Bom é uma história triste mas dá para pensar nas leis e nos rios. Não encontro maneira de dizer que nasci aqui, a ouvir a música que o rio canta mais alto no açude da Quinta do Canal.
Mais tarde segui as pedras que o rio traz até ao recreio da escola de Janeiro de Cima. Ai, os meninos do meu tempo ensinaram-me o jogo do fito. Nesse jogo tudo é xisto e pontaria. Aprendem cedo a brincar com pedras os meninos de Janeiro de Cima. Na descida dos Carritos, lanço o olhar ao vale do Zêzere. Lá ao longe a serra mãe, Serra da Estrela. Só lhe viro as costas para mergulhar na rua da volta. Este anel de casas em volta da igreja velha, foi salva a velha igreja pela iniciativa de um pequeno grupo, ao qual se juntou mais tarde toda a população. Esta aliança do velho com o novo torna esta aldeia a jóia, das jóias do xisto.
Hoje Janeiro de Cima impôs-se como uma jóia. Para isso foi determinante a contribuição dos técnicos do Gabinete Técnico Local. Das aldeias no concelho do Fundão. Desenvolve um trabalho único de classificação, projectando a recuperação do casario destas aldeias. Tenho o prazer de acompanhar alguns desses técnicos em algumas acções. Sinto que só com uma vontade imperturbável, a energia estampada no rosto da Arq. Ana Cunha, para referir um nome. Se pode lutar na defesa e contra alguma incompreensão por vezes chocante dos próprios interessados. É que aqui os técnicos são confrontados com uma luta desigual, precisam de inovar com opções técnicas novas adaptadas ao património existente. Alargar largos e ruas. Convencendo quem determina a obra; os proprietários.
Já não tange a guitarra o Sr. António Almeida. Mais uns meses e fazia os cem anos de vida. Imortalizou a sua música, o musicólogo Dr. José Alberto Morais Sardinha, ao incluir na colectânea de música popular “Portugal Raízes Musicais”, duas cantigas do saudoso António Almeida Brito Cardoso. Em boa hora o viajante o denunciou ao Dr. Sardinha.
No dia 20 de Janeiro de cada ano, sobe este povo e convidados ao alto do cabeço de São Sebastião, para se cumprir a tradição de dar pão e vinho, a quem ali vier. Depois da missa na aldeia os mordomos carregam os sacos de pão até ao alto do monte, sempre a subir. O autor destas linhas já isso fez. Teve a honra de transportar um saco de linho cheio de merendas. Pois os meus pais apesar de não viverem na freguesia há muitos anos, os outros mordomos têm a amabilidade de nos convidar, a dar as merendas quando chega a nossa vez.
Em tempos a tradição era outra: segundo o cura, Joseph Pereyra. Maio de 1758. ─ No dia do espírito santo há festa cantada, dá-se um bodo a quem se acha presente, que vem a ser dois bolos, e quatro copos de vinho, duas cuvetes de tremoços.
E ainda o que levou o Reinaldo Ferreira, (Celebre Repórter X,) a ficcionar o seu romance (A Casa Misteriosa) com o pseudónimo de (Garibaldi Falcão,) este romance leva-nos aos anos 1885 muito antes do seu nascimento. Reinaldo do Ferreira, nasceu em Lisboa no dia 10 de Agosto de 1897 - arrepia os lisboetas com o crime, tão tenebroso quanto inexistente. Esta figura notável do jornalismo português, correspondente durante a segunda guerra mundial, conhecido pela sua criação, noticiou o funeral de Lenine sem sair de Paris. José Leitão Barros, tentou mesmo adaptar ao cinema com o título "O Homem dos Olhos Tortos".A Casa Misteriosa, Um romance de ficção que não deixa de afirmar estas paragens, Aquilo que o trouxe a Janeiro de Cima nunca o viajante pode comprovar. Com o mesmo nome o seu filho, também ele autor de muitos e belos poemas, tais como:
Menina dos olhos tristes.
Uma casa portuguesa.
Quem dorme à noite comigo.
Cavalo de várias cores.
Rosie.
Receita para fazer um herói.
A introdução dada pelo autor da (Casa Misteriosa) como diz: ─ no meio de um frondoso parque entre as povoações de Janeiro de Cima e Janeiro de Baixo, no Inverno de 1885, embora um romance de pura ficção. Enaltece as Terras do Xisto. Julga o viajante que ele nunca calcorreou as Terras do Xisto, como é apanágio nas obras de Reinaldo Ferreira.
Gosta o viajante de dar a volta ao cabeço do mártir S. Sebastião. Está convencido de que este cabeço foi desbastado pela milenar exploração mineira dos romanos; toda a aldeia está sobre essa exploração. Ir à Folha de Cima e visitar a Horta das Covas, tirar água com uma das picotas, já o fez sem que o dono o visse. O dono da horta Sr. Américo, é mestre na arte da pedra e esta horta é prova disso mesmo, um lugar fantástico. Apetece dar duas varadas na barca serrana, ali na praia fluvial. Esta barca feita cá na terra, o mestre Eduardo Gil, já não precisa de montar estaleiro como antigamente que a construção de um barco destes era obra de meses, tudo era pensado a tempo de seleccionar parte das madeiras ainda na árvore, é que não se faz um Galaripo de um pau qualquer."
Diamantino Gonçalves - Terras do Xisto , "Apontamentos de Viajante"
Janeiro de Cima
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