Esta entrevista foi realizada em Abril de 2004, tendo sido conduzida pelos jornalistas Ana Sá Lopes e António Melo. Devido à sua extensão nunca foi publicada na íntegra, tal como aqui e agora se faz. Nela os três operacionais do 25 de Abril contam as vicissitudes de um percurso que se iniciou em Setembro de 1973, quando Vasco Lourenço clamou «Isto só lá vai com um golpe militar!», e teve o seu desfecho ao meio-dia de 23 de Abril de 1974. Nesse dia, de um cansado duplicador, Otelo retirou as derradeiras instruções, que enviou às unidades do Movimento: ao som do «Grândola, Vila Morena», às 03h00, na Rádio Renascença, saem para cumprir as missões que lhes foram destinadas.
A partir daí os dados estavam lançados. É esse período que aqui recordam os três principais protagonistas desse processo que pôs fim ao regime do Estado Novo, uma ditadura constitucional que durava desde 1933.
Ao longo da entrevista abordam-se os seguintes temas:
- A prisão de Vasco Lourenço e o fracasso do 16 de Março
- As lições do 16 de Março e o Programa do MFA
- O programa, Spínola e a operação militar
- Neutralização da PIDE e o Regimento de Comandos
- Ligações partidárias e internacionais
P. — A 9 de Março de 1974, com a prisão de Vasco Lourenço, o governo de Caetano fica com a convicção de ter decapitado o movimento dos capitães. Afinal, o processo continuou?
Vasco Lourenço — Não sou eu quem pode responder a isso. Mas convém recordar que tínhamos a estrutura da ligação operacional. Saímos da reunião de 5 de Março [Cascais] com a tarefa de preparar o programa político, fazer o golpe de Estado e estabelecer a ligação com o Costa Gomes e o Spínola, os dois generais escolhidos pelo Movimento.
P. — Não houve a intenção dos seus camaradas de o manterem cá, «sequestrado», para a transmissão de poderes?
V. Lourenço — Houve um rapto, que nada teve a ver com uma transmissão de poderes. Eu estava detido na Trafaria, mas as coisas cá fora continuavam e eles melhor do que eu podem contar isso.
Vítor Alves — A direcção era composta por três elementos, com a detenção do Vasco, ficámos dois. Em caso de percalço, a substituição do Vasco estava assegurada pelo Sousa e Castro.
V. Lourenço — O Sousa e Castro era um dos elementos principais que eu tinha na Coordenadora para ligação às unidades. A ideia que eu tenho é que se decidiu acelerar a preparação do golpe. Isto para dar resposta a uma coisa que para nós era fundamental: solidariedade em relação a qualquer um que sofresse retaliações por parte do poder.
P. — Com a prisão de Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho passa a estar conectado às unidades, enquanto Vítor Alves mantém as ligações com os ramos das Forças Armadas e coordena o programa político?
Otelo — Em Óbidos [1 de Dezembro de 1973], abandonada a fase de movimento dos capitães, passa-se à segunda fase, que é a do movimento de oficiais das Forças Armadas. Há a perspectiva de alargamento a outras patentes, a majores, a coronéis, oficiais superiores, até generais. Elegemos a Comissão Coordenadora executiva na clandestinidade, que tinha 19 membros, três por arma ou serviço militar, de preferência na seguinte ordem: um oficial superior, um capitão e um subalterno. Por exemplo, são representantes de Infantaria o major Hugo dos Santos, o capitão Vasco Lourenço e o tenente Marques Júnior. Hugo dos Santos, mobilizado para o Ultramar, deixa essas funções e é substituído pelo Vítor Alves. No dia 1 de Dezembro distribuem-se funções e no dia 5 de Dezembro, na Costa da Caparica, elegem-se as subcomissões executivas para os três ramos. Eu fiquei no secretariado, com o major José Maria Azevedo e o capitão Torres, ambos da Administração Militar.
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