quinta-feira, 3 de abril de 2008

Eu, o Lápis, sou uma combinação complexa de milagres


Eu, o Lápis

Resumo: A lição contida no ensaio liberal traduzido por Diogo Costa é a seguinte: Não deixe que as energias criativas permaneçam intimidadas.

© 2004 MidiaSemMascara.org

Eu sou um lápis de grafita - daqueles lápis comuns de madeira, familiar a todas as crianças e adultos que sabem ler e escrever.

Escrever é tanto minha vocação e minha profissão; é tudo o que eu faço.

Você pode se perguntar por que eu deveria escrever uma genealogia. Bem, pra começar, minha história é interessante. E, depois, eu sou um mistério - Mais do que uma árvore ou um pôr-do-sol ou até mesmo do que um relâmpago. Mas, infelizmente, eu sou considerado uma dádiva por aqueles que me usam, como se eu fosse um mero incidente e sem um passado de experiências. Essa atitude desdenhosa relega-me ao nível do lugar comum. Esse é o tipo de erro angustiante no qual a humanidade não pode persistir sem correr risco. Pelo que o sábio G. K. Chesterton observou, "We are perishing for want of wonder, not for want of wonders".

Eu, o Lápis, apesar de parecer simples, mereço sua admiração e espanto, como vou tentar provar. Na verdade, se você tentar me compreender - não, isso é pedir demais - se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade está perdendo tão deploravelmente. Eu tenho uma lição profunda para ensinar. E eu posso ensinar essa lição melhor do que pode um automóvel ou um avião ou uma máquina lava-louças porque - bem, porque eu sou aparentemente tão simples.

Simples? Ainda assim, não há sequer uma pessoa na face da terra que saiba como me fazer. Isso soa fantástico, não? Especialmente quando se descobre que existem em torno de um a um bilhão e meio da minha espécie produzidas nos EUA a cada ano.

Pegue-me e dê uma boa olhada. O que você vê? Não há muito que se contemplar - Alguma madeira, verniz, a marca impressa, a ponta de grafita, um pouco de metal e uma borracha.

Inumeráveis antepassados

Do mesmo modo que você não pode traçar o passado de sua árvore genealógica até muito longe, é impossível para mim, nomear e explicar todos os meus antepassados. Mas eu gostaria de citar alguns deles para impressionar-lhe sobre a riqueza e complexidade do meu passado.

Minha árvore genealógica começa com uma árvore de verdade, um cedro nascido de semente que cresce no nordeste da Califórnia e no Oregon. Agora visualize todas as serras e caminhões e cordas e outros incontáveis instrumentos usados para cortar e carregar os troncos de cedro até a beira da ferrovia. Pense em todas as pessoas e suas inumeráveis destrezas que concorreram para sua fabricação: a mineração de metais, a fabricação do aço e seu refinamento em serras, machados, motores, toda a manufatura para tornar, desde seu crescimento, as plantas em fortes cordas; os campos da lenharia com suas camas e refeitórios, a cozinha e a produção de toda a comida. Afinal, milhares de pessoas têm sua participação em cada copo de café que os lenhadores bebem.

Os troncos são enviados para uma serraria em San Leandro, Califórnia. Você pode imaginar os indivíduos que fizeram os vagões e trilhos e locomotivas e que construíram e instalaram os sistemas de comunicação para tudo isso? Essas legiões estão entre os meus antepassados.

Considere o trabalho da serraria em San Leandro. Os troncos de cedro são cortados em pequenas tiras do comprimento de um lápis com menos de 7 milímetros. Eles são cozidos no forno e então tingidos pela mesma razão que as mulheres colocam maquiagem em seus rostos. As pessoas preferem que eu fique com uma aparência bonita e não de um branco empalidecido. As tiras são enceradas e levadas ao forno novamente. Quantas habilidades foram envolvidas para a fabricação da tintura e dos fornos, para prover o calor, a luz e a eletricidade, os cintos, motores, e tudo o mais que uma serraria requer? Faxineiros da serraria entre os meus antepassados? Sim, e incluídos estão os homens que despejaram o concreto para a represa da hidroelétrica da Pacific Gás & Electric Company que supriu a energia da serraria!

E não subestime os antepassados presentes e distantes que participaram do transporte das sessenta cargas de tiras através do país.

Uma vez na fábrica de lápis - $4.000.000 em maquinaria e construção, todo capital acumulado pelos meus pais econômicos e frugais - em cada tira dá-se oito entalhes por uma máquina complexa, após a qual outra máquina deposita a ponta em cada tira, aplica a cola e coloca outra tira em cima - um sanduíche de grafita, por assim dizer. Sete irmãos e eu são mecanicamente esculpidos nesse sanduíche de madeira. Minha ponta em si é complexa. A grafita é minada em Ceylon. Considere os mineradores e aqueles que fabricam suas diversas ferramentas e os fabricantes dos sacos de papel nos quais a grafita é enviada e aqueles que fazem os cordões que amarram os sacos e aqueles que os embarcam nos navios e aqueles que fabricam os navios. Mesmo os mantenedores do farol auxiliaram o meu nascimento - e os navegadores do porto.

A grafita é misturada com argila do Mississipi no qual hidróxido de amônio é usado no processo de refinamento. Agentes umedecedores são, então, adicionados tais como sebo sulfonado - gorduras animais reagidas quimicamente com ácido sulfúrico. Depois de passar através de numerosas máquinas, a mistura finalmente aparece como filetes expelidos - como se saíssem de um moedor de carne - cortados no tamanho certo, secos e assados por horas a mais de 1000 graus Celsius. Para alisar e aumentar sua resistência, as pontas são então tratadas com uma mistura quente que inclui cera candelilla do México, parafina e gorduras naturais hidrogenadas.

Minha madeira recebe seis camadas de verniz. Você sabe todos os ingredientes do verniz? Quem poderia supor que os cultivadores de mamona e os refinadores de óleo de mamona fazem parte? Mas fazem. Aliás, até os processos pelos quais o verniz torna-se de um belo amarelo envolvem a perícia de mais pessoas do que qualquer um pode enumerar!

Observe minha marca. Ela é um filme formado pela aplicação de calor sobre carbono negro misturado com resinas. Como se faz resinas e, me diga, o que é carbono negro?

Meu pedaço de metal - o anel - é latão. Pense em todas as pessoas que mineram zinco e cobre e aqueles que possuem as habilidades para fabricar brilhantes placas de latão desses produtos da natureza. As pequenas manilhas no meu anel são níquel preto. O que é níquel preto e como ele é aplicado? A história completa sobre o porquê do centro do meu anel não possuir níquel preto levaria páginas para explicar.

Então há a minha gloriosa coroação, deselegantemente referida no comércio como "a rolha", a parte que o homem usa para apagar os erros que ele comete comigo. São os ingredientes abrasivos que apagam. Produtos feitos pela reação do óleo de semente de colza das colônias holandesas com cloreto sulfúrico. A borracha, contrária ao senso comum, é só para dar consistência. Então, também, há numerosos agentes vulcanizantes e aceleradores. A lixa vem da Itália; e o pigmento que dá a cor de "rolha" é sulfato de cádmio.

Ninguém sabe

Alguém deseja desafiar minha afirmação anterior que não há sequer uma pessoa na face da terra que saiba como me fazer?

Verdadeiramente, milhões de seres humanos participaram da minha criação, nenhum dos quais conhece mais do que alguns dos outros. Agora, você pode dizer que eu vou muito longe ao relacionar os colhedores de café no Brasil, e em outros lugares, à minha criação, que essa é uma posição extremada. Eu defendo minha posição. Não há uma única pessoa em todos esse milhões, incluindo o presidente da companhia de lápis, que contribiu mais do que uma mínima, ínfima porção de know-how. Do ponto de vista do know-how a única diferença entre o minerador da grafita e o lenhador em Oregon é o tipo do know-how. Nem o minerador nem o lenhador podem ser dispensados, tampouco pode ser o químico da fábrica ou o trabalhador nos campos de óleo - sendo a parafina um subproduto do petróleo.

Aqui vai um fato assombroso: nem o trabalhador nos campos de óleo nem o químico ou o escavador da grafita ou da argila nem os homens que fazem os navios ou trens ou caminhões, nem aquele que controla a máquina que arremata meu pedaço de metal, nem o presidente da companhia realizam sua função singular porque eles me querem. Cada um me deseja menos, talvez, do que me deseja uma criança na primeira série. Sem dúvida, existem alguns deles nesta vasta multidão que nunca viram um lápis ou não sabem como utilizar um. Sua motivação é alguma outra que não eu. É mais ou menos assim: Cada um desses milhões vê que ele pode, deste modo, trocar seu pequenino know-how pelos bens e serviços que ele deseja ou necessita. E eu posso estar ou não entre esses itens.

Sem uma mente superior

Há um fato ainda mais espantoso: a ausência de uma mente superior, de alguém ditando, ou direcionando forçosamente essas incontáveis ações que me permitem ser. Não há pista da existência de tal pessoa. Em vez disso, nós encontramos a mão invisível trabalhando. Esse é o mistério a que me referi anteriormente.

Já foi dito que apenas "Deus pode fazer uma árvore". Por que concordamos com isso? Não é porque nós percebemos que nós mesmos não conseguimos fazer uma? Podemos, de fato, sequer explicar uma árvore? Não podemos, exceto em termos superficiais. Podemos dizer, por exemplo, que uma determinada configuração molecular se manifesta como uma árvore. Mas qual é o intelecto entre os homens que poderia sequer memorizar as constantes mudanças que acontecem na extensão da vida de uma árvore? Tamanha façanha é absolutamente impensável!

Eu, o Lápis, sou uma combinação complexa de milagres: árvore, zinco, cobre, grafita e muito mais. Mas, a esses milagres que se manifestam na natureza, um milagre ainda mais extraordinário foi adicionado: a disposição das energias humanas criativas - milhões de minúsculos know-hows configurando natural e espontaneamente uma resposta à necessidade humana e desejo sem precisar de qualquer mente superior! Se apenas Deus pode fazer uma árvore, também insisto que apenas Deus pode me fazer. Homens não conseguem dirigir esses milhões de know-hows para me trazer à "vida" mais do que conseguem ajustar as moléculas para criar uma árvore.

O parágrafo superior é o que eu procurei expressar quando disse "se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade está perdendo tão deploravelmente". Se alguém puder atentar que esses know-hows irão naturalmente, até mesmo automaticamente, se arranjarem em padrões produtivos e criativos em resposta às necessidades e demandas humanas - ou seja na ausência de um governo ou qualquer outra mente superior coercitiva - então este alguém possuirá um ingrediente absolutamente essencial para a liberdade - a fé nas pessoas livres. A liberdade é impossível sem essa fé.

Uma vez que o governo teve o monopólio de uma atividade criativa como, por exemplo, a entrega de correspondências, a maioria dos indivíduos passou a acreditar que as cartas não poderiam ser entregues eficientemente pela ação livre dos homens. E aqui está a razão: cada um reconhece que ele próprio não sabe como fazer acontecer todas as circunstâncias para a entrega de correspondências. Essas suposições estão corretas. Nenhum indivíduo possui bastante conhecimento para efetuar a entrega de correspondências para toda a nação mais do que algum indivíduo possua conhecimento suficiente para fazer um lápis. Agora, na ausência da fé nas pessoas livres - sem a percepção de que milhões de pequeninos know-hows podem natural e miraculosamente formarem e cooperarem para satisfazer suas necessidades - o indivíduo não alcança outra, senão a equivocada conclusão de que a correspondência só pode ser entregue com a "mente superior" do governo.

Fartura de testemunhos

Se eu, o Lápis, fosse o único item que pudesse oferecer testemunho sobre o que homens e mulheres podem realizar quando estão livres para tentar, então aqueles com pouca fé teriam um argumento justo. No entanto, existe fartura de testemunhos. Só requer a nossa participação e a de nosso próximo. A entrega de correspondência é excessivamente simples quando comparada com, por exemplo, a fabricação de um automóvel ou uma calculadora ou uma máquina agrícola ou dezenas de milhares de outras coisas. Entrega? Aliás, até onde os homens puderam se aventurar nessa área, eles conseguiram fazer a entrega a voz humana em menos de um segundo: eles entregam um evento visualmente e em movimento para a casa de qualquer pessoa no momento em que está acontecendo; eles entregam 150 passageiros de Seattle a Baltimore em menos de quatro horas; eles entregam gás do Texas ao fogão ou fornalha de alguém em New York por preços inacreditavelmente baixos e sem subsídio; eles entregam um quilo de óleo do Golfo Pérsico ao oeste americano - meia volta ao mundo - por menos que o governo cobra para entregar uma carta de 50 gramas ao outro lado da rua!

A lição que eu tenho para ensinar é a seguinte: Não deixe que as energias criativas permaneçam intimidadas. Simplesmente organize a sociedade para agir em harmonia com essa lição. Deixe que os aparatos legais da sociedade removam todos os obstáculos da melhor forma possível. Permita que esses know-hows fluam livremente. Tenha fé que homens e mulheres irão responder à mão invisível. Essa fé será confirmada. Eu, o Lápis, aparentemente tão simples, ofereço o milagre da minha criação como uma testemunha que essa fé é real, tão real quanto o sol, a chuva, o cedro, tão real quanto a Terra.

Leonard E. Read (1898-1983) é o fundador da Foundation for Economic Education (FEE).
Tradução: Diogo Costa

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