sexta-feira, 7 de setembro de 2007

da "Estação das chuvas"

“Aviões cegos bombardearam as florestas do Norte durante quase seis semanas. Na sua fuga desesperada para o Zaire, Tiago de Santiago da Ressurreição André viu os quimbos [aldeias] arrasados pela fúria portuguesa, os rios e as florestas devorados pelo fogo do napalm. Próximo de Nova Caipemba, disse-me ele, encontraram um bosque feito inteiramente de uma mesma cinza e dentro dele algumas cubatas também de cinza, e dentro das cubatas, esteiras e moringues; e utensílios diversos, tudo de cinza. Presos aos raminhos das árvores havia centenas de pequenos pássaros, igualmente de cinza morta, com as suas alegres canções de chuva cristalizadas na ponta dos bicos. As bombas dos portugueses tinham travado o curso do tempo sobre o bosque, fechando aquele instante aflito numa redoma de cinzas.(...) Então todo o bosque se começou a desmoronar, com um demorado rumor de chuva mansa, e com ele os pássaros e as cubatas e a utensilagem doméstica, e em breve nada havia em redor a não ser uma larga planície de cinza idêntica”

AGUALUSA, José Eduardo - Estação das chuvas - romance

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