quinta-feira, 30 de outubro de 2008

da lenda que vou contar

Apesar de existirem provas documentais de que até ao século XV foi conhecida por Dornas, um velho manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Lisboa explica que a etimologia da povoação proveio da lenda que vou contar.

Há muitos séculos atrás, as terras desta região pertenciam à Rainha Santa Isabel, mulher de el-rei D. Dinis. Era feitor da Rainha, na região, um cavaleiro chamado Guilherme de Paiva, ao qual atribuíam proezas milagrosas.

Conta-se deste homem que, certa vez, passou a pé enxuto o rio Zêzere, caminhando de uma margem para a outra sobre a sua capa, que lançara sobre as águas.

Um dia, andava Guilherme de Paiva atrás de um veado na banda de além do Zêzere, onde só havia brenhas e matos espessos, quando ouviu uns gemidos muito dolorosos. Tentou saber de que sítio provinham e, apesar de perder algumas horas nesta busca, nada conseguiu achar, pois os gemidos pareciam provir dos mais diversos locais. No dia seguinte voltou ali e de novo os gemidos se espalharam à sua volta, vindo agora de um tufo espesso de mato, depois de um rochedo, numa ciranda sem fim. Guilherme de Paiva sofria espantado, partilhando a dor daquele alguém que parecia fazer parte do universo. Ao terceiro dia tudo se repetiu como antes.

Tomou, pois, a decisão de partir para Coimbra onde estava a sua senhora, a fim de lhe relatar aqueles estranhos factos. Assim que chegou à cidade dirigiu-se imediatamente à pousada real e solicitou a sua visita a D. Isabel.

Esta, mal o viu, e depois das saudações devidas, disse-lhe:
-Vindes por via dos gemidos, Guilherme?
-…!
-Não precisais espantar-vos! Três noites a fio sonhei com eles e sei do que se trata.
-O que é então, Senhora? Procurei por todo o lado e nada vi!...
- Bem sei. Deus contou-me tudo nos sonhos. Agora vais voltar ao local e procurar onde te vou dizer: aí acharás uma imagem santa de Nossa Senhora, com o Filho morto em seus braços.
-Assim farei, minha senhora Dona Isabel! Mas, e depois, que faço eu dessa imagem?
-Guardá-la-ás contigo até me veres chegar junto a ti!

Despediu-se Guilherme de Paiva da Rainha Santa, levando na memória a localização exacta da moita onde a imagem de Nossa Senhora o aguardava gemendo, e partiu de Coimbra.

Já de volta a terras do Zêzere, o cavaleiro dirigiu-se à serra de Vermelha, como lhe dissera D. Isabel, e foi milagrosamente direito a determinada moita onde achou enrodilhada em urzes a imagem da Virgem pranteando a morte de seu Filho.

Durante algum tempo manteve-a consigo, na sua própria casa. Os gemidos haviam cessado e assim Guilherme de Paiva tinha a Santa Imagem na sua câmara, com um archote aceso de cada lado.

Um dia, a Rainha Santa foi, finalmente, às suas terras do Zêzere resolver o caso da imagem. Assim, junto a uma velha torre pentagonal que já aí existia, mandou erigir uma ermida para a Virgem achada nas moitas. E nessa torre - que provavelmente foi construída pelos Templários -, ordenou que se instalassem os sinos da ermida.

Em breve o povo começou a construir casas em redor da capela e da torre e, diz a lenda, a Rainha Santa deu a essa vila nascente o nome de Vila das Dores, nome que com o tempo se teria corrompido até dar Dornes.

É isto o que conta a lenda transcrita no velho manuscrito.

A capela com a sua torre sineira ainda hoje existem, e a imagem achada há muitos séculos atrás é venerada sob a designação de Nossa Senhora do Pranto.

in Frazão, Fernanda. "Lendas Portuguesas", vol. IV, pág. 75-79. Ed. Multilar. Lisboa: 1988

Uma visita a Dornes

Quanto à origem desta aldeia, não faltam lendas de que alguns autores têm feito eco. Sabemos que já nos primeiros anos do séc. XII havia uma povoação chamada " Dornas" e que mais tarde se tornou sede de uma das comendas da Ordem de Cristo.
Conta a tradição mais antiga que, sendo esta terra dote da Rainha Santa Isabel, na altura em que a corte se instalou em Coimbra, nela habitava o feitor Guilherme de Paiva, de quem o pai grande temente a Deus , em criança o educou com todos os bons costumes e "santos exercícios". Sendo este ainda jovem, e não o podendo obrigar a jejuar e para que forçosamente o fizesse, obrigava-o a passar o dia num barco no meio do Zêzere.
Habitavam junto da ermida de S. Guilherme, a qual era contígua à estrada de Dornes e ribeira do mesmo nome. Sucedeu que durante alguns dias, na outra banda do rio ( na freguesia de Sernache), se ouvia gemidos "muy dolorosos", que se fizeram ouvir durante alguns dias a fio. Guilherme de Paiva foi a Coimbra dar conta do sucedido à Rainha Santa desta novidade. Esta que "por revelação divina já sabia", disse-lhe que procurasse o lugar dos gemidos e que ali acharia uma imagem da Virgem Maria com outra do Santíssimo Filho Morto em seus braços. Tal facto confirmou-se e a Rainha mandou construir sobre um penhasco e junto a uma torre antiga que aí também se encontrava, uma pequena igreja onde a admirável imagem foi colocada , a quem deram a invocação de "Nossa Senhora das Dores", e a qual ainda hoje, pode ser apreciada por todos quantos a visitem, sob o nome de "Nossa Senhora do Pranto" como é mais conhecida.

Segundo a narração , é esta Igreja que tem influenciado o desenvolvimento e até assegurado o que por ali se faz. O misticismo que envolve a Senhora do Pranto chegou a ser motivo de disputas entre Dornes e Sernache. Segundo os habitantes do outro lado do Rio (Sernache), a santa pertencia-lhes, porque fora ali que ela aparecera. Posição não compartilhada pelos deste lado (Dornes), que contrapunham com o facto de ser ali a sua Igreja. A verdade é que durante muito tempo a santa era repartida, estava uns tempos em Sernache e outros em Dornes, situação que viria a terminar, segundo a lenda, quando pela vontade própria da Santa quando desapareceu de dentro de uma dorna que era transportada por uma junta de bois, indo aparecer na capela que deu lugar à Igreja.

E ainda hoje essa crença faz correr a Dornes alguns milhares de pessoas durante o ano, para cumprirem as suas promessas e venerarem a Santa.

São várias as romarias que ali se fazem em honra da Senhora do Pranto. Mas a maior, aquela que para os cristãos envolve mais significado, é a festa do Espírito Santo.

Alguns meses antes, toda a população do concelho começa a trabalhar à volta do seu círio para levarem à festa nos carros maravilhosamente engalanados as fogaças, as bandeiras alusivas e também o maior número de pessoas.

O colorido multicolor dos trajes civis e das irmandades, os acordes das bandas, a procissão em volta da Igreja e dos cruzeiros da via-sacra, que se estendem até ao lagar de S. Guilherme.

Diz-se que aquela Igreja é uma das sete construídas no cume de outros tantos cabeços com a finalidade de recolher no seu silêncio os reis e suas cortes.
terravista/nazare/documento

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