde que a Central Termoeléctrica funcione.

A Central exige um investimento de cerca de 12 M€ (milhões de euros) e pode vender para a Rede Eléctrica, anualmente, 4,620 M€, o que a torna economicamente interessante.

Há que reunir gente, esforços e investimentos para que a produção florestal deixe de estar exposta a tão grande risco de Junho a Outubro e à sua degradação durante o Inverno.

Milhões de euros de energia endógena é uma riqueza que pode ser aproveitada mesmo tendo em conta os factores negativos: o minifúndio, o acidentado do terreno, a falta de vias de acesso, a falta de equipamento próprio e a dureza de actividade. Na realidade há factores favoráveis: os terrenos produzem biomassa, e há gente disponível pelas aldeias para criar micro empresas de 4 a 5 trabalhadores que durante todo o ano façam as operações de corte, recolha trituração e entrega de produto na Central. Estas empresas têm viabilidade económica, já há experiência e para arrancar precisam de um investimento de 60 a 70 000 €. para tractores (2), estilhaçador, atrelados (2) e aparelhos de corte (5).

Considerando que para abastecer cada central seria suficiente um conjunto de 25 micro-empresas, cada uma com 4 a 5 trabalhadores, e um investimento de 70 mil euros amortizável em 3 a 4 anos teríamos que o conjunto de apoio a cada central pode envolver 1,75 M€.

Replicando esta Central 5 a 6 vezes, com potências unitárias até 10 MVA e queimando os resíduos de uma área circundante até 20 km seria possível apontar para um investimento de 100 M€ em centrais e empresas fornecedoras. Assim, seria possível minimizar os incêndios descontrolados e transferir para energia útil uma parcela significativa do material lenhoso actualmente queimado. Estas verbas podem ter origem no sistema de apoio florestal, no que se evita gastar em serviços de Bombeiros e no que se vinha a ganhar por o Produtor Florestal poder vender a sua madeira com plena maturidade.



EXTERNALIDADES DO PROJECTO
AMBIENTAIS
Evitar a desertificação dos terrenos ardidos uma vez que diminuiriam os incêndios.

Diminuição do efeito de estufa causado pelos incêndios descontrolados.

Queima controlada e completa ao longo do ano evita os actuais resíduos da combustão incompleta e violenta concentrada em poucos dias do ano.

Protecção do eco-sistema pela não destruição de plantas nativas, algumas aromáticas e de espécies raras bem como de animais e aves.

Protecção da apicultura.

Aproximação das deliberações das decisões das Conferências Mundiais sobre Ambiente do Rio de Janeiro, Quioto e Buenos Aires.
ECONÓMICAS
Criação de uma área de desenvolvimento económico regional.

Criação de riqueza no valor de milhões de euros anualmente na área energética ao invés da actual situação em que se exporta esse valor.

Criação de possibilidade de entrarem na actividade económica as árvores que atinjam a maioridade já que não são queimadas pelos incêndios

Criação de centenas de postos de trabalho permanentes em região deprimida economicamente, alguns deles especializados.

FISCAIS
Obtenção de uma mais valia fiscal pela actuação de empresas na actividade económica.
SEGURANÇA
O aumento da produção energética endógena melhora a segurança nacional no caso de possíveis problemas de fornecimento internacional.

Protecção de populações do efeito dos incêndios.
POSSÍVEIS VIAS DE FINANCIAMENTO
Central Termoeléctrica: Financiamento até 40% a fundo perdido através do Programa MAPE [1] .

Empresas de Recolha de Biomassa: Financiamento até 50% a fundo perdido através do AGRIS [2] .

Sistema de Protecção de Fogos Florestais: Estruturas em que todas as Câmaras têm posição.

Os Proprietários poderiam participar com o pagamento de uma parte dos custos de trabalho.

Venda da estilha à Central a 30 €/t, com 15% de humidade.

Venda de electricidade à Rede Eléctrica a 0,11€/kWh

Possibilidade de a Central ser em Cogeração e, assim, vender também calor além da venda de energia eléctrica à rede

Hipótese de aproveitamento do calor em agricultura e agro-pecuária pois a região é de povoamento habitacional disperso e não há possibilidade de explorar a venda de calor doméstico.

Hipótese de desenvolvimento da piscicultura, floricultura e agricultura específica pelo aproveitamento do calor remanescente das Centrais de Queima.


[1] MAPE = Medida de Apoio ao Aproveitamento do Potencial Energético e Racionalização de Consumos.
[2] AGRIS = Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos Programas Operacionais Regionais.


António João Lopes, Engenheiro electrotécnico.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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