Aldeias do Xisto vistas pelos seus habitantes
240 fotografias de 10 aldeias numa exposição inédita
Participaram na iniciativa 61 pessoas com idades compreendidas entre os 11 e os 79 anos.
Uma exposição inédita para ver na Casa Grande da Barroca (Fundão), até 13 de Janeiro
A Torre da Paz, na Benfeita, é também conhecida por Torre de Santa Rita ou de Salazar e foi construída em 1944. Os seus sinos tocam apenas um dia por ano: a 7 de Maio, dia em que terminou a II Guerra Mundial, com a rendição da Alemanha, em 1945. Mas nesse dia tocam mil 620 vezes, simbolizando o número de dias que durou a guerra.
A imagem da Torre da Paz é uma das que compõem a exposição FotoXisto, patente desde dia 12 e até 13 de Janeiro, na Casa Grande da Barroca, Fundão.
É a mistura de sensibilidades e objectos que torna rica a mostra de fotografias sobre os costumes, vivências das Aldeias do Xisto, captadas pelos próprios habitantes. São 240 fotografias de dez das 23 Aldeias do Xisto: Fajão, Janeiro de Cima, Martim Branco, Foz do Cobrão, Gondramaz, Benfeita, Aigra Velha e Aigra Nova, Comareira, Cerdeira e Talasnal. “Questões orçamentais e de tempo” impediram a organização de abraçar as 23. A 13 de Janeiro, a exposição deixa a Barroca e inicia uma itinerância pelas restantes aldeias fotografadas no projecto.
A iniciativa promovida pela empresa Curso de Água, com sede em Janeiro de Cima, surgiu com uma candidatura ao plano de animação da Associação de Desenvolvimento Pinus Verde (que gere as Aldeias do Xisto). Segundo Manuela Margalha, coordenadora do projecto - em conjunto como seu marido, o fotógrafo João Margalha -, a ideia foi mostrar as Aldeias do Xisto através de quem melhor as conhece, os seus habitantes. “Trata-se também de envolver as pessoas de uma outra forma com o seu meio-ambiente”, esclarece. Os coordenadores do projecto distribuíram entre oito a dez máquinas digitais por habitantes seleccionados em cada aldeia, o que resultou nas 240 fotos presentes na exposição, escolhidas de um universo de mil e 400.
Segundo o presidente da Pinus Verde, Paulo Fernandes, o investimento no projecto rondou os dez mil euros. “Pretendemos mostrar uma nova face da marca Aldeias do Xisto, da Zona do Pinhal Interior, com uma actividade original: através de uma visão humana e espontânea, sem profissionais”.
“Experiência foi um sucesso”
Fotografias surpreendem profissional
“Fiquei surpreendido com muitas fotografias, tanto pelo objecto captado, como pelos enquadramentos e pela sensibilidade demonstrada”, confessa João Margalha, o fotógrafo que coordenou de perto o trabalho dos habitantes. Mesmo apesar de serem usadas máquinas compactas de baixa especificação, “não estava à espera de ver tantas fotografias e tão boas”. “Apenas foi explicado onde se ligam e desligam as máquinas e onde se deve carregar para tirar as fotografias”, recorda.
As fotografias expostas não são assinadas. “Não queremos que ninguém fique triste por não ter nenhuma das suas fotografias exposta”, explica a coordenadora Manuela Margalha. Mas segundo João Margalha, “a maioria dos participantes têm aqui fotografias”.
Casal aposta em Janeiro de Cima
Para além de sedearem a empresa Curso de Água em Janeiro de Cima, Manuela Margalha e João Margalha, de 33 e 40 anos, respectivamente, são também proprietários de uma casa de turismo rural na localidade, a Casa de Janeiro. A decisão de apostar na aldeia deve-se às raízes de Manuela Margalha, pois é a terra que a viu nascer e crescer. Os dias úteis da semana são passados em Aveiro.
Habitantes falam da experiência
Os testemunhos
Álvaro Dias tem 57 anos e é padeiro há 20, em Janeiro de Cima, terra que o viu nascer e também partir, primeiro para Angola e depois para a Suíça. Actualmente, concilia a arte de fazer pão com a presidência da Junta. Foi com surpresa que verificou ter quatro imagens suas em exposição na FotoXisto. “Não esperava, porque até acho que sou fracote nisto da fotografia”, descreve, a sorrir. Nunca antes tinha participado numa iniciativa deste género e nem tal lhe passava pela cabeça, até surgir o convite dos coordenadores. “Eu tirava fotografias lá em casa, para a família, mas agora até gosto e acho que me vou dedicar a tirar mais”. Para Álvaro Dias, “é importante que estas acções sejam feitas para dinamizar as localidades, porque ficamos a conhecer outras terras que não conhecemos e nos desperta o interesse”.
RECORDAÇÕES
António Silva tem 70 anos e reside em Janeiro de Cima. Viveu na aldeia até aos 12 anos, altura em que foi estudar para Castelo Branco. Alguns anos mais tarde, emigrou para Angola, sendo depois obrigado a partir devido à guerra civil. Depois de alguns anos na Suíça, retornou a Portugal, para se instalar em Castelo Branco. A Janeiro de Cima voltou para “gozar os tempos de reforma” e para não mais partir. As fotografias que tirou reflectem histórias de outrora da sua aldeia e que contrastam com a actualidade. Casas tradicionais actualmente recuperadas e que mantêm a sua arquitectura original, assim como recantos e travessas, são a maioria dos alvos da sua objectiva. Outro dos exemplos que narra, ao Diário XXI, ao pormenor, é a fotografia da zona da hidroeléctrica de Janeiro de Cima. “Dantes, esta zona ficava completamente inundada e todos os habitantes iam ver «deitar a barca». Era um espectáculo: as pessoas tinham de passar o rio de barca para irem cuidar dos animais e dos moinhos, na outra margem”, conta. Conforme recorda, “as pessoas que precisavam passar o rio, pagavam aos barqueiros em géneros, como milho ou azeite, e essa avença era recolhida de porta em porta”.Sobre a iniciativa, considera tratar-se de “algo inédito e muito interessante”, porque “nos faz querer visitar as aldeias que não conhecemos”. António silva ficou curioso com a freguesia de Foz do Cobrão, pelas tradições dos garimpeiros. “Esta não conheço e gostava de ver como se procurava o ouro”, afirma expectante.
Liliana Machadinha - Diário XXI
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