Daniel Sampaio "Ninguém se suicida só por ser vítima de bullying"
por Joana Stichini Vilela, Publicado em 10 de Abril de 2010
Trinta minutos. Na Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, em Lisboa, o psiquiatra Daniel Sampaio, 63 anos, recebe o i com o atraso da praxe. Em troca oferece todo o tempo de que necessitarmos. "Não tenho pressa", assegura, de cara lavada, enquanto tira uma caixa de bombons da secretária para a fotografia. "Não pode aparecer assim. Sou muito arrumado."
Ainda não o tinha visto sem barba.
Tirei-a em Outubro. Estava muito branca e pesada. Foram 43 anos.
Mais de metade a escrever livros sobre adolescentes, família e escola. Desde que editou "Droga, Pais e Filhos", em 1978, os jovens mudaram muito?
A socialização é muito diferente. Antes tínhamos uma concepção da adolescência ligada à família e à escola. A internet mudou completamente a maneira como o adolescente se relaciona com os amigos. Ainda não sabemos que repercussão vai ter. Depois há outro problema: a insegurança dos pais. Dos anos 60 aos 90, os pais reagiram ao modelo dos seus próprios pais e tornaram-se muito permissivos. Houve uma perda de autoridade. Foi bom, porque pais e filhos se aproximaram muito. Só que os pais, que eu acho que são os melhores de sempre, passaram a ter muitas dúvidas e inseguranças. E agora têm de mudar a forma como se relacionam com os filhos.
O que têm de mudar?
Não podem esperar que o filho vá ter com eles num sábado à tarde para ter uma conversa séria. A sociedade é muito rápida. Existem muitas questões que devem ser resolvidas no momento. As pessoas dizem que não há tempo. O que é preciso é arranjar novas formas de contactar, que não podem passar por manuais ou coisas estereotipadas. Dou-lhe um exemplo: estou no Facebook. Foram os meus netos que me introduziram.
Fizeram-lhe um convite?
Exactamente. Enviamos mensagens uns aos outros, eu advirto para alguns perigos. Não deviam ter posto as fotografias deles, por exemplo. Têm dez anos.
Sabe que em teoria não têm idade para estar no Facebook?
Em teoria, diz bem. Essa é uma das características da sociedade actual. São os pais que têm de proibir ou não. Se entraram, o que é altamente discutível, é bom que os adultos acompanhem. Se os adultos proíbem, eles fazem às escondidas.
Quantas vezes vai ao Facebook por dia?
A minha página tem 15 dias. Vou de dois em dois dias.
E tem muitos amigos?
41.
Aceita convites de amizade?
Com algum critério. Mas tenho um site e recebo uma média de 70 emails por dia, de jovens com problemas pessoais a pais com problemas com os filhos... Gasto entre uma e duas horas por dia a responder-lhes. Não me deito sem o fazer.
Passando para a actualidade. Existe de facto bullying em Portugal?
Claro. Como sempre existiu. O bullying é uma violência caracterizada por comportamentos de humilhação e de provocação em relação ao aluno. Nos anos 60, estava no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, e havia bullying. Mas não se estudavam essas questões e não se valorizava. Havia a noção de que as pessoas tinham de se desenrascar. Lembro-me de um jovem homossexual que era vítima de humilhações sistemáticas na casa de banho e no pátio. Hoje, felizmente, acha-se que as pessoas frágeis devem ser protegidas. Porque violência sempre haverá na escola. Isso é uma utopia dos anos 60.
Mas não faz parte do crescimento aprender a lidar com as dificuldades?
É verdade.
Então qual é o limite?
Há uma diferença entre um comportamento que pode ser episodicamente violento - que até é saudável, porque é importante que as pessoas aprendam a desembaraçar-se - e um comportamento de humilhação e provocação sistemático.
Há quem defenda que superar situações de provocação pode fazer da vítima um adulto mais forte.
Isso tem a ver com o perfil da vítima. Há quem saiba reagir e quem se vitimize: pessoas depressivas, inseguras. Mas os agressores também precisam de ajuda. É errado pensar que o problema se resolve punindo os agressores.
Nos EUA, nove jovens estão a ser investigados no caso de uma adolescente que se suicidou-se por ser vítima de bullying.
Isso nunca é bem assim. A pessoa nunca se suicida só porque é vítima de bullying. Há múltiplas causas que num determinado momento se somam. Por exemplo, temos a escola de Fitares e o professor que se suicidou, vítima - escreveram indecentemente os seus colegas do "Público" - da turma do 9.oB. Não se pode escrever isto. Primeiro porque houve pessoas da turma do 9.oB que não tiveram nada a ver com isso. Depois, o professor - que de certeza que sofria muita pressão dos alunos, ao ponto de escrever isso no computador - era doente psiquiátrico, estava em depressão, tinha 50 e tal anos e vivia com os pais.
Ao longo destes 20 anos, a sua forma de olhar os adolescentes mudou?
Claro que mudou. Primeiro porque vou envelhecendo. Às vezes olham-me como um avozinho. Mas isso não faz mal. Quero estar de acordo com a minha idade. Nunca uso calão juvenil nem permito que o usem comigo.
Em "Vozes e Ruídos" defende que temos de usar a linguagem dos jovens e um capítulo chama-se "Bute Falar".
Sim... Isso em 93. Já não uso esse tipo de linguagem. Em 94, quando escrevi "Inventem-se Novos Pais", era importante dizer aos pais "oiçam os adolescentes". Em 2010, os adolescentes já têm a sua voz. O essencial é dizer "atenção, os pais precisam de ajuda e estão inseguros". Há situações preocupantes, em que os adolescentes comandam a vida familiar. Houve muita permissividade.
Quando deixa de haver espaço para negociação e é preciso ser autoritário?
Uma família não é uma estrutura democrática tradicional. Há um momento em que é preciso decidir, e quem decide é o adulto. É fundamental que decida sobretudo nas questões de saúde e de segurança. Se um pai sabe que o filho frequenta um grupo onde há drogas, qualquer tipo de droga, deve proibir de forma clara. O adolescente pode desobedecer, mas vai fazê-lo com a proibição dos pais na cabeça. O grande problema das famílias é que os jovens não sabem se estão a transgredir, porque não há regras.
Que tipo de adultos serão?
Isto traz consequências a nível da frustração e a nível moral. A educação deve ter uma dimensão de frustração, que é "tu não podes ter tudo quanto queres". Qualquer aprendizagem exige esforço. Não se deve desistir à mínima coisa. Aprendi isso com os meus pais, que não admitiam que faltássemos à escola, a não ser que estivéssemos mesmo doentes. Era o nosso dever. E depois é importante a chamada educação para os valores: aquilo que eu pai e eu mãe achamos que é importante para ti nesta família.
A conduta dos pais é responsável pela conduta dos filhos?
Não. Os pais são determinantes, mas não são os únicos responsáveis. Devemos dizer às crianças e aos adolescentes que eles são responsáveis pelos próprios actos de acordo com a sua idade. Uma criança de um ano não pode decidir a sua vida, mas pode arrumar os brinquedos.
Há regras infalíveis para ser um bom pai ou uma boa mãe?
Há duas coisas. Primeira, falar com outros pais. "Como é que o meu vizinho que tem um filho adolescente resolveu a questão de a namorada dormir lá em casa?" Posso ter dificuldade em resolver questões de sexualidade, mas ser competente em questões de segurança. Então troco experiências. Depois, reconhecer aquilo que os meus pais e avós fizeram. A nossa identidade é feita da nossa genética. Por exemplo, o meu avô paterno, quando o meu pai teve uma má nota, achou que ele devia deixar de estudar e ir trabalhar. Houve um tio, que por acaso era padre, que achou que o meu pai devia continuar a estudar. O meu pai veio a ser um médico de algum destaque. Qual é a lição? Quando tenho uma dúvida com os meus filhos devo ouvir outras pessoas. A história da nossa família dá-nos pistas para as soluções que temos de encontrar para os problemas.
Fez isso com os seus filhos?
Fiz isso, mas devia ter feito mais. Só quando escrevi "A Razão dos Avós", em 2008, percebi a verdadeira importância disso.
Teria mudado a sua forma de decidir?
Sim. Não lhe quero dar exemplos concretos dos meus filhos, mas houve tomei decisões dominado pelas minhas emoções e não por estratégias pensadas. Os pais devem ter contacto com as suas emoções, mas ser racionais. Quando não sabem o que fazer, podem pedir aos filhos que esperem dez minutos ou um dia. E vão falar com outros pais e pensar como resolveriam os pais e os avós uma dificuldade semelhante. Uma família isolada é uma família com problemas.
Tendemos a olhar para si como autor de livros, pessoa que não tem dúvidas.
Tenho imensas dúvidas. A comunicação na família é a coisa mais importante. A reflexão funciona. Muito mais do que ler um livro do Daniel Sampaio. Eu tive uma avó que foi muito importante para mim.
De que forma foi a sua avó importante?
Tinha uma grande suavidade na maneira de dizer as coisas. Nunca se zangava. Apontava-me caminhos, dando-me uma enorme liberdade. Eu com dez anos andava muito sozinho em Sintra e em Lisboa. Hoje já não é possível, porque os pais estão aterrorizados com a insegurança. Tenho imensa pena dos meninos que vêem a cidade pelos vidros dos carros dos pais, como os meus netos. A minha avó foi decisiva na minha formação. Mais que os meus pais. Vivi com ela três anos fundamentais da minha vida, dos dez aos 13 anos.
De facto as crianças não podem andar sozinhas ou os pais exageram?
Essa é a pergunta mais difícil que fez até agora. As cidades não são seguras. Na altura eram. Mas acho que os pais exageram. Têm uma paranóia securitária, estão sempre a pensar em coisas horríveis que podem acontecer e não deixam as crianças com dez e 11 anos atravessar a rua. E depois, extraordinariamente, aos 15 anos deixam-nos sair à noite até às seis da manhã. Quer dizer, não as prepararam para vencer as dificuldades do dia-a-dia. Depois, de repente, entram na adolescência, consomem álcool e drogas e não há nenhum controlo. Tenho um exemplo de um rapaz que sigo. Trabalho ao pé da escola secundária onde anda. Fiquei de lhe arranjar uns apontamentos. E esse menino, que tem 15 anos e sai à noite para as discotecas, não atravessou duas ruas para os ir buscar a minha casa. O pai teve de largar o emprego para ir a minha casa buscá-los. Os pais não têm firmeza para dizer "tu não deves sair antes dos 16 anos".
Os 16 anos são a altura certa?
Estou completamente de acordo com o limite legal, que não é cumprido por ninguém. É uma hipocrisia.
E para o início da actividade sexual, também há uma idade indicada?
Não existe, mas sabe-se que não deve ser cedo sobretudo nas raparigas porque a maturação do útero depois da primeira menstruação demora algum tempo. Não há uma idade certa. Os adolescentes são muito diferentes, mas eu diria que antes dos 15, 16 anos não faz sentido. A sexualidade é uma coisa boa, mas deve ser associada à responsabilidade.
O interesse profissional pela área da adolescência teve a ver com a sua?
Não. Fui para Psiquiatria influenciado por uma professora de Filosofia do Pedro Nunes. Quando andava no secundário não sabia o que seguir. Gostava muito de Letras. Já na altura tinha a mania de escrever. Ainda pensei seguir Línguas e ser professor. Político acho que só deve haver um por família. Depois tive como professora de Filosofia a Dr.a Maria Luísa Guerra, que me deu Filosofia de uma maneira muito especial e disse que eu devia ir para Psicologia. Ainda hoje converso com ela. Tem 80 anos. Aí contou um bocadinho ter um pai médico. O curso de Psicologia estava no início.
E ela tinha razão?
Gosto muito do que faço. Não penso reformar-me. Acho que é coisa péssima... Ainda não falámos do Sporting! É um mito, não lhe dou assim tanta importância.
Não diz isso só este ano, que o campeonato não está a correr bem?
Não. Tenho muita simpatia pelo Sporting. Sou sócio de lugar cativo. Vibro quando ganha. Mas, muito sinceramente, não fico triste quando perde.
Pode ser uma questão de habituação...
Talvez. Talvez contribua. Mas acho que se dá demasiada importância ao futebol e à discussão do pormenor. Gosto mais de gatos que de futebol.
Gosta tanto de brincar com gatos que até diz isso no seu site. Porquê?
Fascinam-me. Sempre tive gatos. A minha avó adorava gatos. A minha mãe também. Na casa de Sintra tínhamos um pequeno jardim onde sempre houve gatos. Agora não tenho porque há muito pouco tempo morreu um que eu adorava e fiquei um bocado mal. Era o Gonçalo.
O que o fascina neles?
Conhecem o dono que os trata bem. Não são submissos - detesto a submissão do cão, que lambe a mão ao dono que lhe bate. Depois têm uma agilidade muito grande. Gosto mesmo muito de brincar com gatos. E pode escrever que gosto mais de gatos que do Sporting, embora goste muito do Sporting, e, como a maior parte dos sportinguistas, não goste muito do Benfica.
Acha que há um perfil psicológico do adepto de cada um dos grandes?
O Sporting tem tido objectivamente muito azar. Depois, é um clube um bocadinho elitista, foi fundado por um visconde. Por isso percebo que o Benfica exerça mais fascínio sobre as pessoas. O Sporting é um clube onde se cultiva a frustração, o que é uma coisa boa. As pessoas são muito amigas umas das outras, habituam-se a comentar as frustrações. Acho que é educativo. Mas é difícil explicar aos meus netos, que são todos sportinguistas, que não se deve mudar de clube porque ele perde ou ganha poucas vezes. É a escola da vida.
Se tivesse filhos pequenos agora, educá-los-ia de uma forma diferente?
Sim, claro. Uma das coisas é o tempo que lhe dediquei. Sou casado com uma médica e nós tínhamos muitíssimo trabalho, estava quase sempre um de urgência. Depois, na adolescência deles, acho que foi uma época extraordinária, porque eu gostei muito. Foi muito difícil...
Para si ou para os seus filhos?
Essa é outra crença falsa. A adolescência é uma época difícil para os pais.
Também é difícil para os adolescentes.
Para alguns. Se observar um grupo, vê que eles se divertem imenso. Os problemáticos são uma minoria.
Porque é difícil para os pais?
Porque exige uma grande dose de equilíbrio entre a autonomia que temos de dar ao adolescente e o controlo que temos de exercer. Acho que de forma geral consegui fazê-lo, mas nem sempre. Precisaria de ter estado mais disponível em momentos importantes da vida dos meus filhos. A nossa vida organiza-se demasiado à volta do trabalho.
Numa entrevista dizia que tinha tido o privilégio de se dar com crianças de todos os estratos sociais.
Porque andei numa escola pública.
Hoje punha os seus filhos numa?
Os meus filhos andaram na escola pública a partir do 7.o ano. Antes andaram no Colégio Moderno. Agora faria a mudança um pouco mais cedo, no 5.o ano. Apesar de tudo, a escola privada dá maior protecção às crianças muito pequenas. A escola pública é uma escola de vida. Na escola, em Sintra, sendo eu filho de médico, era considerado um menino bem. Fui gozado porque era o filho do médico. Havia o filho do médico de clínica geral, que era o meu pai, e o filho do médico dentista. Depois havia o filho do sapateiro, do electricista. Isso foi muito importante para perceber as diferenças que havia e para me desembaraçar.
Entre a experiência de vida que uma escola pública dará e a suposta qualidade de ensino de um colégio, o que é mais importante?
A qualidade de ensino é altamente contestável. Já há escolas privadas com muitos problemas de indisciplina e turmas muito grandes. Os estudos estão por fazer. E há escolas públicas com muita qualidade. Sou um grande defensor da escola pública, justamente pela diversidade. O meu filho mais velho, quando mudou do colégio para a Escola Secundária de Benfica, disse, "eu era dos mais pobres e agora sou dos mais ricos". Foi muito importante para ele. A heterogeneidade da escola pública é uma riqueza.
Que tipo de adolescente foi?
Muito contemplativo. Tinha a mania que ia ser escritor. Pertencia a uma coisa que se chamava Comissão para a Associação dos Liceus, um movimento liceal que era proibido, onde estavam pessoas como o Fernando Rosas, o Roberto Carneiro. Contestámos o regime, fizemos um jornal proibido. Era um adolescente muito sério. Mas também namorei...
Era muito namoradeiro?
Não muito. Tive várias namoradas. Mas era muito interventivo. Isso é um traço da minha família. Vem dos meus pais. Os serões eram passados a discutir temas. Apesar dos sete anos de diferença em relação ao meu irmão [o ex-Presidente da República Jorge Sampaio], a minha opinião era muito reconhecida. Os meus pais perguntavam-me o que pensava sobre como se devia organizar a família, o que achava da situação política...
Era um privilégio.
Um enorme privilégio. Fomentavam a educação livre. E não foi por a minha mãe ter estado em Inglaterra, como se dizia nos jornais na altura em que o meu irmão foi Presidente. Era tradição dos meus pais terem grande respeito pela opinião das pessoas. Cultivavam a polémica. Mesmo quando iam lá amigos deles. Nós estávamos habituados a isso. A certa altura a minha mãe dizia, "good night, 'till tomorrow" e eu ia para a cama.
Havia muitas regras?
Havia muitas regras, mas havia uma autoridade natural. Tive uma época em que era muito contestatário e chegava a casa tarde. Ficava em casa do Ruben de Carvalho a cantar canções revolucionárias até às tantas. Tinha 17 anos. Eles achavam péssimo.
Cresceu com pessoas que são figuras de relevo na nossa sociedade: Ruben de Carvalho, Roberto Carneiro...
Mega Ferreira, que é um bocadinho mais novo, mas a quem guardava lugar no comboio. Eu morava em Sintra, ele no Algueirão. E eu e o José Luís Pinto Ramalho, que é o actual chefe do Estado-Maior do Exército, entrávamos em Sintra, pegávamos nas nossas pastas e púnhamo-las em cima do lugar para o Mega Ferreira. Tínhamos 11, 12 anos. As pessoas ficavam furiosas. E nós dizíamos, "está ocupado, está ocupado". Quando chegávamos ao Algueirão, o Mega, que era pequenino, vinha a correr e sentava-se nesse lugar. Conhecemo-nos no Pedro Nunes.
Também cresceu com António Lobo Antunes.
Isso foi mais tarde. As nossas famílias eram conhecidas. Passávamos férias na Praia das Maçãs. Ele descreve isso nos livros dele. Encontrávamo-nos na praia. Estava sempre frio, por isso às vezes ficávamos sentados na areia com as cartas ou a conversar. O meu irmão montava exércitos e fazia guerras com soldados de chumbo. O António ficava a observar. Mas só ficamos íntimos no internato de psiquiatria. Ele veio da Guerra Colonial e foi fazer o internato ao mesmo tempo que eu.
Com o seu irmão, como se dava?
Por causa dos sete anos de diferença nunca tivemos uma relação muito íntima. É mais íntima agora.
É verdade que ao sábado tomam sempre o pequeno-almoço juntos?
Ao qual se junta agora o Francisco George, o director-geral da Saúde, nosso vizinho. Eu e o meu irmão moramos na Rua Padre António Vieira, um ao lado do outro, com um prédio de intervalo. Há muito tempo que temos o hábito de tomar o pequeno-almoço na Pastelaria Ritz, ao pé do [Liceu] Maria Amália. Normalmente entre as 10h e as 11h30 estamos ali a conversar. Fazemos a revisão da semana. As vezes as nossas mulheres vão lá ter, mas só mais tarde. Aquele momento é de nós os três.
por Joana Stichini Vilela, Publicado em 10 de Abril de 2010
Trinta minutos. Na Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, em Lisboa, o psiquiatra Daniel Sampaio, 63 anos, recebe o i com o atraso da praxe. Em troca oferece todo o tempo de que necessitarmos. "Não tenho pressa", assegura, de cara lavada, enquanto tira uma caixa de bombons da secretária para a fotografia. "Não pode aparecer assim. Sou muito arrumado."
Ainda não o tinha visto sem barba.
Tirei-a em Outubro. Estava muito branca e pesada. Foram 43 anos.
Mais de metade a escrever livros sobre adolescentes, família e escola. Desde que editou "Droga, Pais e Filhos", em 1978, os jovens mudaram muito?
A socialização é muito diferente. Antes tínhamos uma concepção da adolescência ligada à família e à escola. A internet mudou completamente a maneira como o adolescente se relaciona com os amigos. Ainda não sabemos que repercussão vai ter. Depois há outro problema: a insegurança dos pais. Dos anos 60 aos 90, os pais reagiram ao modelo dos seus próprios pais e tornaram-se muito permissivos. Houve uma perda de autoridade. Foi bom, porque pais e filhos se aproximaram muito. Só que os pais, que eu acho que são os melhores de sempre, passaram a ter muitas dúvidas e inseguranças. E agora têm de mudar a forma como se relacionam com os filhos.
O que têm de mudar?
Não podem esperar que o filho vá ter com eles num sábado à tarde para ter uma conversa séria. A sociedade é muito rápida. Existem muitas questões que devem ser resolvidas no momento. As pessoas dizem que não há tempo. O que é preciso é arranjar novas formas de contactar, que não podem passar por manuais ou coisas estereotipadas. Dou-lhe um exemplo: estou no Facebook. Foram os meus netos que me introduziram.
Fizeram-lhe um convite?
Exactamente. Enviamos mensagens uns aos outros, eu advirto para alguns perigos. Não deviam ter posto as fotografias deles, por exemplo. Têm dez anos.
Sabe que em teoria não têm idade para estar no Facebook?
Em teoria, diz bem. Essa é uma das características da sociedade actual. São os pais que têm de proibir ou não. Se entraram, o que é altamente discutível, é bom que os adultos acompanhem. Se os adultos proíbem, eles fazem às escondidas.
Quantas vezes vai ao Facebook por dia?
A minha página tem 15 dias. Vou de dois em dois dias.
E tem muitos amigos?
41.
Aceita convites de amizade?
Com algum critério. Mas tenho um site e recebo uma média de 70 emails por dia, de jovens com problemas pessoais a pais com problemas com os filhos... Gasto entre uma e duas horas por dia a responder-lhes. Não me deito sem o fazer.
Passando para a actualidade. Existe de facto bullying em Portugal?
Claro. Como sempre existiu. O bullying é uma violência caracterizada por comportamentos de humilhação e de provocação em relação ao aluno. Nos anos 60, estava no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, e havia bullying. Mas não se estudavam essas questões e não se valorizava. Havia a noção de que as pessoas tinham de se desenrascar. Lembro-me de um jovem homossexual que era vítima de humilhações sistemáticas na casa de banho e no pátio. Hoje, felizmente, acha-se que as pessoas frágeis devem ser protegidas. Porque violência sempre haverá na escola. Isso é uma utopia dos anos 60.
Mas não faz parte do crescimento aprender a lidar com as dificuldades?
É verdade.
Então qual é o limite?
Há uma diferença entre um comportamento que pode ser episodicamente violento - que até é saudável, porque é importante que as pessoas aprendam a desembaraçar-se - e um comportamento de humilhação e provocação sistemático.
Há quem defenda que superar situações de provocação pode fazer da vítima um adulto mais forte.
Isso tem a ver com o perfil da vítima. Há quem saiba reagir e quem se vitimize: pessoas depressivas, inseguras. Mas os agressores também precisam de ajuda. É errado pensar que o problema se resolve punindo os agressores.
Nos EUA, nove jovens estão a ser investigados no caso de uma adolescente que se suicidou-se por ser vítima de bullying.
Isso nunca é bem assim. A pessoa nunca se suicida só porque é vítima de bullying. Há múltiplas causas que num determinado momento se somam. Por exemplo, temos a escola de Fitares e o professor que se suicidou, vítima - escreveram indecentemente os seus colegas do "Público" - da turma do 9.oB. Não se pode escrever isto. Primeiro porque houve pessoas da turma do 9.oB que não tiveram nada a ver com isso. Depois, o professor - que de certeza que sofria muita pressão dos alunos, ao ponto de escrever isso no computador - era doente psiquiátrico, estava em depressão, tinha 50 e tal anos e vivia com os pais.
Ao longo destes 20 anos, a sua forma de olhar os adolescentes mudou?
Claro que mudou. Primeiro porque vou envelhecendo. Às vezes olham-me como um avozinho. Mas isso não faz mal. Quero estar de acordo com a minha idade. Nunca uso calão juvenil nem permito que o usem comigo.
Em "Vozes e Ruídos" defende que temos de usar a linguagem dos jovens e um capítulo chama-se "Bute Falar".
Sim... Isso em 93. Já não uso esse tipo de linguagem. Em 94, quando escrevi "Inventem-se Novos Pais", era importante dizer aos pais "oiçam os adolescentes". Em 2010, os adolescentes já têm a sua voz. O essencial é dizer "atenção, os pais precisam de ajuda e estão inseguros". Há situações preocupantes, em que os adolescentes comandam a vida familiar. Houve muita permissividade.
Quando deixa de haver espaço para negociação e é preciso ser autoritário?
Uma família não é uma estrutura democrática tradicional. Há um momento em que é preciso decidir, e quem decide é o adulto. É fundamental que decida sobretudo nas questões de saúde e de segurança. Se um pai sabe que o filho frequenta um grupo onde há drogas, qualquer tipo de droga, deve proibir de forma clara. O adolescente pode desobedecer, mas vai fazê-lo com a proibição dos pais na cabeça. O grande problema das famílias é que os jovens não sabem se estão a transgredir, porque não há regras.
Que tipo de adultos serão?
Isto traz consequências a nível da frustração e a nível moral. A educação deve ter uma dimensão de frustração, que é "tu não podes ter tudo quanto queres". Qualquer aprendizagem exige esforço. Não se deve desistir à mínima coisa. Aprendi isso com os meus pais, que não admitiam que faltássemos à escola, a não ser que estivéssemos mesmo doentes. Era o nosso dever. E depois é importante a chamada educação para os valores: aquilo que eu pai e eu mãe achamos que é importante para ti nesta família.
A conduta dos pais é responsável pela conduta dos filhos?
Não. Os pais são determinantes, mas não são os únicos responsáveis. Devemos dizer às crianças e aos adolescentes que eles são responsáveis pelos próprios actos de acordo com a sua idade. Uma criança de um ano não pode decidir a sua vida, mas pode arrumar os brinquedos.
Há regras infalíveis para ser um bom pai ou uma boa mãe?
Há duas coisas. Primeira, falar com outros pais. "Como é que o meu vizinho que tem um filho adolescente resolveu a questão de a namorada dormir lá em casa?" Posso ter dificuldade em resolver questões de sexualidade, mas ser competente em questões de segurança. Então troco experiências. Depois, reconhecer aquilo que os meus pais e avós fizeram. A nossa identidade é feita da nossa genética. Por exemplo, o meu avô paterno, quando o meu pai teve uma má nota, achou que ele devia deixar de estudar e ir trabalhar. Houve um tio, que por acaso era padre, que achou que o meu pai devia continuar a estudar. O meu pai veio a ser um médico de algum destaque. Qual é a lição? Quando tenho uma dúvida com os meus filhos devo ouvir outras pessoas. A história da nossa família dá-nos pistas para as soluções que temos de encontrar para os problemas.
Fez isso com os seus filhos?
Fiz isso, mas devia ter feito mais. Só quando escrevi "A Razão dos Avós", em 2008, percebi a verdadeira importância disso.
Teria mudado a sua forma de decidir?
Sim. Não lhe quero dar exemplos concretos dos meus filhos, mas houve tomei decisões dominado pelas minhas emoções e não por estratégias pensadas. Os pais devem ter contacto com as suas emoções, mas ser racionais. Quando não sabem o que fazer, podem pedir aos filhos que esperem dez minutos ou um dia. E vão falar com outros pais e pensar como resolveriam os pais e os avós uma dificuldade semelhante. Uma família isolada é uma família com problemas.
Tendemos a olhar para si como autor de livros, pessoa que não tem dúvidas.
Tenho imensas dúvidas. A comunicação na família é a coisa mais importante. A reflexão funciona. Muito mais do que ler um livro do Daniel Sampaio. Eu tive uma avó que foi muito importante para mim.
De que forma foi a sua avó importante?
Tinha uma grande suavidade na maneira de dizer as coisas. Nunca se zangava. Apontava-me caminhos, dando-me uma enorme liberdade. Eu com dez anos andava muito sozinho em Sintra e em Lisboa. Hoje já não é possível, porque os pais estão aterrorizados com a insegurança. Tenho imensa pena dos meninos que vêem a cidade pelos vidros dos carros dos pais, como os meus netos. A minha avó foi decisiva na minha formação. Mais que os meus pais. Vivi com ela três anos fundamentais da minha vida, dos dez aos 13 anos.
De facto as crianças não podem andar sozinhas ou os pais exageram?
Essa é a pergunta mais difícil que fez até agora. As cidades não são seguras. Na altura eram. Mas acho que os pais exageram. Têm uma paranóia securitária, estão sempre a pensar em coisas horríveis que podem acontecer e não deixam as crianças com dez e 11 anos atravessar a rua. E depois, extraordinariamente, aos 15 anos deixam-nos sair à noite até às seis da manhã. Quer dizer, não as prepararam para vencer as dificuldades do dia-a-dia. Depois, de repente, entram na adolescência, consomem álcool e drogas e não há nenhum controlo. Tenho um exemplo de um rapaz que sigo. Trabalho ao pé da escola secundária onde anda. Fiquei de lhe arranjar uns apontamentos. E esse menino, que tem 15 anos e sai à noite para as discotecas, não atravessou duas ruas para os ir buscar a minha casa. O pai teve de largar o emprego para ir a minha casa buscá-los. Os pais não têm firmeza para dizer "tu não deves sair antes dos 16 anos".
Os 16 anos são a altura certa?
Estou completamente de acordo com o limite legal, que não é cumprido por ninguém. É uma hipocrisia.
E para o início da actividade sexual, também há uma idade indicada?
Não existe, mas sabe-se que não deve ser cedo sobretudo nas raparigas porque a maturação do útero depois da primeira menstruação demora algum tempo. Não há uma idade certa. Os adolescentes são muito diferentes, mas eu diria que antes dos 15, 16 anos não faz sentido. A sexualidade é uma coisa boa, mas deve ser associada à responsabilidade.
O interesse profissional pela área da adolescência teve a ver com a sua?
Não. Fui para Psiquiatria influenciado por uma professora de Filosofia do Pedro Nunes. Quando andava no secundário não sabia o que seguir. Gostava muito de Letras. Já na altura tinha a mania de escrever. Ainda pensei seguir Línguas e ser professor. Político acho que só deve haver um por família. Depois tive como professora de Filosofia a Dr.a Maria Luísa Guerra, que me deu Filosofia de uma maneira muito especial e disse que eu devia ir para Psicologia. Ainda hoje converso com ela. Tem 80 anos. Aí contou um bocadinho ter um pai médico. O curso de Psicologia estava no início.
E ela tinha razão?
Gosto muito do que faço. Não penso reformar-me. Acho que é coisa péssima... Ainda não falámos do Sporting! É um mito, não lhe dou assim tanta importância.
Não diz isso só este ano, que o campeonato não está a correr bem?
Não. Tenho muita simpatia pelo Sporting. Sou sócio de lugar cativo. Vibro quando ganha. Mas, muito sinceramente, não fico triste quando perde.
Pode ser uma questão de habituação...
Talvez. Talvez contribua. Mas acho que se dá demasiada importância ao futebol e à discussão do pormenor. Gosto mais de gatos que de futebol.
Gosta tanto de brincar com gatos que até diz isso no seu site. Porquê?
Fascinam-me. Sempre tive gatos. A minha avó adorava gatos. A minha mãe também. Na casa de Sintra tínhamos um pequeno jardim onde sempre houve gatos. Agora não tenho porque há muito pouco tempo morreu um que eu adorava e fiquei um bocado mal. Era o Gonçalo.
O que o fascina neles?
Conhecem o dono que os trata bem. Não são submissos - detesto a submissão do cão, que lambe a mão ao dono que lhe bate. Depois têm uma agilidade muito grande. Gosto mesmo muito de brincar com gatos. E pode escrever que gosto mais de gatos que do Sporting, embora goste muito do Sporting, e, como a maior parte dos sportinguistas, não goste muito do Benfica.
Acha que há um perfil psicológico do adepto de cada um dos grandes?
O Sporting tem tido objectivamente muito azar. Depois, é um clube um bocadinho elitista, foi fundado por um visconde. Por isso percebo que o Benfica exerça mais fascínio sobre as pessoas. O Sporting é um clube onde se cultiva a frustração, o que é uma coisa boa. As pessoas são muito amigas umas das outras, habituam-se a comentar as frustrações. Acho que é educativo. Mas é difícil explicar aos meus netos, que são todos sportinguistas, que não se deve mudar de clube porque ele perde ou ganha poucas vezes. É a escola da vida.
Se tivesse filhos pequenos agora, educá-los-ia de uma forma diferente?
Sim, claro. Uma das coisas é o tempo que lhe dediquei. Sou casado com uma médica e nós tínhamos muitíssimo trabalho, estava quase sempre um de urgência. Depois, na adolescência deles, acho que foi uma época extraordinária, porque eu gostei muito. Foi muito difícil...
Para si ou para os seus filhos?
Essa é outra crença falsa. A adolescência é uma época difícil para os pais.
Também é difícil para os adolescentes.
Para alguns. Se observar um grupo, vê que eles se divertem imenso. Os problemáticos são uma minoria.
Porque é difícil para os pais?
Porque exige uma grande dose de equilíbrio entre a autonomia que temos de dar ao adolescente e o controlo que temos de exercer. Acho que de forma geral consegui fazê-lo, mas nem sempre. Precisaria de ter estado mais disponível em momentos importantes da vida dos meus filhos. A nossa vida organiza-se demasiado à volta do trabalho.
Numa entrevista dizia que tinha tido o privilégio de se dar com crianças de todos os estratos sociais.
Porque andei numa escola pública.
Hoje punha os seus filhos numa?
Os meus filhos andaram na escola pública a partir do 7.o ano. Antes andaram no Colégio Moderno. Agora faria a mudança um pouco mais cedo, no 5.o ano. Apesar de tudo, a escola privada dá maior protecção às crianças muito pequenas. A escola pública é uma escola de vida. Na escola, em Sintra, sendo eu filho de médico, era considerado um menino bem. Fui gozado porque era o filho do médico. Havia o filho do médico de clínica geral, que era o meu pai, e o filho do médico dentista. Depois havia o filho do sapateiro, do electricista. Isso foi muito importante para perceber as diferenças que havia e para me desembaraçar.
Entre a experiência de vida que uma escola pública dará e a suposta qualidade de ensino de um colégio, o que é mais importante?
A qualidade de ensino é altamente contestável. Já há escolas privadas com muitos problemas de indisciplina e turmas muito grandes. Os estudos estão por fazer. E há escolas públicas com muita qualidade. Sou um grande defensor da escola pública, justamente pela diversidade. O meu filho mais velho, quando mudou do colégio para a Escola Secundária de Benfica, disse, "eu era dos mais pobres e agora sou dos mais ricos". Foi muito importante para ele. A heterogeneidade da escola pública é uma riqueza.
Que tipo de adolescente foi?
Muito contemplativo. Tinha a mania que ia ser escritor. Pertencia a uma coisa que se chamava Comissão para a Associação dos Liceus, um movimento liceal que era proibido, onde estavam pessoas como o Fernando Rosas, o Roberto Carneiro. Contestámos o regime, fizemos um jornal proibido. Era um adolescente muito sério. Mas também namorei...
Era muito namoradeiro?
Não muito. Tive várias namoradas. Mas era muito interventivo. Isso é um traço da minha família. Vem dos meus pais. Os serões eram passados a discutir temas. Apesar dos sete anos de diferença em relação ao meu irmão [o ex-Presidente da República Jorge Sampaio], a minha opinião era muito reconhecida. Os meus pais perguntavam-me o que pensava sobre como se devia organizar a família, o que achava da situação política...
Era um privilégio.
Um enorme privilégio. Fomentavam a educação livre. E não foi por a minha mãe ter estado em Inglaterra, como se dizia nos jornais na altura em que o meu irmão foi Presidente. Era tradição dos meus pais terem grande respeito pela opinião das pessoas. Cultivavam a polémica. Mesmo quando iam lá amigos deles. Nós estávamos habituados a isso. A certa altura a minha mãe dizia, "good night, 'till tomorrow" e eu ia para a cama.
Havia muitas regras?
Havia muitas regras, mas havia uma autoridade natural. Tive uma época em que era muito contestatário e chegava a casa tarde. Ficava em casa do Ruben de Carvalho a cantar canções revolucionárias até às tantas. Tinha 17 anos. Eles achavam péssimo.
Cresceu com pessoas que são figuras de relevo na nossa sociedade: Ruben de Carvalho, Roberto Carneiro...
Mega Ferreira, que é um bocadinho mais novo, mas a quem guardava lugar no comboio. Eu morava em Sintra, ele no Algueirão. E eu e o José Luís Pinto Ramalho, que é o actual chefe do Estado-Maior do Exército, entrávamos em Sintra, pegávamos nas nossas pastas e púnhamo-las em cima do lugar para o Mega Ferreira. Tínhamos 11, 12 anos. As pessoas ficavam furiosas. E nós dizíamos, "está ocupado, está ocupado". Quando chegávamos ao Algueirão, o Mega, que era pequenino, vinha a correr e sentava-se nesse lugar. Conhecemo-nos no Pedro Nunes.
Também cresceu com António Lobo Antunes.
Isso foi mais tarde. As nossas famílias eram conhecidas. Passávamos férias na Praia das Maçãs. Ele descreve isso nos livros dele. Encontrávamo-nos na praia. Estava sempre frio, por isso às vezes ficávamos sentados na areia com as cartas ou a conversar. O meu irmão montava exércitos e fazia guerras com soldados de chumbo. O António ficava a observar. Mas só ficamos íntimos no internato de psiquiatria. Ele veio da Guerra Colonial e foi fazer o internato ao mesmo tempo que eu.
Com o seu irmão, como se dava?
Por causa dos sete anos de diferença nunca tivemos uma relação muito íntima. É mais íntima agora.
É verdade que ao sábado tomam sempre o pequeno-almoço juntos?
Ao qual se junta agora o Francisco George, o director-geral da Saúde, nosso vizinho. Eu e o meu irmão moramos na Rua Padre António Vieira, um ao lado do outro, com um prédio de intervalo. Há muito tempo que temos o hábito de tomar o pequeno-almoço na Pastelaria Ritz, ao pé do [Liceu] Maria Amália. Normalmente entre as 10h e as 11h30 estamos ali a conversar. Fazemos a revisão da semana. As vezes as nossas mulheres vão lá ter, mas só mais tarde. Aquele momento é de nós os três.
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