UMA das teorias mais recentes do Urbanismo e da Organização Territorial é a que vem exalçar as virtudes das cidades médias. Razões: as cidades grandes são insuportáveis, pelo bulício infernal, pela poluição do ar, pelas longas filas de trânsito, pelo stress contínuo, enfim por tantos excessos e tantas falhas... Logo, importará que as médias se afirmem, se tornem mais atractivas e sejam mais apoiadas pelo poder.
Mas, o certo é que também as cidades médias comportam, por vezes, vícios idênticos e outros problemas.
Sem aldeias à sua volta, que as alimentem e lhes dêem o necessário movimento (das permutas, dos serviços), as cidades médias sofrerão falhas graves de sustentabilidade e hipotecarão o seu futuro. No caso do Fundão, a actual cidade sem as suas aldeias perderia muito e tenderia a ser talvez uma grande aldeia (da Covilhã), com a desertifïcação à sua volta...
Daí que o regresso ao ambiente bucólico e pacato das velhas aldeias, ao convívio familiar, das coisas simples e naturais, ao ar puro e ao chilreio dos pássaros, seja para muitos considerado uma necessidade periódica para recarregar baterias, enfim, um bálsamo para o corpo e sobretudo para a alma.
Tempos houve que o elogio das pequenas Cortes de Aldeia fez furor. Foi sobretudo no tempo dos Filipes (reis espanhóis), com o poder político instalado em Madrid. Eram tempos de forte centralismo e de divórcio da res-pública. Depois, com o liberalismo e a industrialização, e com todas as mudanças sociais e culturais operadas, foi-se acentuando o êxodo rural. Hoje, temos o que temos. Como será no futuro?
Amor ao berço natal
Vêm estas considerações a propósito de alguns enfoques que o JF de vez em quando nos vai trazendo relativamente à vida das aldeias (num deles – coisa rara – até apareceu a “minha” Orca), mas também a propósito de alguns projectos municipais de desenvolvimento, como os de Janeiro de Cima, Barroca, Rio (Silvares), e de outras terras. Há que saudá-los a todos vivamente, porque há muito a fazer pelas nossas aldeias. Eles são sempre um estímulo aos residentes e aos naturais que andam por longe. Falo por mim. Embora nascido e criado numa aldeia, ao longo de cinquenta anos fui vivendo e trabalhando quase sempre em cidades, mais por exigências profissionais de que por opção. De um modo geral, adaptei-me. Mas nunca deixei de gostar do meu terrunho. Conforme outrora se dizia, em bom português, a terra onde se nasce é a nossa “pátria”. Hoje já não é bem assim, porque já não se nasce nas aldeias e muitas destas nem já escolas têm. Creio, no entanto, que o amor ao berço natal ainda vai persistindo e não apenas por romantismo. Apesar do afastamento, recordamos pessoas, sítios, afectos, histórias de vida... Tudo isso pesa na me- mória, como carga identitária. – «Então, porque não voltais, filhos pródigos?» – objectarão alguns.
Alguém disse um dia que o homem não é só ele, mas também as suas circunstâncias. – «Sim, muitos voltaríamos, desde que se verificasse um mínimo de condições». Porque, obviamente, ninguém quer um regresso à toa. Ninguém deseja «andar p’ra trás». Há custos, que terão de ser equacionados. Mas que há hoje novos tipos de relação com o meio, que nos podem levar a uma vida com qualidade nas nossas aldeias, a sentirmo-nos bem connosco e com os outros, penso não haver dúvidas.
Os apoios necessários
Sempre que uma mudança exija custos – e há-os sempre –, importa analisar como suportá-los ou prever a sua compensação, em ordem à consecução dos resultados esperados. Porque uma vez iniciado o processo, há uma infinidade de voltas a dar, de burocracias a cumprir, de impostos a pagar, de sacrifícios a fazer. E aí entram em acção entidades públicas, como o Estado e as Autarquias, que em nome das leis nos pedem contas mas que em nome do bem comum também deveriam prestar apoios. E tantas formas de apoio são possíveis e são necessárias a quem pretenda (re)instalar-se numa aldeia do interior deste país, como são todas as do concelho do Fundão!... Ainda há pouco tempo tivemos na Beira Baixa, mais concretamente no concelho de Vila de Rei, uma experiência mediática de tentativa de instalação e repovoamento. E sabemos como as expectativas saíram goradas, face aos apoios prometidos. Pois bem, tem a Câmara do Fundão merecido o aplauso quase unânime dos munícipes pelo trabalho entusiasta que tem desenvolvido em prol de muitas das suas freguesias, de que são mais flagrante exemplo as “do xisto” (de Janeiro de Cima e Barroca) e a “histórica” de Castelo Novo. Todavia, embora todos saibamos muito bem que o concelho é grande (são 31 freguesias), que o frio das carências é muito e a manta do orçamento é curta, alguns terão razão para inquirir: «Não será possível uma distribuição um pouco mais equitativa?»
É que há aldeias que quase nada têm recebido... A Orca, que até é a 2.ª maior freguesia do concelho em área, é uma delas [desde os anos de 70 que não voltou a acontecer ali um «investimento que possamos classificar de importância» – lembrava recentemente um orquense em carta aberta no JF (n.° de 20-9- -2006)]. E, no entanto, são bastantes as suas potencialidades, conforme lembrava o mesmo cidadão (e)leitor!...
Conviver e comemorar é preciso
Na história de uma aldeia há sempre pequenas histórias, efemérides, romarias, festejos mais ou menos cíclicos, que congregam e reanimam. E haverá outros, iniciativas simples que podem partir de nós ou de grupos organizados, sempre com vista à promoção do desenvolvimento ou simplesmente a proporcionar momentos de alegria, em saudável convivialidade. Lembro a realização, há anos, de encontros de famílias, de onomásticos (os Josés...), de orquenses em Lisboa (no tempo do Pe. Casimiro)... Há, todavia, uma efeméride que se aproxima e que gostaria de aqui evocar publicamente. Trata-se da ordenação sacerdotal e simultânea de três orquenses missionários, que ocorreu na Orca no dia 15 de Junho de 1957, um facto que julgo inédito em todo a Beira Baixa, porventura até em todo o país (!). Ao tempo, o facto mereceu honra e fama de grande acontecimento regional e teve festejos a condizer, na Orca, com gentes vindas de várias partes, conforme assinalava uma local do JF.
Ora os três sacerdotes, todos da Sociedade Missionária “Boa Nova”, estão todos vivos, activos e de boa saúde, e bem mereciam uma lembrança e a homenagem, já não digo da região e do concelho, mas pelo menos dos seus conterrâneos. Querendo as forças vivas da terra, a comemoração do cinquentenário poderia ser um pretexto para algo de inédito e de verdadeiramente afirmativo: Um congresso – alvitrou já um dos missionários (Pe. José Marques)... Umas jornadas – direi eu... Ou, pelo menos, um encontro alargado de amigos, de boas- -vontades.
Que dizem a isto os orquenses e organismos vivos da freguesia, como Junta, Comissão Fabriqueira da Paróquia e direcção da ARCO? Não será possível constituir e mobilizar, desde já, núcleos de apoio em várias partes — Orca (núcleo polarizador), Fundão, Castelo Branco-Covilhã-Guarda, Lisboa, França? Sei já que na Sociedade Missionária e na ARM (associação de antigos alunos da mesma Sociedade) há gente disposta a dar uma ajudinha... Aqui está uma ocasião soberana para uma aldeia mostrar a sua importância.
Mas, o certo é que também as cidades médias comportam, por vezes, vícios idênticos e outros problemas.
Sem aldeias à sua volta, que as alimentem e lhes dêem o necessário movimento (das permutas, dos serviços), as cidades médias sofrerão falhas graves de sustentabilidade e hipotecarão o seu futuro. No caso do Fundão, a actual cidade sem as suas aldeias perderia muito e tenderia a ser talvez uma grande aldeia (da Covilhã), com a desertifïcação à sua volta...
Daí que o regresso ao ambiente bucólico e pacato das velhas aldeias, ao convívio familiar, das coisas simples e naturais, ao ar puro e ao chilreio dos pássaros, seja para muitos considerado uma necessidade periódica para recarregar baterias, enfim, um bálsamo para o corpo e sobretudo para a alma.
Tempos houve que o elogio das pequenas Cortes de Aldeia fez furor. Foi sobretudo no tempo dos Filipes (reis espanhóis), com o poder político instalado em Madrid. Eram tempos de forte centralismo e de divórcio da res-pública. Depois, com o liberalismo e a industrialização, e com todas as mudanças sociais e culturais operadas, foi-se acentuando o êxodo rural. Hoje, temos o que temos. Como será no futuro?
Amor ao berço natal
Vêm estas considerações a propósito de alguns enfoques que o JF de vez em quando nos vai trazendo relativamente à vida das aldeias (num deles – coisa rara – até apareceu a “minha” Orca), mas também a propósito de alguns projectos municipais de desenvolvimento, como os de Janeiro de Cima, Barroca, Rio (Silvares), e de outras terras. Há que saudá-los a todos vivamente, porque há muito a fazer pelas nossas aldeias. Eles são sempre um estímulo aos residentes e aos naturais que andam por longe. Falo por mim. Embora nascido e criado numa aldeia, ao longo de cinquenta anos fui vivendo e trabalhando quase sempre em cidades, mais por exigências profissionais de que por opção. De um modo geral, adaptei-me. Mas nunca deixei de gostar do meu terrunho. Conforme outrora se dizia, em bom português, a terra onde se nasce é a nossa “pátria”. Hoje já não é bem assim, porque já não se nasce nas aldeias e muitas destas nem já escolas têm. Creio, no entanto, que o amor ao berço natal ainda vai persistindo e não apenas por romantismo. Apesar do afastamento, recordamos pessoas, sítios, afectos, histórias de vida... Tudo isso pesa na me- mória, como carga identitária. – «Então, porque não voltais, filhos pródigos?» – objectarão alguns.
Alguém disse um dia que o homem não é só ele, mas também as suas circunstâncias. – «Sim, muitos voltaríamos, desde que se verificasse um mínimo de condições». Porque, obviamente, ninguém quer um regresso à toa. Ninguém deseja «andar p’ra trás». Há custos, que terão de ser equacionados. Mas que há hoje novos tipos de relação com o meio, que nos podem levar a uma vida com qualidade nas nossas aldeias, a sentirmo-nos bem connosco e com os outros, penso não haver dúvidas.
Os apoios necessários
Sempre que uma mudança exija custos – e há-os sempre –, importa analisar como suportá-los ou prever a sua compensação, em ordem à consecução dos resultados esperados. Porque uma vez iniciado o processo, há uma infinidade de voltas a dar, de burocracias a cumprir, de impostos a pagar, de sacrifícios a fazer. E aí entram em acção entidades públicas, como o Estado e as Autarquias, que em nome das leis nos pedem contas mas que em nome do bem comum também deveriam prestar apoios. E tantas formas de apoio são possíveis e são necessárias a quem pretenda (re)instalar-se numa aldeia do interior deste país, como são todas as do concelho do Fundão!... Ainda há pouco tempo tivemos na Beira Baixa, mais concretamente no concelho de Vila de Rei, uma experiência mediática de tentativa de instalação e repovoamento. E sabemos como as expectativas saíram goradas, face aos apoios prometidos. Pois bem, tem a Câmara do Fundão merecido o aplauso quase unânime dos munícipes pelo trabalho entusiasta que tem desenvolvido em prol de muitas das suas freguesias, de que são mais flagrante exemplo as “do xisto” (de Janeiro de Cima e Barroca) e a “histórica” de Castelo Novo. Todavia, embora todos saibamos muito bem que o concelho é grande (são 31 freguesias), que o frio das carências é muito e a manta do orçamento é curta, alguns terão razão para inquirir: «Não será possível uma distribuição um pouco mais equitativa?»
É que há aldeias que quase nada têm recebido... A Orca, que até é a 2.ª maior freguesia do concelho em área, é uma delas [desde os anos de 70 que não voltou a acontecer ali um «investimento que possamos classificar de importância» – lembrava recentemente um orquense em carta aberta no JF (n.° de 20-9- -2006)]. E, no entanto, são bastantes as suas potencialidades, conforme lembrava o mesmo cidadão (e)leitor!...
Conviver e comemorar é preciso
Na história de uma aldeia há sempre pequenas histórias, efemérides, romarias, festejos mais ou menos cíclicos, que congregam e reanimam. E haverá outros, iniciativas simples que podem partir de nós ou de grupos organizados, sempre com vista à promoção do desenvolvimento ou simplesmente a proporcionar momentos de alegria, em saudável convivialidade. Lembro a realização, há anos, de encontros de famílias, de onomásticos (os Josés...), de orquenses em Lisboa (no tempo do Pe. Casimiro)... Há, todavia, uma efeméride que se aproxima e que gostaria de aqui evocar publicamente. Trata-se da ordenação sacerdotal e simultânea de três orquenses missionários, que ocorreu na Orca no dia 15 de Junho de 1957, um facto que julgo inédito em todo a Beira Baixa, porventura até em todo o país (!). Ao tempo, o facto mereceu honra e fama de grande acontecimento regional e teve festejos a condizer, na Orca, com gentes vindas de várias partes, conforme assinalava uma local do JF.
Ora os três sacerdotes, todos da Sociedade Missionária “Boa Nova”, estão todos vivos, activos e de boa saúde, e bem mereciam uma lembrança e a homenagem, já não digo da região e do concelho, mas pelo menos dos seus conterrâneos. Querendo as forças vivas da terra, a comemoração do cinquentenário poderia ser um pretexto para algo de inédito e de verdadeiramente afirmativo: Um congresso – alvitrou já um dos missionários (Pe. José Marques)... Umas jornadas – direi eu... Ou, pelo menos, um encontro alargado de amigos, de boas- -vontades.
Que dizem a isto os orquenses e organismos vivos da freguesia, como Junta, Comissão Fabriqueira da Paróquia e direcção da ARCO? Não será possível constituir e mobilizar, desde já, núcleos de apoio em várias partes — Orca (núcleo polarizador), Fundão, Castelo Branco-Covilhã-Guarda, Lisboa, França? Sei já que na Sociedade Missionária e na ARM (associação de antigos alunos da mesma Sociedade) há gente disposta a dar uma ajudinha... Aqui está uma ocasião soberana para uma aldeia mostrar a sua importância.
Joaquim Candeias Silva, Da importância das aldeias
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