sexta-feira, 4 de abril de 2008

"Adeus social-democracia"


O visionário Aléxis de Toqueville foi talvez quem melhor definiu o que viria a ser, mais tarde, a "social-democracia", ainda que não tenha vivido para testemunhá-la. Em sua imortal obra "A democracia na América", ao imaginar sob quê possíveis novas características poderia reaparecer no mundo a tirania que tanto desprezava, ele anteviu uma espécie de "escravidão disciplinada, moderada e serena", a qual, sob a égide da igualdade, seria aceita e até mesmo desejada.

Segundo Toqueville, os futuros tiranos, movidos pela compaixão a seus súditos, tratariam de "prover sua segurança, antecipar e satisfazer suas necessidades, dar gosto a seus prazeres, resolver suas principais inquietudes, dirigir seu trabalho". O tirano moderno, continua o mestre, controla "toda a vida social através de uma rede de normas secundárias e complexas, minuciosas e uniformes... Não anula a vontade das pessoas, mas a refreia, a inclina e a dirige; raramente ordena atuar, mas freqüentemente inibe as iniciativas; não destrói nada, mas impede que se criem muitas coisas; não é em absoluto despótico, mas obstrui, reprime, debilita, sufoca e embrutece, a ponto de transformar os povos num mero rebanho de animais medrosos..."

Malgrado sua concepção eminentemente socialista e inibidora da liberdade, a experiência social-democrata que floresceu na Europa Ocidental após a Segunda Guerra manteve o modelo econômico capitalista, pelo menos no sentido de que a propriedade privada dos meios de produção era permitida, ainda que altamente concentrada nas mãos de uns poucos. O arquétipo do "capitalismo selvagem" foi substituído por um sistema híbrido, que combinava grandes conglomerados industriais e financeiros, freqüentemente patrocinados pelo Estado, uma agricultura altamente subsidiada, além de empresas miúdas - quase sempre comerciais ou de prestação de serviços. Fora isso, a hipertrofia dos governos formou um enorme contingente de funcionários públicos, que em alguns países chegou perto de 50% da população economicamente ativa.

Seu advento ocorreu em meio à Guerra Fria, num período marcado pela limitação à livre movimentação de capitais e produtos, quase sempre mediante controles burocráticos e imposição de barreiras tarifárias. Com a queda do muro de Berlin e, principalmente, a aceleração do processo de globalização, conseqüência direta da profusão de novas tecnologias, que permitiram a movimentação muito mais dinâmica da informação, dos capitais, dos produtos e do próprio trabalho, as sociedades européias se viram, da noite para o dia, obrigadas a promover uma reavaliação profunda de seu festejado modelo, algo até então impensável.

A recente eleição de Nicolas Sarkozy, na França, é mais um (enorme) passo na caminhada - iniciada há tempos por Margareth Thatcher - de volta ao livre mercado. Esta mudança de rumo, que para muitos não deixa de ser traumática, notadamente para aqueles que se acostumaram a ter e almejar benefícios "sociais" espúrios à custa do trabalho alheio, ocorre muito mais por falta de opção do que propriamente por escolha. E não é para menos: enquanto a taxa de natalidade não pára de cair e os velhos vivem cada vez mais, os gastos com saúde ficam cada vez mais caros. Por outro lado, a relação entre trabalhadores ativos e aposentados segue diminuindo rapidamente, tudo isso em meio à estagnação econômica que já dura décadas.

Um dos primeiros próceres do modelo a entender que as políticas da social-democracia precisavam ser revistas foi Tony Blair, que compreendeu a natureza daquela armadilha econômica em seus dois aspectos principais. Em primeiro lugar, não era possível manter um mercado de trabalho baseado na instituição da estabilidade do emprego, num mundo onde a evolução tecnológica cria e destrói tipos de ocupação numa velocidade tremenda. Em segundo lugar, as instituições de proteção social, concebidas fundamentalmente para compensar o fracasso individual, ao mesmo tempo em que castigam o êxito, eram particularmente pouco efetivas num mundo globalizado cada vez mais competitivo.

O esquerdista Blair concluiu, há mais de dez anos, que as premissas do "marco social" - que imperou a partir da 2ª Guerra - haviam sido derrubadas e, a menos que a social-democracia se transformasse profunda e rapidamente, seria varrida pelo furacão da globalização. As mudanças, no entanto, não são simples nem se operam sem resistência, cujo espectro é especialmente visível no âmbito da intelligentsia esquerdista - preocupada, como sempre, não com os baixos índices de crescimento ou os elevados níveis de desemprego, mais em evitar a quebra do consenso ideológico anti-liberal.

João Luiz Mauad
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