"Tal como Marx já havia enunciado, toda práxis social é, de uma certa maneira, um trabalho cujo processo de realização desencadeia uma transformação real do trabalhador. Trabalhar não é exclusivamente transformar um objeto ou situação em uma outra coisa, é também transformar a si mesmo em e pelo trabalho (Dubar 1992, 1994). Em termos sociológicos, pode-se dizer que o trabalho modifica a identidade do trabalhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo. Como lembra Schwartz (1997, p. 7), a experiência viva do trabalho ocasiona sempre "um `drama do uso de si mesmo', uma problemática negociação entre o uso de si por si mesmo e o uso de si pelo(s) outro(s)". Se uma pessoa ensina durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua existência é caracterizada por sua atuação profissional. Em suma, com o passar do tempo, ela tornou-se ¾ aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros ¾ um professor, com sua cultura, seu éthos, suas idéias, suas funções, seus interesses etc.Ora, se o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modifica também, sempre com o passar do tempo, o seu "saber trabalhar". De fato, em toda ocupação, o tempo surge como um fator importante para compreender os saberes dos trabalhadores, na medida em que trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho: "a vida é breve, a arte é longa", diz o provérbio. Em certos ofícios tradicionais (por exemplo, os ofícios ligados à terra e ao mar: agricultura, salicultura, pesca etc.), o tempo de aprendizagem do trabalho confunde-se muitas vezes com o tempo da vida: o trabalho é aprendido pela imersão no ambiente familiar e social, no contato direto e cotidiano com as tarefas dos adultos, para cuja realização as crianças e os jovens são formados pouco a pouco, muitas vezes por imitação, repetição e experiência direta do lebenwelt do labor (Jorion e Delbos 1990). Em várias outras ocupações ¾ e é o caso do magistério ¾, a aprendizagem do trabalho passa por uma escolarização mais ou menos longa cuja função é fornecer aos futuros trabalhadores conhecimentos teóricos e técnicos preparatórios para o trabalho. Mas, mesmo assim, raramente acontece que essa formação teórica não tenha de ser completada com uma formação prática, isto é, com uma experiência direta do trabalho, experiência essa de duração variável e graças à qual o trabalhador se familiariza com seu ambiente e assimila progressivamente os saberes necessários à realização de suas tarefas. Em outros ofícios, a aprendizagem concreta do trabalho assume a forma de uma relação entre um aprendiz e um trabalhador experiente, como vem ocorrendo agora, cada vez mais, com a implantação dos novos dispositivos de formação para o magistério (Raymond e Lenoir 1998). Essa relação de companheirismo não se limita a uma transmissão de informações, mas desencadeia um verdadeiro processo de formação em que o aprendiz aprende, durante um período mais ou menos longo, a assimilar as rotinas e práticas do trabalho, ao mesmo tempo em que recebe uma formação referente às regras e valores de sua organização e ao significado que isso tem para as pessoas que praticam o mesmo ofício, por exemplo, no âmbito dos estabelecimentos escolares."
Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério
Educação e Sociedade
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