quarta-feira, 22 de julho de 2009

O passado de Arganil - conclusão

Assim parece, de facto. Realmente, em 25 de Dezembro de 1114, isto é, oito anos antes da data do diploma em questão, dá o mesmo bispo D. Gonçalo uma carta de povoação a Arganil. Se a vila lhe pertencia nesta data, como tal carta parece demonstrar, para que era necessária a doação de 1122? O que pode concluir-se é que seria mais do que duvidosa a sua posse pela mitra de Coimbra, e, para a legalizar, houvesse necessidade de documento autêntico. Inexistente este, forjou-se a interpolação, metida a picareta na doação de Coja.
(...) Quer lhe pertencesse quer não, a verdade é que D. Gonçalo, outorgou a Arganil, em 1114, uma carta que tem extraordinário valor para conhecermos a situação económica e social dos seus habitantes, neste começo do séc. XII. Resumindo o conteúdo deste documento, escreve Alexandre Herculano: «Dividia-se a população em jugadeiros e cavaleiros-vilãos. Especificavam-se... os direitos de caça, a parada ou colheita, e o serviço de caminheiros, não esquecendo declarar que os cavaleiros-vilãos ficavam isentos de jugada. Determinava-se a natureza que adquiriam os prédios passando da mão dos peões para a dos cavaleiros-vilãos, bem como as condições necessárias para qualquer ser incluído nessa categoria. Em todo o foral, porém, não há uma única circunstância que revele a existência, em Arganil, de magistraturas próprias, e sem uma como adição feita nesse diploma depois de expedido, ele não passaria de um simples contrato civil.» Esta adição, redigida em nome dos colonos, é a seguinte: - «Além de tudo, acrescentámos um sexteiro a cada boi para que nos não pusessem ninguém por alcaide senão a nosso contento».
A existência de um alcaide em Arganil - continua Alexandre Herculano - manifesta-nos que a povoação era um lugar forte, um castelo, e que os colonos dependiam do casteleiro, o qual, por isso, reunia, em si, cargo militar e magistratura civil. Mas até onde se estendia esta? Eis o que não é possível dizer. Todavia, é provável que as suas funções civis se limitassem às de exactor. O direito de intervir na sua eleição, que os moradores compram por um aumento de encargos, dá porém a Arganil um carácter de concelho rudimentar».
(...) Assim se explica que o verdadeiro foral de Arganil, datado de 1175, seja outorgado por D. Pedro Ubertiz, nos últimos anos do reinado de D. Afonso Henriques, falecido 1185. Dizemos «verdadeiro foral de Arganil», visto ser este que D. Dinis confirma e serve de norma a D. Manuel I, quando o «Venturoso», em 1514, dá novo foral a Arganil, encabeçadopor estas palavras: - «Foral da vila de Arganil, do bispado de Coimbra, dado por Pero Ubertiz, confirmado por El-Rei D. Dinis per as rendas de Arganil...».
Comparando este foral com a carta de povoação do bispo D. Gonçalo, verifica-se o seguinte: - mantêm-se as características rurais do concelho, agora mais acentuadas, devido às referências aos seus lavradores, caçadores e pastores. Não se fala em jugada nem no alcaide. Dão-se garantias especiais à herdade dos cavaleiros. Mencionam-se as penalidades a que ficam sujeitos os que praticam determinados crimes. Na formulação destes, sobressaem alguns casos curiosos: - Assim: O que encontrasse alguém a roubá-lo, não pagava multa pelos ferimentos que lhe causasse. À terceira vez, o ladrão eraaçoutado, tosquiado e expulso «para além do Alva», ou seja para fora do concelho, o que, aliás, já acontecia anteriormente, segundo dispõe a carta de D. Gonçalo. O que quisesse provar o seu direito com «bordão e escudo» pagava um bragal. tratava-se - nota o dr. Cabral Moncada - da velha prática do duelo judiciário, de influência germânica, garantem vários investigadores. Segundo este costume, com o qual a Igreja só conseguiu acabar no séc. XIV, os vizinhos dirimiam entre si os seus direitos pelas armas (no nosso concelho serviam-se do bordão e do escudo, como vimos), dando às suas contestações de direitos pessoais e familiares o carácter de verdadeiras formas de uma justiça privada. Era uma justiça bárbara, na verdade, mas reveladora de coragem e da honra de quem não temia recorrer a ela, na formulação das penas, aparece-nos agora, em Arganil, o conselho dos homens bons, ouvido sempre que têm de ser aplicadas algumas destas, as mais graves.

Do historiador António G. Mattoso, Excertos de "Ligeiras notas para a história do concelho de Arganil". Conferência integrada nos trabalhos do I Congresso Regionalista da Comarca de Arganil. 1960 - Arganil.

Sem comentários: