MÁRIO NOGUEIRA
«Ministério está a ameaçar qualidade da escola pública»
O coordenador do Sindicato de Professores da Região Centro (SPRC) acusa o secretário de Estado da Educação de falta de cultura democrática e de não saber lidar com as organizações sindicais. Mário Nogueira considera que as políticas da actual equipa do Ministério “ameaçam a qualidade da escola pública” e que o Governo está “a atacar tudo o que mexe no Interior”
JORNAL DO FUNDÃO – Que comentário lhe merecem as críticas feitas pelo secretário de Estado da Educação em entrevista ao JF?
MÁRIO NOGUEIRA – Faz parte da índole daquele senhor secretário de Estado, e que, aliás, é visível nas relações que tem com parceiros educativos e organizações sindicais, lidar mal com as regras da democracia. Para se ser membro de um governo num país democrático, como o nosso, tem que se saber funcionar em democracia e ele tem essa dificuldade. É natural que ache que os sindicatos estão a mais, quando criticam o que ele faz. Em relação a esse secretário de Estado, há, aliás, uma coisa que é consensual. Todos têm má opinião sobre esse secretário de Estado, mas um dia destes ele sai e a Educação ficará melhor do que tem estado com ele. Com aquilo que está a fazer, esta equipa ministerial está condenada ao fracasso e ficará numa das páginas mais negras da história da Educação em Portugal.
Mas não faltam vozes a acusar os sindicatos de funcionarem como travão à mudança....
Nós somos de facto contrários às mudanças quando elas são para pior. São necessárias mudanças, temos inclusivamente várias propostas concretas mas que têm sido completamente ignoradas pelo Ministério da Educação. Não estamos contra as aulas de substituição, nem contra as actividades de enriquecimento curricular. Estamos sim contra a forma como elas foram implementadas. As escolas têm que ter competência para se organizarem.
A ministra tem dito publicamente que devem ser as escolas a organizar-se nessa matéria....
Um Ministério da Educação que se acha no direito de fazer um despacho a dizer qual é o tamanho dos cacifos que as escolas devem ter reconhece qualquer autonomia às escolas? Nesta questão da substituição de professores, o Ministério limitou-se a criar nas escolas uma espécie de piquete como existem nos serviços de água, de electricidade e dos telefones. Os professores têm a sua componente lectiva e uma outra não lectiva para trabalho no estabelecimento, algumas delas para substituição.
Qual é a opinião do sindicato sobre as aulas de substituição?
Não somos contra as aulas de substituição. Defendemos é que deve respeitar-se o que a lei dizia, como acontecia aliás, nalgumas escolas. Quando os professores precisam de faltar devem comunicar às escolas até à véspera para a escola se organizar e a substituição ser feita preferencialmente por alguém do grupo disciplinar ou da turma. A substituição deve ser considerada serviço lectivo. A lei dizia que as substituições são serviço extraordinário, como alías acontece noutros países da Europa, mas o Ministério tentou fazer crer que é uma responsabilidade dos professores para não pagar esse serviço.
Além das três sentenças que deram aos professores, há outros processos em apreciação nos tribunais?
Neste momento haverá 30 a 40 processos em tribunal e bastam mais duas sentenças positivas para que, a partir daí, todos os professores, poderem reclamar à sua escola, no espaço de um ano, o pagamento desse serviço.
Se os tribunais vierem a dar razão aos professores em relação às aulas de substituição que verba poderá estar em causa a nível nacional?
Penso que serão alguns milhões de euros. Na entrevista ao JF, o secretário de Estado desvaloriza esta questão e os próprios tribunais, porque tirando aquilo que ele faz todo o resto não vale, esquecendo-se que se houver mais duas sentenças no mesmo sentido, milhares e milhares de professores reclamarão o pagamento de trabalho extraordinário desde Setembro de 2005 até 19 de Janeiro de 2007.
Como justifica o facto de tão poucas escolas terem avançado com aulas de substituição antes de toda esta polémica?
Não basta haver profesores é preciso também haver condições para o efeito. E da parte de outras equipas do Ministério da Educação nunca houve a preocupação de que funcionassem.
Mas a actual teve essa preocupação e o resultado foi o que se viu...
As aulas de substituição não devem funcionar ao arrepio das leis e de qualquer forma. Nos períodos das aulas de substituição a indisciplina dos alunos aumenta de uma forma brutal. A forma como tudo isto foi organizado não teve em conta as dinâmicas de trabalho nas escolas. Um dos problemas desta equipa ministerial é não ter menhum educador de infância, nem um professor do ensino básico ou secundário. Tem três professores do ensino superior, entre os quais a ministra que é investigadora, mas falta quem conheça, de facto, as escolas.
O Sindicato não reconhece valor a nenhuma das medidas da actual equipa do Ministério da Educação?
Reconhecemos a bondade de algumas ideias e intenções, mas como a equipa ministerial desconhece as escolas, não têm depois aplicação na maoria dos casos. A abertura de novos cursos tecnológicos nas escolas no âmbito do programa Novas Oportunidades é uma mudança positiva mas não foi feita por esta equipa ministerial. É uma medida do governo de Durão Barroso. É positiva, mas subsiste um problema. Utilizam-se esses cursos para combater o insucesso escolar e evitar o abandono. Esses cursos são olhados como uma coisa desvalorizada. Somos a favor destes cursos mas em circunstâncias de igualdade. Hoje há alunos que não vão para estes cursos técnicos porque são encarados como uma coisa de segunda.
As relações das organizações sindicais com a actual equipa do Ministério da Educação são mais difíceis do que com as anteriores?
Esta equipa ministerial não respeita os professores nem aqueles que os representam. O sr. secretário de Estado diz que o Sindicato de Professores da Região Centro anda há 30 anos a dizer mal dos ministérios. Entre, outras ignorâncias, desconhece que temos 24 anos de vida, confundindo-nos com outra qualquer entidade, provavelmente com algum partido de extrema direita por onde andou. Ao contrário do que ele diz, muitos contributos temos dado para outras equipas ministeriais.
Quer falar de algum deles?
Por exemplo a anterior revisão do estatuto da carreira docente, em 98, uma matéria extremamente sensível, terminou com um acordo negocial entre a equipa ministerial e a FENPROF, o que é uma impossibilidade com a actual equipa. Havia uma relação de respeito.
E agora não há?
Não. A lei diz, por exemplo, que o calendário e metodologia das negociações devem ser acordada entre as partes, mas este Ministério limita-se a chamar os sindicatos. É a primeira ilegalidade, mas há mais. Não respeita os prazos para entrega de documentos para as reuniões. Numa reunião sobre o processo de revisão chegou ao ponto de querer discutir documentos que só nos pretendia facultar à saída. Claro que não aceitámos e essa reunião não se realizou. Há uma postura, completamente, anti-democrática.
Como decorreu a negociação do processo de revisão do estatuto?
Se pegarmos naquilo que era o primeiro documento do Ministério da Educação em sede de revisão de estatuto e no decreto lei que saiu a 19 de Janeiro, verificamos que retiraram apenas aquilo que a lei não permitia que lá estivesse, como penalizar mães por licença de maternidade e penalizar professores por lhes morrer um familiar directo. O Ministério não abre mão das suas propostas em nada. Não flexibiliza, ameaça e chantageia. Enquanto em Espanha e França se desenvolvem campanhas de valorização dos professores, em Portugal fazem-se campanhas injuriosas contra os professores e a que não são alheios fenómenos de indisciplina e violência acrescidos nas escolas.
Quais foram até agora os momentos mais difíceis?
Esta equipa declarou guerra aos professores.E os professores sentem-se enxovalhados, ofendidos, não reconhecidos. Um dos momentos mais difíceis foi o processo de negociação do estatuto e em que, pela primeira vez, foi possível unir 14 organizações sindicais tão diversas (Plataforma Sindical dos Professores). Chegámos a ser ameaçados de ser chutados para fora da carreira. Isto não é forma de negociar e só acontece nas ditaduras e em regimes democráticos em que o poder tem maioria absoluta e confunde isso com o quero, posso e mando. É a arrogância absoluta. Quem leu a entrevista do secretário de Estado percebe que, para ele, apenas existe ele e mais ninguém. Nem professores, nem sindicatos, nem políticos. Nada. À volta dele é um deserto. Provavelmente no Ministério da Educação é assim... mas como está num regime democrático tem que ter um relacionamento com as organizações sindicais.
O que é que é necessário fazer para a Educação ter melhores resultados?
Não é verdade que Portugal invista na educação o mesmo que os restantes parceiros. Em Portugal a Educação já representou cerca de 6% do PIB, mas actualmente representa menos de 4%. Este ano o governo baixou em 4,5% o Orçamento para a Educação e boa parte (343 milhões de euros) dessa quebra foi em salários na Educação. É preciso investir na Educação, reordenar a rede com base nas necessidades, intervir ao nível dos currículos, adaptar medidas de inclusão e apostar na formação e actualização de professores.
No campo da formação de professores, quais são os maiores problemas?
A formação de professores em Portugal está nas horas da morte. São necessárias mudanças profundas. É preciso fiscalizar e exigir que algumas instituições elevem o nível e a qualidade que promovem na formação inicial. O diagnóstico está feito mas falta a coragem política para enfrentar a realidade e propor medidas às instituições que promovem essa formação. Optou--se por criar um exame para os jovens que acabam de ingressar na profissão e não é aceitável. Se a formação é má é preciso acabar com aquilo que é negativo.
Que alternativa o SPRC propõe para as actividades de enriquecimento curricular?
Somos favoráveis a essas actividades, mas não concordamos que se chame actividades de enriquecimento curricular a actividades que decorrem num horário que deve ser de ocupação de tempos livres. Na entrevista ao JF, o secretário de Estado da Educação disse que há quatro anos atrás, cerca de 300 mil alunos ficavam sem fazer nada depois das aulas e que actualmente estão a aprender graças aos prolongamentos, mas a verdade é que, qualquer dia, as nossas crianças não têm tempo para brincar.
Relativamente à língua estrangeira e como é uma actividade facultativa, há alunos que têm e outros que não, o que gerará desigualdades e dificuldades no segundo ciclo.
As divergências resultam então da forma como as medidas são aplicadas?
Faz-se sempre a opção pelo mais desqualificado, pelo mais barato e não se têm em conta as pessoas. Temos propostas, mas se as apresentamos fazem logo o contrário porque não têm capacidade prática para ouvir ninguém. O conhecimento do sistema não existe apenas nos governantes, que por vezes são bem alheios àquilo que se passa.
No caso das actividades de enriquecimento curricular o que é deveria ser feito?
Quem pode enriquecer o currículo é o professor responsável pela gestão desse currículo mas o que acontece na maioria dos casos são professores contratados pelas autarquias ou por empresas particulares e que nem têm contacto com os restantes professores. A componente de apoio às famílias é fundamental. É a chamada resposta social, que a escola não dá. O Ministério da Educação, se quisesse, tinha um excelente exemplo para ir buscar à educação pré-escolar, onde já existe desde 1998 e foi criada por um governo socialista. Permite que os jardins de infância tenham prolongamento. Temos denunciado à Inspecção-Geral de Trabalho e das Finanças a exploração brutal e desenfreada de professores contratados a quatro, cinco ou seis euros por hora para as actividades de enriquecimento curricular. Claro que tudo isto só possível num país com 40 mil professores desempregados.
Quantos estão desempregados na Região Centro?
Entre oito e dez mil.
O secretário de Estado da Educação responsabiliza também os sindicatos pelos maus resultados da educação em Portugal...
O Sindicao de Professores da Região Centro denuncia os problemas mas sempre que faz uma crítica apresenta uma proposta. Por isso é que somos um sindicato que recebe cartas de reconhecimento e pedidos de apoio da Unesco, da Organização Internacional do Trabalho, da Inspecção- -Geral de Educação, da Assembleia da República, do presidente da Comissão de Educação, António José Seguro. Enviamos as nossas propostas para a comissão de educação e posso dizer-lhe que algumas delas têm tido grande aceitação.
Como é que o SPRC encara o anunciado encerramento de mais 900 escolas no país, no próximo ano lectivo?
Nós não somos contra o encerramento de escolas, mas o encerramento de uma escola implica questões relacionadas com as condições de acolhimento, de transporte, etc. Diz-se que as escolas abaixo de dez alunos são para fechar, mas é preciso justificar o motivo por que encerram. E no terreno quem conhece a realidade são as autarquias. Pediu-se às câmara para elaborarem as cartas educativas, mas depois não se respeitam e passa-se por cima do que está previsto.
Que importância têm as Cartas Educativas?
Depois de aprovadas, homologadas e publicadas têm o peso de um Plano Director Municipal e têm que ser respeitadas. Não se percebe portanto como é que um Ministério da Educação decide encerrar escolas que não estavam previstas. Há problemas gravíssimos de falta de condições. Há transportes de nove lugares que levam 13 e 14 crianças. Há táxis que só podem levar três meninos, mas levam sete e oito. E todas estas situações aconteceram no ano em que o governo aprovou legislação sobre as novas regras de transportes escolares. Isto é uma vergonha. Há meninos que comem em espaços que eram currais de animais. A escola deve ser também um espaço de construção do ser humano, um espaço de civilidade e de cidadania.
Na Região Centro, quantas escolas fecharam as portas nos últimos anos?
Só nos últimos dois anos, fecharam 48% dos estabelecimentos de ensino do primeiro ciclo. E das 900 que estão para fechar no próximo ano lectivo, 600 são na Região Centro. Em apenas dois anos fecharam 1100 escolas, num parque escolar com 2.200. Estão a encerrar escolas, como estão a encerrar maternidades, postos de polícia. O Governo está a atacar tudo o que mexe no Interior.
Quantos postos de trabalho foram extintos com o encerramento dessas escolas?
Muitos. O encerramento de escolas não tem a ver com a melhoria da resposta, mas com razões meramente economicistas. A construção de uma sociedade mais justa e igual começa na escola, mas até nisso este Ministério e em particular este secretário de Estado da Educação têm sido responsáveis por contrariarem a construção dessa escola inclusiva.
Porquê?
Basta ver o que está a acontecer com a educação especial, com o corte de milhares de apoios aos alunos. Ao pretender sinalizar as crianças que terão direito a apoio com base numa classificação médica, deixará de fora milhares de crianças, que para poderem aprender em igualdade de circunstâncias com as outras teriam de ter apoio. Também nisto o Ministério da Educação está a tomar medidas que terão consequências muito negativas no futuro da sociedade em Portugal.
Mas há associações de pais que elogiam a coragem desta equipa...
Quando se tem pela frente um precipício e se continua a avançar é preciso, de facto, ter coragem... Este Ministério da Educação já conseguiu a maior manifestação de professores alguma vez realizada em Portugal, dois dias de greve com elevada adesão, o maior abaixo assinado de sempre com 65 mil assinaturas. As reuniões de sindicato estão a ter níveis de participação como nunca, apesar de este secretário de Estado ter feito um despacho a proibir os professores de participar em reuniões sindicais fora dos seus locais de trabalho, despacho esse que acabou por ser suspenso pelo Tribunal Administrativo de Lisboa.
Que acções estão programadas?
É natural que muito em breve tenhamos acções específicas no âmbito dos professores até porque a FENPROF tem o seu congresso marcado para Abril. Dia 2 de Março, participaremos com 600 professores da Região Centro na grande manifestação que a CGTP promove em Lisboa. Para os sindicatos os problemas não se resumem às questões corporativas, temos a preocupação de defender uma escola pública de qualidade e para todos.
Acha que a escola pública está a ser ameaçada?
Aquilo que estão a fazer aos professores, à educação especial é pôr em causa a escola pública. Aquilo que estão a fazer com o encerramento de escolas no interior é uma questão de política geral porque estão a encerrar escolas como estão a encerrar centros de saúde, maternidades, postos de polícia, os postos dos correios e agora até se ameaça encerrar algumas freguesias.
O interior precisa é de meios para que se possa desenvolver e um dos meios fundamentais para o desenvolvimento é a escola pública, com qualidade, com professores bem formados e valorizados. Este governo, este Ministério e este secretário de Estado da Educação estão precisamente a fazer o contrário. Estão a destruir a escola pública de qualidade e a contribuir para a destruição do Interior.
Jornal do Fundão, Secção Entrevista, edição on-line paga C/data de 22/02/07
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