Estamos no Cimo de Vila, no ponto de ligação da Rua Professor José Lourenço Nogueira - que foi um notável mestre-escola de Arganil da segunda metade do século XIX - com a rua Condessa das Canas, esta dedicada à memória de D. Maria Isabel de Melo Freire de Bulhões, última representante de uma das linhagens mais fidalgas de Arganil.
A morte de D. Maria Isabel, em 1879, sem deixar descendência, significou um golpe decisivo no pouco que restava da velha aristocracia local. Quando o povo da sua terra soube que a Condessa havia deixado quase todos os seus bens à Santa Casa de Misericórdia - assistiu-se, por assim dizer, ao milagre maravilhoso de a ver renascer para sempre no coração agradecido dos conterrâneos... E a partir daí, os arganilenses começaram a olhar a Misericórdia como uma espécie de símbolo institucional da Condessa; dediquemos-lhe então algumas palavras, se bem que forçosamente breves.
No historial desta instituição é conveniente distinguir duas fases: antes e depois do falecimento de D. Maria Isabel. Na primeira, que durou cerca de duzentos anos (de 1674 a 1879), deve ter tido uma existência extremamente difícil, por escassez de meios, circunscrevendo-se a sua acção social, provavelmente e a bem dizer, à pia função de enterrar os mortos pobres; na segunda, porém, uma vez cumprido o "testamento", a Misericórdia iria desenvolver uma acção notabilíssima, que chegou aos nossos dias. Na verdade, ao longo de muitos anos, o povo de Arganil pôde usufruir dum invejável serviço de assistência hospitalar, em edifício próprio e com pessoal técnico privativo - prestado pelo Hospital Condessa das Canas, cujas instalações aqui vemos, no sítio onde outrora se erguia o solar da testadora -, sem prejuízo do fornecimento diário duma refeição aos pobres mais necessitados da vila, e de, a partir de certa data, manter um Asilo para idosos em funcionamento. Há anos, porém, como sabemos, o Hospital foi integrado no Serviço Nacional de Saúde. Entretanto a Misericórdia, para mais dispondo de novas e avultadas dádivas que foi recebendo, entre outras realizações, construiu e pôs a funcionar, em 1988, o Lar de Terceira Idade e Centro de Dia Comendador Cruz Pereira - um benemérito da terra -, e em 92, o complexo Desportivo José Miguel Coimbra - um jovem que perdeu a vida na flor da mocidade, deixando a vila mergulhada em grande consternação -, com piscinas e recinto para jogos diversos, cujas instalações de ambos podem ser vistas daqui (mas que ficam já fora do "centro histórico").
Aludi há pouco à boa qualidade da assistência médica que o Hospital da Misericórdia proporcionou aos moradores do concelho de Arganil ao longo de quase um século. É claro que tal nunca seria possível sem uma grande dedicação do pessoal médico e auxiliar do Hospital. E quem poderia simbolizar melhor essa dedicação que o dr. Fernando Valle (nasceu em 1900), que durante anos ali foi director? Natural é pois que os amigos deste quisessem, há anos, em 1989, perpectuar a memória da sua passagem por Arganil - mandando erigir, à entrada do "pavilhão" do hospital, o busto que temos em frente. É obra do escultor Celestino Alves André que se preocupou, sobretudo, em reproduzir os traços fisionómicos do homenageado; porém, estamos em dizer, que este melhor identificado está nas palavras que descrevem um faceta do seu carácter, e, em boa hora, foram inscritas no respectivo pedestal: são de Miguel Torga, que se refere ao amigo nestes termos:
"Nenhuma prepotência o vergou e desviou do recto caminho cívico da tolerância, da justiça e da liberdade".
Mas Miguel Torga - o médico Adolfo Rocha, como sabemos - deixou o nome ligado ao Hospital de Arganil ainda por outra forma, e em consequência do Hospital lhe ter aberto generosamente as portas em período difícil da sua carreira profissional. O otorrino jamais esqueceria este gesto, e quis recordá-lo, quando deu, por finda essa carreira, oferecendo à Misericórdia o equipamento cirúrgico do seu consultório do Largo da Portagem, em Coimbra. Atitude a que a Santa Casa soube corresponder - reconheçamo-lo -, montando com o material oferecido um pequeno museu no átrio do velho edifício do Hospital, e enriquecendo, por esta forma, com uma "peço" de valor inestimável, o património cultural da vila. É com o maior empenhamento que lhes sugiro uma visita - ainda que forçosamente breve ao "museu" para recordarmos essa ligação a Arganil do grande vulto da cultura portuguesa que Miguel Torga foi.
Ainda na Rua Condessa das Canas temos a Capela da Misericórdia, nome por que é conhecido o templo que vemos, à direita. A circunstância de ficar junto às antigas instalações do solar da Condessa pode levar a supor que terá começado por ser capela do dito solar; mas não: a sua existência deve estar ligada à fundação da Santa Casa, tendo nascido logo como Capela da Misericórdia. Só que, nessa altura, não devia passar dum pequeno templo, o qual, em 1777, iria ser objecto de reconstrução, que lhe terá dado o aspecto que hoje tem.
Na história desta capela há a nota curiosa de haver sido utilizada como instalação logística pelas forças de Welington, aquando das Invasões Francesas.
No quarteirão seguinte depara-se-nos, com o n.º15, o edifício da "Casa do Povo", o qual, aliás, começou por ser construido pela Santa Casa para asilo de velhos indigentes. Nos anos novecentos e trinta, com o edifício ainda por acabar, os "estudantes" da vila (que nesse tempo andavam quase todos em Coimbra), quando vinham passar férias à terra, organizavam bailes que chegaram a atingir certo brilho local: era no "salão do primeiro andar" que esses bailes se faziam. A entrada era então pela actual Rua Armando Nogueira de Carvalho - um arganilense que contribuiu com importantes donativos para a efectivação de vários melhoramentos da vila. Mas a Santa Casa, revendo as contas, decidiu que lhe convinha mais ceder o edifício a quem eventualmente estivesse interessado no seu aproveitamento - o que viria a acontecer à Casa do Povo -, e instalar o asilo numa parte dos baixos de Hospital, como realmente aconteceu.
Roteiro Cultural do Centro Histórico de Arganil
A morte de D. Maria Isabel, em 1879, sem deixar descendência, significou um golpe decisivo no pouco que restava da velha aristocracia local. Quando o povo da sua terra soube que a Condessa havia deixado quase todos os seus bens à Santa Casa de Misericórdia - assistiu-se, por assim dizer, ao milagre maravilhoso de a ver renascer para sempre no coração agradecido dos conterrâneos... E a partir daí, os arganilenses começaram a olhar a Misericórdia como uma espécie de símbolo institucional da Condessa; dediquemos-lhe então algumas palavras, se bem que forçosamente breves.
No historial desta instituição é conveniente distinguir duas fases: antes e depois do falecimento de D. Maria Isabel. Na primeira, que durou cerca de duzentos anos (de 1674 a 1879), deve ter tido uma existência extremamente difícil, por escassez de meios, circunscrevendo-se a sua acção social, provavelmente e a bem dizer, à pia função de enterrar os mortos pobres; na segunda, porém, uma vez cumprido o "testamento", a Misericórdia iria desenvolver uma acção notabilíssima, que chegou aos nossos dias. Na verdade, ao longo de muitos anos, o povo de Arganil pôde usufruir dum invejável serviço de assistência hospitalar, em edifício próprio e com pessoal técnico privativo - prestado pelo Hospital Condessa das Canas, cujas instalações aqui vemos, no sítio onde outrora se erguia o solar da testadora -, sem prejuízo do fornecimento diário duma refeição aos pobres mais necessitados da vila, e de, a partir de certa data, manter um Asilo para idosos em funcionamento. Há anos, porém, como sabemos, o Hospital foi integrado no Serviço Nacional de Saúde. Entretanto a Misericórdia, para mais dispondo de novas e avultadas dádivas que foi recebendo, entre outras realizações, construiu e pôs a funcionar, em 1988, o Lar de Terceira Idade e Centro de Dia Comendador Cruz Pereira - um benemérito da terra -, e em 92, o complexo Desportivo José Miguel Coimbra - um jovem que perdeu a vida na flor da mocidade, deixando a vila mergulhada em grande consternação -, com piscinas e recinto para jogos diversos, cujas instalações de ambos podem ser vistas daqui (mas que ficam já fora do "centro histórico").
Aludi há pouco à boa qualidade da assistência médica que o Hospital da Misericórdia proporcionou aos moradores do concelho de Arganil ao longo de quase um século. É claro que tal nunca seria possível sem uma grande dedicação do pessoal médico e auxiliar do Hospital. E quem poderia simbolizar melhor essa dedicação que o dr. Fernando Valle (nasceu em 1900), que durante anos ali foi director? Natural é pois que os amigos deste quisessem, há anos, em 1989, perpectuar a memória da sua passagem por Arganil - mandando erigir, à entrada do "pavilhão" do hospital, o busto que temos em frente. É obra do escultor Celestino Alves André que se preocupou, sobretudo, em reproduzir os traços fisionómicos do homenageado; porém, estamos em dizer, que este melhor identificado está nas palavras que descrevem um faceta do seu carácter, e, em boa hora, foram inscritas no respectivo pedestal: são de Miguel Torga, que se refere ao amigo nestes termos:
"Nenhuma prepotência o vergou e desviou do recto caminho cívico da tolerância, da justiça e da liberdade".
Mas Miguel Torga - o médico Adolfo Rocha, como sabemos - deixou o nome ligado ao Hospital de Arganil ainda por outra forma, e em consequência do Hospital lhe ter aberto generosamente as portas em período difícil da sua carreira profissional. O otorrino jamais esqueceria este gesto, e quis recordá-lo, quando deu, por finda essa carreira, oferecendo à Misericórdia o equipamento cirúrgico do seu consultório do Largo da Portagem, em Coimbra. Atitude a que a Santa Casa soube corresponder - reconheçamo-lo -, montando com o material oferecido um pequeno museu no átrio do velho edifício do Hospital, e enriquecendo, por esta forma, com uma "peço" de valor inestimável, o património cultural da vila. É com o maior empenhamento que lhes sugiro uma visita - ainda que forçosamente breve ao "museu" para recordarmos essa ligação a Arganil do grande vulto da cultura portuguesa que Miguel Torga foi.
Ainda na Rua Condessa das Canas temos a Capela da Misericórdia, nome por que é conhecido o templo que vemos, à direita. A circunstância de ficar junto às antigas instalações do solar da Condessa pode levar a supor que terá começado por ser capela do dito solar; mas não: a sua existência deve estar ligada à fundação da Santa Casa, tendo nascido logo como Capela da Misericórdia. Só que, nessa altura, não devia passar dum pequeno templo, o qual, em 1777, iria ser objecto de reconstrução, que lhe terá dado o aspecto que hoje tem.
Na história desta capela há a nota curiosa de haver sido utilizada como instalação logística pelas forças de Welington, aquando das Invasões Francesas.
No quarteirão seguinte depara-se-nos, com o n.º15, o edifício da "Casa do Povo", o qual, aliás, começou por ser construido pela Santa Casa para asilo de velhos indigentes. Nos anos novecentos e trinta, com o edifício ainda por acabar, os "estudantes" da vila (que nesse tempo andavam quase todos em Coimbra), quando vinham passar férias à terra, organizavam bailes que chegaram a atingir certo brilho local: era no "salão do primeiro andar" que esses bailes se faziam. A entrada era então pela actual Rua Armando Nogueira de Carvalho - um arganilense que contribuiu com importantes donativos para a efectivação de vários melhoramentos da vila. Mas a Santa Casa, revendo as contas, decidiu que lhe convinha mais ceder o edifício a quem eventualmente estivesse interessado no seu aproveitamento - o que viria a acontecer à Casa do Povo -, e instalar o asilo numa parte dos baixos de Hospital, como realmente aconteceu.
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