Formar profissionais capazes de criar situações de aprendizagem deveria ser o eixo central da maior parte dos programas de formação inicial e continuada dos professores da pré-escola à universidade. Tal visão porém ainda está muito longe do verdadeiro sentido que se deve dar ao termo tornar-se professor.
Uma série de estudos sociológicos demonstram uma clara evolução das profissões: enfermeiros, assistentes sociais, jornalistas e ... professores. Assim, frente aos inúmeros desafios da transformação necessária dos sistemas educacionais o papel do professor deve evoluir de mero executante para o de profissional.
O presente artigo procura refletir um pouco estas transformações necessárias a partir de minha experiência individual e particular como docente. A intenção é desvelar qual é o papel do professor em sala de aula, comprometido com a ação educativa.
sultados exatamente como os esperados. Percebi então, a complexidade do ser professor, do estar em sala de aula e o tamanho da responsabilidade que colocam em nossos ombros. Diante destas constatações, surgiram algumas questões: qual é o papel do professor na ação educativa? E, como deve ser (formado) esse professor?
São questões difíceis de serem respondidas. Principalmente, porque em educação não existem receitas e/ou fórmulas mágicas. Porém, cabe aqui uma reflexão mais profunda sobre estas questões.
Em busca do entendimento de alguns conceitos importantes
Antes de partir para uma reflexão mais profunda, é preciso entender o termo educação. Para Libâneo deve-se reconhecer
`` no conceito de educação a idéia de que o acontecer educativo corresponde à ação e ao resultado de um processo de formação dos sujeitos ao longo das idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem capacidades e qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas por determinado contexto social ``(1998, p.65).
A partir disso, é possível vislumbrar uma série de definições para o conceito de educação e quase todas são unânimes num aspecto importante: a educação é vista como um processo de desenvolvimento que se dá num `continuum'.
O problema reside nas formas como cada uma dessas concepções encara o processo. As visões atualmente em voga - e que permeiam o sistema educativo institucionalizado - tendem a conceber a educação não como algo que possa surgir da relação HOMEM X MUNDO, mas trabalham a educação como um produto, onde é necessário lidar com competências e planificações capazes de levar a um resultado previamente sabido e calculado.
Esta visão é claramente perceptível nas novas diretrizes curriculares dos cursos superiores de Comunicação Social. Homologadas meio na surdina em abril de 2001, tais diretrizes privilegiam a formação técnica e consideram as práticas que exijam reflexão, planejamento e pesquisa como entraves à formação de um profissional voltado para o mercado.
Assim, se entendemos que a prática educativa tende a ser vista como um produto, como o final de um processo elaborado e organizado, com um fim estabelecido onde o aluno deve chegar enquanto fruto de competências trabalhadas, poderemos partir para um outro ponto de reflexão: a própria profissão docente, uma vez que , segundo Sacristán (In Nóvoa: 1995), o discurso pedagógico dominante hiper-responsabiliza os professores em relação à prática pedagógica e à qualidade de ensino. Embora isso apenas reflita a realidade de um sistema centrado na figura do professor como condutor visível da ação educativa.
Reflete também como a sociedade atual afeta a escola, transferindo a esta e, principalmente, aos professores, um número cada vez maior de funções, às quais muitas vezes não estão preparados e/ou não possuem a competência necessária para exercê-las e, muitas vezes, são funções não relacionadas diretamente com a nossa profissão. É preciso ter clareza das funções do professor para não sujeitar-se à desprofissionalização. E isso tende a ser um problema quando não se foi preparado para ser professor, como é o caso específico dos profissionais que se tornam professores nos cursos de Comunicação Social, em suas diferentes habilitações.
Ampliando a idéia de prática educativa
Ensinar é uma prática social ou, como Freire (1974) imaginava, uma ação cultural, pois se concretiza na interação entre professores e alunos, refletindo a cultura e o contextos sociais a que pertencem.
Assim, não se pode reduzir o conceito da prática educativa às ações de responsabilidade do professor e que, normalmente, ocorrem em sala de aula. O ato de educar, a ação educativa, transcende às ações dos professores e extrapola os limites físicos da sala de aula. Sacristán (1995) procura definir melhor esta visão a partir da análise das ``práticas aninhadas''.
Tal análise é esclarecedora na medida em que sistematiza a real dimensão da prática educativa e delimita como cada parte deste sistema afeta a prática em sala de aula - ação do professor. Podemos observar, nesse esquema:
a) a existência de uma prática de caráter antropológico, anterior e paralela à escola;
b) as práticas institucionais desenvolvendo-se nesse ambiente cultural onde a escola se inscreve;
c) existência de práticas concorrentes que, embora não sejam da esfera pedagógica, afetam de forma marcante a ação educativa.
Pensar numa prática de caráter antropológico é interessante pois, embora a prática educativa seja anterior à formalização do conhecimento, alguns especialistas, ao refletirem sobre a relação prática X conhecimento, simplesmente ignoram tal fato.
É preciso perceber a existência de uma cultura - sobreposta ao pedagógico e influenciando diretamente na prática pedagógica. Esta cultura será mais importante, do que a própria formação técnica, para o entendimento correto desta prática. Bourdieu define essa cultura como um habitus, ou:
``como um conjunto de esquemas que permite engendrar uma infinidade de práticas adaptadas a situações sempre renovadas sem nunca se constituir em princípios explícitos'' (BOURDIEU In PERRENOUD, 1997, p.39)
ou um
``sistema de disposições duradouras e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona, em cada momento, como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações, e torna possível a concretização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma natureza''. (p.40)
Isto é, embora se deixe de lado tal discussão, não podemos perder de vista a pluralidade de indivíduos presentes na sala de aula. Cada aluno é um sujeito diferente e o professor também é um sujeito muito específico que, embora tenha freqüentado um curso de formação, possui uma base antropológica (cultural) que poderá afetar o seu desempenho.
Ampliando a discussão iniciada com Sacristán (1995), se pensarmos melhor sobre as chamadas ``práticas institucionalizadas'', poderemos concluir que os professores possuem uma autonomia relativa na medida em que dependem de coordenadas político - administrativas reguladoras tanto do sistema educativo, como da própria escola. Isso derruba velhas idéias que definem a profissão professor como algo carismático e idílico e, em alguns casos, como uma ``tabula rasa'' que será organizada e construída conforme a performance pessoal de cada um - como se o resultado e o sucesso na carreira docente dependesse de uma predisposição à profissão.
Ser professor
Ser professor significa tomar decisões pessoais e individuais constantes, porém sempre reguladas por normas coletivas, as quais são elaboradas por outros profissionais ou regulamentos institucionais.
E, embora se exija dos professores uma capacidade criativa e de tomada de decisões, boa parte dessa energia acaba por ser direcionada na busca de solução de problemas de adequação com as normas estabelecidas exteriormente.
Voltando às nossas questões iniciais, podemos deduzir que, embora o docente não possa definir a ação educativa (enquanto construção autônoma), há a possibilidade da refletir sobre o papel que ocupa neste processo. Mas, sozinho não é capaz de afetá-lo.
Dessa, forma, uma de nossas maiores angústias, pode ser respondida quando se entende a competência docente como algo não traduzível por técnicas ou habilidades. O professor não é um técnico. Assim como ser jornalista não é ser técnico. É ser antes de tudo um sujeito integrado com o mundo e sabedor de seu papel social.
Ser professor significa, antes de tudo, ser um sujeito capaz de utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para desenvolver-se em contextos pedagógicos práticos preexistentes. Isso nos leva à visão do professor como um intelectual, o que implicará em maior abertura para se discutir as ações educativas. Além disso envolve a discussão e elaboração de novos processos de formação, inclusive de se estabelecerem novas habilidades e saberes para esse novo profissional.
Ao atuar como professor o jornalista também estaria desenvolvendo a ampliação dos conceitos e sentidos dados à profissão, vista até aqui como um saber eminentemente técnico.
Entretanto, cabe aqui uma ressalva para não incorrermos num erro. Se entendemos que o professor não é um técnico, isto é, que os atuais processos de formação de professores pecam por darem ênfase exagerada aos processos técnico-metodológicos, não estamos dizendo que a prática educativa pode vir a ser construída apenas a partir da experiência. Pelo contrário, embora não se possa estabelecer uma supremacia da teoria sobre a prática ou vice-versa, tanto uma como outra são de extrema importância para o processo de ensino.
O processo deve sempre ser pensado como um processo de: ação - reflexão - ação. Não podemos imaginar uma ação educativa criada puramente a partir da experiência, muito menos como a mera tradução do saber científico. Sacristán (1995) fala, se possível, de um ensino encarado como resultado de um empenhamento moral e ético, onde o professor e o aluno saibam exatamente quais são seus papéis e, o primeiro, tenha consciência de seu inevitável poder.
Retomando a idéia do professor intelectual talvez o maior desafio seja transformar os atuais cursos de comunicação na tentativa da construção de um profissional mais completo. Tais cursos preparam os alunos para algo idealizado onde, todos as metodologias são possíveis e positivas, o processo de aprendizagem dá-se sempre de forma linear e inteligente, todas as escolas possuem boas instalações e equipamentos.
Prepara-se para uma escola ideal, mas muito longe do ``mundo real'' onde quase nunca as condições mais básicas para a ação educativa estão presentes. `` A formação do professor se faz, ainda hoje, com base em estudos e modelos do passado baseados numa realidade ideal que nunca se concretizou'' (RIBAS, 2000, p. 35).
Formação docente e profissionalização
Perrenoud (1997) traz à tona uma nova questão, intimamente ligada às outras aqui colocadas: será que os professores não são ``profissionais'' no sentido correto do termo? Se dissermos não, poderemos levar à idéia de que, atualmente, os professores são amadores, que ora podem ser benevolentes demais, ora são cruéis e sem medidas corretas de avaliação e cobrança. E isso não é verdade.
Quando falamos de profissionalização devemos ter em mente a busca da ampliação deste conceito e isso pressupõe que, na profissão professor, se pensa numa substituição de regras e técnicas preestabelecidas por estratégias orientadas, mais objetivas e por uma ética - ou empenhamento moral.
O conhecimento já não pode mais ser considerado como fragmentado, estático - passível de ser sempre controlado por regras imutáveis e predeterminadas - mas deve ser (re)pensado como um processo em construção. Diante da imensa e incessante evolução técnico-científica, o conhecimento e a forma como o tratamos deve mudar.
Houve uma quebra de paradigma no momento em que começamos a perceber que a ciência não está baseada em verdade imutáveis. Como o processo é constante, sempre há a possibilidade da contradição e o surgimento de novas descobertas. O atual sistema de formação de professores não acompanha nem dá conta desta nova realidade.
Perrenoud (1997)) afirma não ser preciso ir muito longe na busca de uma solução para esta nova etapa de profissionalização. Quando olhamos para os níveis do percurso escolar, podemos observar que, no ensino fundamental, os professores, em sua maioria, não ficam mais presos à aplicação de metodologias, com uso de técnicas e truques, mas buscam a construção de processos didáticos orientados globalmente porém adaptados à diversidade dos alunos, ao seu nível e às condições materiais e morais do trabalho.
Entretanto, quanto mais nos aproximamos dos graus superiores da escolarização menos qualificação pedagógica os professores possuem, embora se exija destes maior conhecimento acadêmico - domínio dos saberes científicos. Isto significa que estes inventam suas próprias práticas. O problema é, a partir de qual qualificação didática?
Isso reflete negativamente na ação educativa, pois a grande maioria dos professores desse nível, não possui experiências pessoais do ensino numa sala de aula. Aí, fazem o que é mais comum, vivem de velhas recordações - como o professor do começo desse texto que se espelhava nos velhos mestres... Mesmo os docentes que passam por cursos de formação, acabam, de certa forma, sendo atingidos por esse efeito, pois em algum momento terão professores que não o foram na prática.
Uma atividade não se profissionaliza além de um certo limite, muitas vezes porque há um certo comodismo com a situação de desigualdade. Para ele, a educação hoje funciona assim. Há um conformismo generalizado com o fato de que parte da sociedade passará pela escola sem uma formação adequada, muitas vezes sem o mínimo necessário.
Numa idéia próxima às abordagens socioculturais, vê-se na sociedade atual uma cumplicidade com a manutenção do status quo, o qual leva a maioria a permanecer à margem do poder e da superação de suas realidades.
Para Perrenoud (1997) a profissionalização só será um progresso quando, do ponto de vista social, o aumento do nível de instrução geral se tornar prioritário, numa tentativa de acelerar uma evolução global da sociedade.
A escola não pode permanecer na forma que se apresenta hoje. É preciso repensar a formação do professor, sempre imaginado um processo de formação ampla e continuada. Porém, esta não deve ser baseada em pequenos treinamentos ou períodos de reciclagem, mas efetivamente contínua, sem prejudicar o trabalho com os alunos e gerando resultados positivos e diretos na prática dos professores.
É necessário a adoção de uma postura mais ``realista e inovadora''. Onde, se possível, deve-se pensar um processo de formação de profissionais capaz de garantir um conhecimento mais crítico, uma visão mais ampla dos códigos e elementos culturais, bem como uma melhoria da percepção do espaço visual e corporal dos sujeitos e um domínio amplo de metodologias mais apropriadas para lidar com a diversidade, bem como uma capacidade de maior diferenciação das intervenções e de gestão.
Além disso, esse processo deve habilitar o professor a, de forma autônoma, utilizar-se dos instrumentos e práticas de avaliação formativa e, por fim, que este professor tenha a capacidade do diálogo, em qualquer nível.
A formação deve também garantir a própria ação educativa, (re)construindo-a a partir das reais necessidades do grupo, considerando que, embora se deseje trabalhar todos os conteúdos estabelecidos e se busque lançar mão das mais modernas e criativas tecnologias educativas, um professor não consegue dar conta do todo preestabelecido.
Nessa formação tem que ficar claro que relação de ensino é uma relação do âmbito do desejo. Ela deve, necessariamente, ser entremeada por jogos de sedução e manipulações. É preciso provocar o desejo no outro. O aluno deve ser visto como um sujeito de corpo inteiro, que tem sua identidade, sua cultura, necessidades e interesses e a classe é um lugar de grande diversidade e pluralismo. Não podemos olhar para um grupo de alunos como se todos fossem exatamente iguais. Exemplos claros podem ser vistos nos cursos de Comunicação Social, em disciplinas do chamado núcleo comum, como Fotografia - a minha área de docência - cujo programa deve ser adaptado a cada uma das habilitações existentes. Além disso, temos alunos de diferentes origens sociais, culturais e econômicas o que nos dá classes com uma heterogeneidade de habitus e diretamente influenciando o processo de aprendizagem.
Deve-se ressaltar ainda que a ação educativa é complexa e, mesmo que se faça necessário um planejamento prévio das ações, o tempo real é diferente. Embora nós desejássemos alunos criativos, cooperativos e ativos, eles não são sempre assim. Na sala de aula veremos conflitos, alunos aborrecidos e cheios de mecanismos de fuga e de defesa.
O processo de formação de um professor intelectual pode ser organizado a partir da participação em grupos de debates e sessões de leitura. Mesmo não gostando de receitas ou modelos, Perrenoud (2001) imagina que o processo de formação poderia ser construído com base em ``paradigmas elucidativos''.
Estes paradigmas seriam estabelecidos a partir das teorias de comunicação; de referências psicanalíticas e orientação psicossociológica ( dinâmicas de grupos, liderança, redes de comunicação, atitudes); noções profundas de antropologia social e cultural; formação sobre os objetivos pedagógicos e avaliativos; elementos de sociologia da educação; e, por fim com uma reflexão epistemológica e didática sobre as aprendizagens e o ensino em comunicação.
Isso nos leva em direção ao modelo do
``professor profissional ou reflexivo onde a dialética entre teoria e prática é substituída por um ir e vir entre PRÁTICA - TEORIA - PRÁTICA. O professor torna-se um profissional reflexivo, capaz de analisar as suas próprias práticas, de resolver problemas, de inventar estratégias. Sua formação apóia-se nas contribuições dos praticantes e dos pesquisadores, ela visa a desenvolver no professor uma abordagem das situações vividas do tipo AÇÃO - CONHECIMENTO - PROBLEMA, utilizando conjuntamente prática e teoria para construir no professor capacidades de análise de suas práticas e de metacognição.'' (ALTET In PERRENOUD, 2001, p. 26)
Outros modelos poderiam ser sugeridos, mas o que talvez seja mais evidente é pensar este processo de formação como a possibilidade de uma reflexão consciente sobre a ação educativa.
Considerações Finais
O ensino (ação educativa) não deve ser colocado como algo apenas da esfera da escola (enquanto instituição organizada e voltada para a educação). O processo de ensino permeia todos os níveis de nossas vidas e da sociedade e, ao olharmos para qual é o papel do professor em sala de aula, devemos ter em mente não mais a idéia de formação de sujeitos aptos a atenderem às exigências do mercado - como mão-de-obra especializada e/ou consumidor.
Significa perceber o processo de ensino com um processo de construção - através da ação reflexiva - de um sujeito completo, um homem consciente de seu papel social, mais tolerante e respeitador das diferenças, que sabe coexistir... e que traz em si a consciência transitiva (Paulo Freire) da superação, da mudança e do agir.
Como Paulo Freire dizia, temos que nos lembrar que toda ação educativa deve ser feita no sentido de levar o homem a refletir sobre seu papel no mundo e assim, ser capaz de mudar este mundo e a si próprio.
"Reflexões sobre o ser professor: a construção de um professor intelectual"
Jorge Carlos Felz Ferreira - Especialista em Comunicação - PUCSP, mestrando em Comunicação Social pela UMESP. Jornalista e fotógrafo, foi Coordenador do Curso de comunicação da FAESA (ES), onde trabalha desde 1996.
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