terça-feira, 4 de setembro de 2007

Joris Van Spilbergen

Conta Netscsher, o historiador dos holandeses no Brasil, que "Joris Van Spilbergen foi enviado em 1614 pela Companhia das Índias Ocidentais, para procurar, pelo Estreito de Magalhães, uma passagem mais curta para as Molucas, e a sua expedição compunha-se de seis navios: o Groote Maan, o Jager, e o Meeuw, pela Câmara de Amsterdam; o Eolus, pela Zeelândia, e o Morgenster, por armadores de Rotterdam e que, chegada ao Brasil, ancorou junto à Ilha Grande, e, depois, perto de Santos ou São Vicente, a fim de refrescar, pois a equipagem ia enfraquecida e enferma". Conta ele que os portugueses deste lugares receberam os holandeses de maneira hostil, de modo que tentando o almirante relações de comércio, dadas aquelas circunstâncias, faz-se a vela de novo, para deixar aquelas inóspitas paragens; mas, antes de partir tomara uma caravela portuguesa carregada de prata, de relíquias, de cruzes e de bulas de indulgência. "Propusera o almirante aos portugueses trocar os tripulantes e a carga do navio apresado por alguns holandeses retidos no Rio de Janeiro; mas fora em vão; eles (moradores) recusaram, dando assim uma demonstração viva do seu ódio aos holandeses, ódio tão profundo, que lhes impusera tal sacrifício de seu próprio interesse". Isto é o que conta Netscher, mas a verdade anda bem longe de quanto ele afirmou, procurando atenuar culpas históricas dos homens de sua pátria. O histórico dessa passagem marítima acha-se feito, segundo Taunay, por um precioso, embora tosco, documento iconográfico: uma estampa de Miroie Oest et West Indical, publicada em 1621 por Jan Janez, editor de Amsterdam, cujo título vem a ser: Le portrait de Capo de St. Vincent en Brésil. Nela se vêem as cinco naus holandesas bloqueando a barra de Santos, ao passo que a Gaivota vigia o porto de São Vicente. Assinala-se no canal o ponto extremo a que chegou o Caçador, a certa distância de uma fortaleza grande, cujo fogo os escaleres de reconhecimento não ousaram enfrentar. As duas povoações (vilas) de Sanctus e St. Vincent têm portas, estacada, igrejas, edifícios altos, sendo a segunda maior do que a primeira. Notam-se em diferentes pontos do litoral numerosas tropas de índios e brancos armados, à espera do desembarque dos batavos. Vêem-se ainda o incêndio do Engenho (de Jerônimo Leitão), da igreja de "S. Marie de Nague" (sic) - "Santa Maria das Naus" ou "Nossa Senhora das Naus" - e de um depósito de açúcar (trapiche do Engenho de Jerônimo Leitão), vários indivíduos em torno de uma espécie de caldeirão, uma cena de desembarque, outra de marcha em formatura, um índio balançando-se numa rede suspensa de duas palmeiras e sobre uma fogueira, e dois índios nus: "A fim de que se saiba como se vestem os brasileiros, homens e mulheres"... Continua Taunay, de quem extraímos estas linhas: "A viagem de Spilbergen foi uma das mais felizes nos fastos navais holandeses", e em julho do mesmo ano, já nas águas do Pacífico, defrontou ele a esquadra real espanhola daqueles mares, cujo almirante era Pedro Alvarez de Pulgar e cujo general era Don Rodrigo de Mendoza, com oito grandes galeões de guerra e 2.000 homens de guarnição, derrotando-a mercê de sua grande capacidade de estrategista naval. Por notícias documentais de Amador Bueno da Ribeira, sabe-se que, por ocasião do aparecimento de Spilbergen na costa santista, desceu ele com um corpo de paulistas e de índios, armados à sua custa, e de outros paulistas eminentes, em socorro da vila, salvando-a após rudes combates na faixa praieira auxiliado pela Fortaleza da Barra Grande ou "de Santo Amaro", e pela artilharia pesada postada na praia do Embaré, seguida a tática militar aconselhada naquelas circunstâncias. Era Capitão-mor da Capitania, então, Paulo da Rocha Siqueira, residente em Santos, e ele com os principais da terra e mais o socorro trazido por Amador Bueno e Lourenço Castanho Taques conseguiram, ao cabo de algum tempo, a expulsão dos numerosos e aguerridos soldados e marinheiros do almirante holandês. A narrativa desta jornada, afirma Taunay, deve-se ao escrivão da capitânia, João Cornelissen de Mayz, que a escreveu em latim, no ano de 1617, tendo-se dela extraído, imediatamente, várias edições, holandesas, francesas, inglesas e alemãs, e traz para a história de São Paulo o conhecimento do episódio interessante que procuramos esboçar. É pena que nada possamos aduzir ao relato de Mayz, porque, como já afirmou Taunay, "atas seiscentistas das Câmaras de Santos e São Vicente, é coisa que, desde séculos, não existem vestígios, e, infelizmente, na série das Atas da Câmara de São Paulo, exata e deploravelmente, verifica-se, no ano de 1615, a longa lacuna do semestre que compreende a época da estada de Joris Van Spilbergen e sua esquadra na barra de Santos. Talvez em Portugal, no Arquivo Colonial e em outros Arquivos, exista documentação mais ampla a este e a outros respeitos, capaz de complementar e restaurar a nossa história. Mas... convencer os nossos homens públicos da necessidade dessa pesquisa, eis uma coisa difícil... Ora a História! Foi em conseqüência desta invasão e do inestimável socorro trazido a Santos, na premência da ameaça de invasão holandesa, que Amador Bueno da Ribeira tornou-se logo depois Capitão-mor de São Vicente, com residência em Santos, a pedido de todo o povo, mas sem aceitar nenhuma remuneração, conforme sua exigência, como condição para aceitar o honroso encargo, podendo-se inscrever essa arribada dos holandeses, verificada nos primeiros dias de fevereiro de 1615, como uma das páginas agitadas dos primeiros tempos da cidade de hoje.


(*) Extraído da "História de Santos" - 2ª edição, Santos/SP, 1986.

Sem comentários: