Memória minerográfica sobre o distrito metalífero entre os rios Alva e Zezere
s. d., s. l.
Loc.: Museu Paulista, doc. 291.
A natureza, que em tudo procede sempre debaixo de leis fixas e constantes, seguiu-as também na distribuição que fez dos metais em certos espaços, e em certas formações. Têm os mineralogistas mineiros já alcançado e descoberto por assíduas observações, que os metais, seja em bancos e camadas, seja em betas e vieiros, ou em outros jazigos análogos, estão sempre, não solitários, nem dispersos ao acaso, mas sim reunidos e ligados entre si formando grupos e afaciações, que os mineiros chamam depósitos: estes podem ser mais ou menos extensos; mas são todavia sempre circunscritos e distintos. Se estes depósitos são de betas e vieiros, que se acompanham uns aos outros em pequenas distâncias, e se reunem ou cruzam na sua direção ou inclinação, ocupando espaços consideráveis, então formam o que chamam distritos ou comarcas metalíferas, cuja descrição pertence à corografia metálica. O conhecimento exato da natureza, configuração, limites, e outras particularidades atendíveis de semelhantes depósitos e distritos, é de maior interesse não só para os diretores de minas, mas igualmente para os geólogos e naturalistas, que se ocupam no conhecimento e teoria do globo.
Nem um país da Europa é mais rico de semelhantes depósitos que o nosso pequeno Portugal. É incrível, apesar de estar o seu terreno quase inteiramente para examinar e descrever, é incrível, digo, a imensa riqueza já conhecida, mas ainda desaproveitada, que encerram as entranhas de seus montes, e altas serranias. Há só 14 anos (estes assaz embaraçados e desastrosos) que voltando das minhas longas e dilatadas viagens pela Europa me dei, quanto em mim coube, ao estudo da minerografia portuguesa, e todavia pelo pouco que tenho examinado, e pelo que fiz indagar pelas províncias, e por algumas outras notícias, que recolhi já conheço mal ou bem, acima de cinco depósitos minerais, que prometem ser um dia fontes perenes de riqueza pública e particular. Os minerais úteis de que constam, segundo a ordem da sua maior freqüência e abundância, são os seguintes: ferro, chumbo, antimônio, cobalto, carvão-de-pedra, estanho, zinco, prata, cobre e ouro. É de lastimar que Portugal seja ainda uma Índia européia como lhe chamava o imortal Carlos de Linné, escrevendo ao dr. Domingos Vandelli.
Apesar da falta de saúde, de que sofro habitualmente, e do tempo que me não sobra para o cabal desempenho das muitas e penosas ocupações públicas, tinha empreendido descrever e publicar os tesouros minerais do reino em uma obra intitulada Testamento Metalúrgico, que me propunha deixar em herança à posteridade portuguesa; porém refletindo que esta demora poderia ser taipada de egoísmo, ou pouco caso dos presentes, resolvi-me, por me sertambém mais fácil e cômodo nas minhas atuais circunstâncias, a ir sucessivamente publicando em pequenas Memórias a descrição de cada depósito, ou distrito separadamente. Já comecei a ler nesta Academia a do distrito metalífero das serras de Santa Justa e Santa Comba e suas
vizinhanças na província do Minho, e a da formação aurífera da outra banda, agora continuarei com o distrito de Coja, onde conto poder abrir brevemente minas de chumbo, e depois sucessivamente outras começando pelas do terreno de Pampilhosa, se as últimas pesquisas, que ordenei, corresponderem, como espero, aos meus desejos e esperanças.
As povoações deste distrito metalífero são: de vilas, Arganil, Avô, Tajão, Pampilhosa, e Vila Cova, de lugares, assim grandes como pequenos, Aforria, Cadafar, Castanheira, Cavaleiros, Celariza, Cepos, Coelheira, Colmeal, (?), Folgeses, Fundão, Gandujo, Piodão, Piscanceiro, Cimeiro, e Fundeiro, Pereirinha, Secarias, Sergedo, Leiroco, Relvavelha, e Leipura. A área de todo o distrito é de 8. 75 léguas quadrados, sendo o seu maior cumprimento 3 léguas e meia, e a maior largura 2 e meia.
É todo o seu terreno áspero, e estéril em grande parte por ser monstruoso e de serrania altíssima, e penhascosa; é cortado por alguns vales, e por muitas quebradas e barrocas, por onde correm os rios Alva, Ceira e Zezere, e as ribeiras e torrentes que vão alimentar, e desembocar nos ditos rios: divide-se a massa montanhosa em dois jugos, ou ramos principais, que saem do centro da serrania da Estrela, e em outras pequenas transversais. O primeiro jugo principal corre entre o Alva, e o Ceira, e acaba no termo da Vila de Góes. O segundo, que é o mais alto, sai da Estrela no sítio chamado Portela das Pedras Lavradas, e vai tomar o nome de serra de Açor, de cujo pendor, ou encosta setentrional nasce o rio Ceira; depois abaixo do rio da Cebola lança para a esquerda um ramo, que dirigindo-se entre a ribeira de Unhais, e o Zezere, forma no termo da Pampilhosa o monte chamado Cabeça da Urra, e mais abaixo outro que chamam Cabeça do Machio; vem por fim acabar por cima da ponte do Cabril, onde desemboca a ribeira de Unhais no rio Zezere. O jugo principal porém continua o seu caminho entre a ribeira de Unhais e o Zezere, tomando em diversos lugares do seu curso nomes diferentes.
As rochas ordinárias de todas estas montanhas, dentro do distrito que descrevo, são de xisto argiloso primitivo de Werner, ordinariamente cor de cinza, com quartzo branco comum em camadinhas, e minhos, e muitas vezes com pirites sulfúreas disseminadas. O quartzo branco é às vezes ocráceo, corta a estratificação das rochas, formando betas e vieiros de diversas prossanca e grossura, em que depois falaremos. Poucas vezes alterna a rocha xistosa com a horneblendica, que pousa sobre, ou esta coberta pelo xisto argiloso. O granito aparece em alguns sítios da serra de Açor, e nos montes que lhe servem de fralda, e que ficam por cima da Vila d'Avô. Encontram-se também algumas formações aluviais de saibro e cascalho, que formam os leitos, e acompanham as margens dos rios e ribeiros.
Passemos agora a minerografia do distrito, segundo os diversos metais, que aparecem:
Ouro
Este metal se lavrou em grande abundância em tempo dos romanos, e talvez no dos cartagineses, nas margens do Alva, como se vê, indo do lugar da cocheira por um ribeiro abaixo até sair ao Alva, onde então aparecem muitas escavações nas margens, e numerosas medas de seipos rodados, que no Zezere chamam Conhos, resíduos de antigas e vastas lavras de desmonte, e lavagem, cuja tradição ainda se conserva viva
aqueles moradores. Caminhando do lugar da Tireira para Vila Cova, observam-se vários socavões, e grandíssimo número de medas de seipos rodados, lavras que ainda hoje o povo atribui aos romanos; os quais não puderam esgotar todo o ouro desta formação, pois em tempo do sr. rei d. José se lavraram de novo aqueles sítios, bem que fossem os serviços do ouro de pouca duração, talvez pela ignorância de quem os fizera, ou pela mudança de álveo, que sofreu o Alva, circundando as catas, e subterrando a genuína formação aurífera, com que se dificultaram os trabalhos e diminuíram os lucros.
Outro lugar do Alva, donde no século passado se tirou ouro, é o que fica entre os lugares de Sergedo e Secarias. Dizem que passaram aqueles trabalhos, pelas desordens que fizeram os gandaeiros, que tiravam ouro sem licença ou que pelo temor de serem presos e punidos abandonaram seus trabalhos. Este sítio, se for lavrado segundo as regras e economia da arte montanística, prosperará; porque o ouro não só aparece ainda hoje nos areais do rio, mas nos tabuleiros de pisara argilosa, que formam suas margens; e o que é digno de notar-se, também se acha ouro de pedreira nas betas guarzosas, e ocráceas, que cortam os bancos argilosos dos montes vizinhos e sobranceiros.
Em Vila Cova ainda hoje gandaiam ouro nas areias do Alva. Na ribeira de Fajão que corre por um medonho vale, onde está situado o pequeno lugar chamado de Cavalheiros, há ouro, que costumam grandaciar alguns miseráveis jornaleiros da Vila de Arganil; e tiram às vezes por dia cem, duzentos, até 1.300 de ouro em pó; e houve ocasião em que acharam folheta de três mil de peso, e outra de 18 mil, como me consta. Como este vale profundo vem de pequena distância, e corre entre serras xistosas, é muito de crer que o seu ouro venha destas serras; e que nelas, se forem bem e devidamente pesquisadas, se encontre ouro de matriz. (No mencionado lugar de Valheiros observa-se uma grande galeria subterrânea, com medas de escórias, e gangas ocráceas, e muitos vestígios que indicam ter havido ali grande mineração em tempo dos romanos; é de notar que todo o termo, que fica para o norte do lugar, é muito vitriólico.)
A ribeira de Psicansia corre entre outreiros na direção de oeste para leste; suas margens neste sítio merecem exame, porque se acha às vezes ouro engastado, e diferenciado em pequenos veios, cujas gangas são ou quartzosas ou argilas quartozas e marciais. No lugar de Piscanse fundeiro, termo da Pampilhoza, acham nas camadas derrogadas do xisto argiloso muitas pirites marciais, que têm todos os indícios de serem auríferos: demais em alguns vieiros de quartzo branco, que correm com direção ao norte aparece ouro nativo dessidrílico, e em grãos disseminados.
Junto ao vale chamado do Dieguinho há veios quartzosos, que atravessam a ribeira, com ouro disseminado. Nasce esta ribeira na serra do Forcado, que encadeia para o Norte com os montes da Alforria, de que depois falaremos, e vem precipitado, por uma quebrada, ou barroco, que corta o dito monte.
Do exposto até aqui fica claro que este distrito metalífero promete ser um dia, havendo cabedais e boa vontade, um dos mais perenes mananciais do metal, que mais estimam os homens.
Cobre e Ferro
Saindo de Coja para o lugar de Folgues, no vale por onde corre a ribeira, encontra-se semelhante mineral de cobre, principalmente de pirites cúpreas, cujas amostras continuam até o lugar da Teixeira. Merece este lugar uma pesquisa regular, e promete mineração considerável.
Saindo do porto da balça, caminho de leste, se vai a Leiroco, e daí a Cervalhos, que está em um profundo vale, acompanhado de altíssimos montes, que vão entroncar na serra do Açor: neste vale há rico mineral de ferro, que contém às vezes chumbo e cobre, o que indica que aprofundando-se o veio crescerá talvez o chumbo e cobre, ou que por aquelas vizinhanças deve haver vieiros próprios destes metais. O mineral de ferro encaixado dá perto de 70%. Este mineral pela sua riqueza merece ser aproveitado, e para a fusão não falta cepa por aqueles sítios, e para a mineração madeira de castanho, e algumas outras.
No lugar, (...) de Pereirinha aparecem também amostras de mineral de ferro.
Saindo de Fajão, e indo pelo alto da serra, que divide o bispado de Coimbra do da Guarda, encontram-se vagos e dispersos sobre a rocha xistosa pedaços de mineral de ferro.
Chumbo
Sobre a Vila de Avô nos montes que vão encadeados até a serra do Açor, aparecem veios com ocres de chumbo, que merecem ser examinados constam estas serras de granito, xisto argilosos, e talvez gnaeisse.
Subindo a serra do Açor, e do sítio chamado Cabeça da Chama, indo para o norte da mata da Margaraça, os bancos contêm ocras de chumbo.
Indo para a Castanheiro no vale chamado da Corça, por onde corre norte, e sul um pequeno ribeiro, há um veio pequeno de galena, com mineral de chumbo branco cristalizado.
Nos ribeiros e suas margens do sítio chamado Porto da Balsa, cujos montes são muito altos, há veios de quartzo com ocras, ou veios de chumbo, de três e mais palmos de grossura.
Nos bancos a oeste aparecem seipos avulsos com óxido de chumbo, e também pequenos veios de galena. Esta formação continua por toda a correnteza dos montes de norte a sul, desde o vale do Garcia até a serra do Açor.
Subindo pelo vale do Garcia até o alto, acha-se a mina de chumbo da Alforria, vulgarmente chamada de coja. Tinha-se aberto esta mina em tempos antigos, mas estava entulhado o socavão; o bispo conde reformador reitor a mandou de novo abrir há já anos. Este veio se dirige de norte a sul. Os trabalhos que nele se fizeram foi, primeiro, aprofundar um poço na altura de quarenta palmos, segundo, no fundo deste poço se abriu uma galeria inclinada, do comprimento de 15 palmos; terceiro, no fim dela se aprofundou o segundo poço de vinte palmos de altura; quarto, no fundo deste se abriu uma galeria muito inclinada do comprimento de sessenta palmos. Em todo campo destas lavras, se encontraram diversas betas, ou vieiros, mais ou menos profinates; uns perpendiculares, outros nadantes, ou pouco inclinados. A ganga ou matriz destes vieiros é quartzo, que corre entre xisto argiloso. O chumbo se acha em Sado de galena pela maior parte, muitas vezes cristalizada, porém
também com chumbo branco cristalizado, e óxido avermelhado, e amarelado. A galena é rica em chumbo e deu pelo ensaio de 60-70%, segundo as amostras: não contém prata, senão 68g por cem arráteis de chumbo. Esta mina está hoje alagada, porque não tiveram o acordo de dar escoantes às águas, ou por bombas, ou melhor com uma galeria de esgoto. Porém creio que não será difícil esgotar as águas; e dar melhor direção aos trabalhos. Do mineral plúmbeo, depois de sorteado, poderá a galena pura ser fundida em forno de reverberio segundo o método inglês, e o impuro em forno de manga, misturando o mineral pesado com cobre calcário e mineral de ferro, que pode vir das mostras para servirem de precipitantes combinando-se com o enxofre, e reduzindo os óxidos de chumbo, evitando-se a volatilização deste.
Saindo do pequeno lugar de Piodão para chão da Egoa, a meia légua de distância há uma bela mina de chumbo, cuja galena dá 80%.
Prosseguindo por estes montes até o pequeno lugar do Gandufo, aparece um delgado veio de chumbo, que corre na direção de Leste Oeste, e cuja galena dá também perto de 80%. Este chumbo contém alguma pouca prata, pois deu 3 out. q. gr. por cento, ou quintal de chumbo.
Voltando de Cervalhos, à Castanheira, indo por um grande souto, e caminhando pela serra do Castanheiro, encontram-se amostras de croido de chumbo, e muitas escórias antigas.
Continuando para o vale das Cabras, cheio de densos matos e despenhadeiros, encontram-se vários veios de chumbo, mas delgados.
Os mesmos indícios de chumbo continuam até Fajão.
No termo da Vila de Pampilhosa e lugar de Piscanceiro fundeiro há uma beta que corre em xisto argiloso, e paralelo com a rocha, a qual tem por ganga quartzo mais ou menos ferruginoso e argila cinzenta, penetrados muitas vezes de óxido de chumbo branco e pardacento. Dentro deste veio ou beta logo à superfície aparecem muitos pedaços e às vezes de grandeza considerável de galena de chumbo, cobertos de cera de chumbo e de ferro. Esta beta tem em vários lugares a superfície um palmo de projiansa, como se vê na margem da ribeira, mas subindo para o monte há poucas braças perde-se ao eu parece. Os rústicos asseveram que quando a ribeira está quase seca de verão aparecem cortando o seu leito vários pequenos veios de galena. No sítio chamado o Covão meio quarto de légua de Piscanceiro parece um pequeno veio de dois terços de polegada de projiansa de galena de chumbo, com camisa aos lados de óxido branco de chumbo. Na margem da ribeira subindo para o monte aparece um veio da grossura de um dedo, e seguindo a sua direção e demonstrando-se a terra superficial, que é a argila cor de cinza quando seca, aparecem vários veios, que se cruzam um veio do norte para o sul, e o outro para leste. Neste primeiro veio descapado e aprofundado por socavão de pesquisa se tiravam pedaços de galena de uma arroba de peso, mas estes pedaços não são contínuos, como já disse, mas dispersos na ganga; porém no dia em que se fez esta freguesia se tiravam de pedaços de galena de chumbo acima de quatro arrobas. Foi preciso desmontar oito palmos de altura para descapar o veio. Continuando-se na extração do dito veio se extraiu em outro dia em mineral seguido de chumbo 15 palmos de comprido, oito
de alto e quatro de largura; mas aí desapareceu o veio: porém os outros paralelos de argila que continuam com regularidade são todos os indícios de haver muito mineral de chumbo para aqueles sítios e vizinhanças. Adauj, ou três tiros de bala da distância deste veio para a direita subindo da ribeira há lembrança de se ter descoberto outro veio, porém o socavão de pesquisa que então se fez está hoje tapado.
Em Alvaro sobre o Zezere descobriu Manoel da Cruz Santiago uma mina de chumbo cujo xisto ignoro, mas creio que era na serra da Boleteira em um vale, onde há uma galeria antiga hoje entulhada por um açude que se fez na barroca.
Há no termo em circunferência de uma légua muita abundância de cepa, algumas matas de medonhos, sobreiros, e pinheiros: e todo o terreno é muito arado e capaz para nele se semearem e criarem grandes matas. A ribeira que corre junto à mina é pequena, mas pode se inverno mover duas rodas: de verão é muito pobre, porque tomam as suas águas para regar os milhos. Mais abaixo quase um quarto de légua se junta a esta outra ribeira, que chamam dos Braçais, e ambas juntas sendo recolhidas em tanque por meio de um açude podem mover todo o verão duas rodas.
O chumbo fundido pode vir em bestas, ou carros a embarcar no Mondego perto do Laredo, distância de sete léguas; e daí ir embarcando até a Figueira.
Além destes metais, até aqui referidos, há indo do lugar chamado a Venda da Serra, para o vale do craril da Carapinha, na serra da Moita, um viveiro de pirites arsenical cristalizada, que corre entre rocha xistosa. Na cerca do convento dos Antônimos da vila de Coja há bancos de xisto decomposto com imensidade de piritas sulfúreas; e às vezes à flor da terra se encontram pedaços de enxofre nativo. Os montes que cercam a vila contêm muitas águas férreas e sulfúricas.
Ao norte do lugar de Cavalheiros há um veio de cobalto em ganga de quartzo. Todo o terreno é muito vitriólico. Caminhando pelo ribeiro, que nasce do Forcado (termo da Pampilhoza) e vem precipitado por uma quebrada até a Quinta do Bispo, aí aparecem os bancos xistosos, decompostos, e penetrados de vitríolo; e nas rochas das margens do ribeiro aparecem veios de piritas sulfúreas com sal de Glanber.
Junto da Vila de Forjão para os cepos, no sítio chamado Foz da Pontinha, há muitas piritas, que têm todos os sinais de serem auríferas: nestes lugares a rocha xistosa alterna com camadas de quartzo branco.
No profundo vale de Cervalhoso, de que depois falaremos, aparecem algumas palhetas de ouro, que requerem mais pesquisas.
No norte de Piscanceiro cimeiro há um barroco cuja terra lavada e batea mostra ouro em pó.
Há neste distrito metalúrgico de entre Alva e Zezere muitas minas do tempo dos romanos, que merecem novo exame e desentulho, ou podem servir de guia para se pesquisarem os veios antigos ou alguns novos, na sua continuação e acompanhamento ou cruzamento. Os sítios, onde sei que acham, são os seguintes:
1) No limite da Castanheira, em um vale chamado o Fragal, há uma galeria antiga da largura de 12 palmos, por onde se podia entrar somente até o comprimento de 15 palmos porque o mais estava entulhado.
2) Subindo da alforsia para a serra do Açor, logo no princípio se acha uma galeria antiga de vinte palmos de alto, e dez de largo aberta à picão, que atravessa grande parte da montanha, segundo é tradição por uma légua de comprido. Os povos chamam esta mina o Palácio do Rei Açor e crêem que nela há grandes tesouros. Provavelmente foi mina de chumbo argentífero; pois por toda esta serra se encontram veios de chumbo e de antimônio, que ainda não estão pesquisados.
3) Sobre os montes da vila de Fajão, em direção a noroeste, há outra galeria antiga de 15 palmos de alto e quatro de largo, onde se acham restos de chumbo fundido, e litargírio.
No lugar de Cavalheiro há um grande socavão, ou mina antiga com medas de pedregulho, e restos de escórias, e ocras, que mostram ter havido ali grande mineração.
4) Da outra banda do monte do Forcado, termo da Pampilhoza, há duas grandes galerias, ou minas antigas, abertas à picão, dos quais a primeira tem seis palmos de alto; e três quartos de largo na distância desta sessenta papos acha-se a segunda, que tem dez de alto e cinco de largo. Na primeira só se pode agora entrar até trinta palmos; na segunda porém até trezentos; e nesta aparecem restos de um poço de luz, ou clarabóia, que tem seis palmos em quadro. Há tradição no povo, que estas galerias atravessam o monte. A rocha que cortam e penetram é de xisto argiloso; as paredes das galerias ainda mostram sinais do ferro e nelas aparecem alguns fragmentos avulsos de carvão, restos do antigo modo de lavrar as minas com fogo posto como praticavam os romanos. Servem agora estas galerias de caneiros de água que represam os lavradores para regar os seus milhos.
5) Ainda que já fora deste distrito metalífero, porém a pouca distância do Zezere, devo referir que saindo da vila de Oleiros caminho de Proença a nova, no sítio chamado o Alto de Fernão Porco, junto à estrada há um grande poço antigo, e junto a ele grandes montes de entulho chamam a esta mina a Cova da Moura. Na encosta do monte e nas suas fraldas há notícia de se terem achado pedaços de quartzo com folhetas de ouro encravado; e contam que um deste pedaços fora vendido a um ourives pelo preço de 14600 (?).
Quando não tivéssemos achado neste distrito todos os jazigos metálicos, que ficam acima apontados bastavam para fazermos juízo da sua riqueza tantos restos de antiga mineração, quais os mencionados. Estou convencido por estudo e longa experiência que onde aparece uma beta possante, de certo há muitas outras que a acompanham ou cruzam. Igualmente onde houver qualquer mineração cartaginesa ou romana de alguma consideração podemos estar certos que os jazigos são ricos; porque esses povos não podiam lavrar minas com proveito e duração, que não fossem ricas e abundosas, pela ignorância da engenharia subterrânea, montanística, e metalurgia própria; por não terem as máquinas de extração e esgoto, que hoje possuímos, e pela falta da pólvora para trocar e dar fogo às rochas e matrizes, sem o que pouco se cava em cada ano, e se pouco sai muito dispendioso. Acrescentamos que os mineiros de então, escravos ou criminosos forçados, nem sabiam minas porque o não tinham aprendido; nem podiam ter zelo e atividade: acrescentamos de novo que grande parte destas antigas minas podem ser desentulhadas, e lavradas outra vez com muito proveito, porque seus jazigos metálicos por via de regra estão intactos desde o nível da galeria de esgoto para baixo; e os poços e
galerias, existentes são já outras tantas lavras de socorro, de que podemos deitar mão para a nova lavra.
Seria muito interessante e curioso que se fizesse o quadro topográfico de todas essas escavações antigas, que se acham a cada passo pelo nosso Portugal, a que os rústicos chamam furnas, fojos e covas de mouras encantadas; não só a bem da arqueologia lusitânica; mas principalmente para nos servirem de indícios certos, e de estímulo para novos descobertos, e para nova mineração, tanto proveitosa para nós, que havia sido para esses povos industriosos e ricos. Das que tenho visitado, e das muitas outras de que tenho notícias certas ficam fora de toda a dúvida as noticias históricas, que há cerca das grandes riquezas subterrâneas da Espanha, e principalmente da Galícia, Lusitânia e Turdetânia, de cujas porções reformou o nosso Portugal, nos deixaram Políbio, Strabo, Dioscórides, Plínio, Justino e outros. Por uma longa série de séculos, foi Portugal provavelmente para os fenícios, e é certo, para os cartagineses e romanos, o que hoje é para nós o Brasil, e para os espanhóis, o Peru e México.
Mas para aproveitarmos estes preciosos dons da providência são precisos ciência, zelo e cabedais. E por que não teremos? Virá tempo em que acordaremos da profunda modorra, em que temos jazido. É de esperar que nessa paternidade mais instruída, será também mais ativa e corajosa. Haja energia e boa vontade, e seremos ricos e felizes (mas desgraçadamente chegamos os portugueses à situação dos romanos em tempo de Tito Lívio; pois se nós podemos dizer o mesmo que este historiador diria dos seus: "Ad hoc tempora perventum est, quitbus nec vitia nostra, nec remedia pati popumus").
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s. d., s. l.
Loc.: Museu Paulista, doc. 291.
A natureza, que em tudo procede sempre debaixo de leis fixas e constantes, seguiu-as também na distribuição que fez dos metais em certos espaços, e em certas formações. Têm os mineralogistas mineiros já alcançado e descoberto por assíduas observações, que os metais, seja em bancos e camadas, seja em betas e vieiros, ou em outros jazigos análogos, estão sempre, não solitários, nem dispersos ao acaso, mas sim reunidos e ligados entre si formando grupos e afaciações, que os mineiros chamam depósitos: estes podem ser mais ou menos extensos; mas são todavia sempre circunscritos e distintos. Se estes depósitos são de betas e vieiros, que se acompanham uns aos outros em pequenas distâncias, e se reunem ou cruzam na sua direção ou inclinação, ocupando espaços consideráveis, então formam o que chamam distritos ou comarcas metalíferas, cuja descrição pertence à corografia metálica. O conhecimento exato da natureza, configuração, limites, e outras particularidades atendíveis de semelhantes depósitos e distritos, é de maior interesse não só para os diretores de minas, mas igualmente para os geólogos e naturalistas, que se ocupam no conhecimento e teoria do globo.
Nem um país da Europa é mais rico de semelhantes depósitos que o nosso pequeno Portugal. É incrível, apesar de estar o seu terreno quase inteiramente para examinar e descrever, é incrível, digo, a imensa riqueza já conhecida, mas ainda desaproveitada, que encerram as entranhas de seus montes, e altas serranias. Há só 14 anos (estes assaz embaraçados e desastrosos) que voltando das minhas longas e dilatadas viagens pela Europa me dei, quanto em mim coube, ao estudo da minerografia portuguesa, e todavia pelo pouco que tenho examinado, e pelo que fiz indagar pelas províncias, e por algumas outras notícias, que recolhi já conheço mal ou bem, acima de cinco depósitos minerais, que prometem ser um dia fontes perenes de riqueza pública e particular. Os minerais úteis de que constam, segundo a ordem da sua maior freqüência e abundância, são os seguintes: ferro, chumbo, antimônio, cobalto, carvão-de-pedra, estanho, zinco, prata, cobre e ouro. É de lastimar que Portugal seja ainda uma Índia européia como lhe chamava o imortal Carlos de Linné, escrevendo ao dr. Domingos Vandelli.
Apesar da falta de saúde, de que sofro habitualmente, e do tempo que me não sobra para o cabal desempenho das muitas e penosas ocupações públicas, tinha empreendido descrever e publicar os tesouros minerais do reino em uma obra intitulada Testamento Metalúrgico, que me propunha deixar em herança à posteridade portuguesa; porém refletindo que esta demora poderia ser taipada de egoísmo, ou pouco caso dos presentes, resolvi-me, por me sertambém mais fácil e cômodo nas minhas atuais circunstâncias, a ir sucessivamente publicando em pequenas Memórias a descrição de cada depósito, ou distrito separadamente. Já comecei a ler nesta Academia a do distrito metalífero das serras de Santa Justa e Santa Comba e suas
vizinhanças na província do Minho, e a da formação aurífera da outra banda, agora continuarei com o distrito de Coja, onde conto poder abrir brevemente minas de chumbo, e depois sucessivamente outras começando pelas do terreno de Pampilhosa, se as últimas pesquisas, que ordenei, corresponderem, como espero, aos meus desejos e esperanças.
As povoações deste distrito metalífero são: de vilas, Arganil, Avô, Tajão, Pampilhosa, e Vila Cova, de lugares, assim grandes como pequenos, Aforria, Cadafar, Castanheira, Cavaleiros, Celariza, Cepos, Coelheira, Colmeal, (?), Folgeses, Fundão, Gandujo, Piodão, Piscanceiro, Cimeiro, e Fundeiro, Pereirinha, Secarias, Sergedo, Leiroco, Relvavelha, e Leipura. A área de todo o distrito é de 8. 75 léguas quadrados, sendo o seu maior cumprimento 3 léguas e meia, e a maior largura 2 e meia.
É todo o seu terreno áspero, e estéril em grande parte por ser monstruoso e de serrania altíssima, e penhascosa; é cortado por alguns vales, e por muitas quebradas e barrocas, por onde correm os rios Alva, Ceira e Zezere, e as ribeiras e torrentes que vão alimentar, e desembocar nos ditos rios: divide-se a massa montanhosa em dois jugos, ou ramos principais, que saem do centro da serrania da Estrela, e em outras pequenas transversais. O primeiro jugo principal corre entre o Alva, e o Ceira, e acaba no termo da Vila de Góes. O segundo, que é o mais alto, sai da Estrela no sítio chamado Portela das Pedras Lavradas, e vai tomar o nome de serra de Açor, de cujo pendor, ou encosta setentrional nasce o rio Ceira; depois abaixo do rio da Cebola lança para a esquerda um ramo, que dirigindo-se entre a ribeira de Unhais, e o Zezere, forma no termo da Pampilhosa o monte chamado Cabeça da Urra, e mais abaixo outro que chamam Cabeça do Machio; vem por fim acabar por cima da ponte do Cabril, onde desemboca a ribeira de Unhais no rio Zezere. O jugo principal porém continua o seu caminho entre a ribeira de Unhais e o Zezere, tomando em diversos lugares do seu curso nomes diferentes.
As rochas ordinárias de todas estas montanhas, dentro do distrito que descrevo, são de xisto argiloso primitivo de Werner, ordinariamente cor de cinza, com quartzo branco comum em camadinhas, e minhos, e muitas vezes com pirites sulfúreas disseminadas. O quartzo branco é às vezes ocráceo, corta a estratificação das rochas, formando betas e vieiros de diversas prossanca e grossura, em que depois falaremos. Poucas vezes alterna a rocha xistosa com a horneblendica, que pousa sobre, ou esta coberta pelo xisto argiloso. O granito aparece em alguns sítios da serra de Açor, e nos montes que lhe servem de fralda, e que ficam por cima da Vila d'Avô. Encontram-se também algumas formações aluviais de saibro e cascalho, que formam os leitos, e acompanham as margens dos rios e ribeiros.
Passemos agora a minerografia do distrito, segundo os diversos metais, que aparecem:
Ouro
Este metal se lavrou em grande abundância em tempo dos romanos, e talvez no dos cartagineses, nas margens do Alva, como se vê, indo do lugar da cocheira por um ribeiro abaixo até sair ao Alva, onde então aparecem muitas escavações nas margens, e numerosas medas de seipos rodados, que no Zezere chamam Conhos, resíduos de antigas e vastas lavras de desmonte, e lavagem, cuja tradição ainda se conserva viva
aqueles moradores. Caminhando do lugar da Tireira para Vila Cova, observam-se vários socavões, e grandíssimo número de medas de seipos rodados, lavras que ainda hoje o povo atribui aos romanos; os quais não puderam esgotar todo o ouro desta formação, pois em tempo do sr. rei d. José se lavraram de novo aqueles sítios, bem que fossem os serviços do ouro de pouca duração, talvez pela ignorância de quem os fizera, ou pela mudança de álveo, que sofreu o Alva, circundando as catas, e subterrando a genuína formação aurífera, com que se dificultaram os trabalhos e diminuíram os lucros.
Outro lugar do Alva, donde no século passado se tirou ouro, é o que fica entre os lugares de Sergedo e Secarias. Dizem que passaram aqueles trabalhos, pelas desordens que fizeram os gandaeiros, que tiravam ouro sem licença ou que pelo temor de serem presos e punidos abandonaram seus trabalhos. Este sítio, se for lavrado segundo as regras e economia da arte montanística, prosperará; porque o ouro não só aparece ainda hoje nos areais do rio, mas nos tabuleiros de pisara argilosa, que formam suas margens; e o que é digno de notar-se, também se acha ouro de pedreira nas betas guarzosas, e ocráceas, que cortam os bancos argilosos dos montes vizinhos e sobranceiros.
Em Vila Cova ainda hoje gandaiam ouro nas areias do Alva. Na ribeira de Fajão que corre por um medonho vale, onde está situado o pequeno lugar chamado de Cavalheiros, há ouro, que costumam grandaciar alguns miseráveis jornaleiros da Vila de Arganil; e tiram às vezes por dia cem, duzentos, até 1.300 de ouro em pó; e houve ocasião em que acharam folheta de três mil de peso, e outra de 18 mil, como me consta. Como este vale profundo vem de pequena distância, e corre entre serras xistosas, é muito de crer que o seu ouro venha destas serras; e que nelas, se forem bem e devidamente pesquisadas, se encontre ouro de matriz. (No mencionado lugar de Valheiros observa-se uma grande galeria subterrânea, com medas de escórias, e gangas ocráceas, e muitos vestígios que indicam ter havido ali grande mineração em tempo dos romanos; é de notar que todo o termo, que fica para o norte do lugar, é muito vitriólico.)
A ribeira de Psicansia corre entre outreiros na direção de oeste para leste; suas margens neste sítio merecem exame, porque se acha às vezes ouro engastado, e diferenciado em pequenos veios, cujas gangas são ou quartzosas ou argilas quartozas e marciais. No lugar de Piscanse fundeiro, termo da Pampilhoza, acham nas camadas derrogadas do xisto argiloso muitas pirites marciais, que têm todos os indícios de serem auríferos: demais em alguns vieiros de quartzo branco, que correm com direção ao norte aparece ouro nativo dessidrílico, e em grãos disseminados.
Junto ao vale chamado do Dieguinho há veios quartzosos, que atravessam a ribeira, com ouro disseminado. Nasce esta ribeira na serra do Forcado, que encadeia para o Norte com os montes da Alforria, de que depois falaremos, e vem precipitado, por uma quebrada, ou barroco, que corta o dito monte.
Do exposto até aqui fica claro que este distrito metalífero promete ser um dia, havendo cabedais e boa vontade, um dos mais perenes mananciais do metal, que mais estimam os homens.
Cobre e Ferro
Saindo de Coja para o lugar de Folgues, no vale por onde corre a ribeira, encontra-se semelhante mineral de cobre, principalmente de pirites cúpreas, cujas amostras continuam até o lugar da Teixeira. Merece este lugar uma pesquisa regular, e promete mineração considerável.
Saindo do porto da balça, caminho de leste, se vai a Leiroco, e daí a Cervalhos, que está em um profundo vale, acompanhado de altíssimos montes, que vão entroncar na serra do Açor: neste vale há rico mineral de ferro, que contém às vezes chumbo e cobre, o que indica que aprofundando-se o veio crescerá talvez o chumbo e cobre, ou que por aquelas vizinhanças deve haver vieiros próprios destes metais. O mineral de ferro encaixado dá perto de 70%. Este mineral pela sua riqueza merece ser aproveitado, e para a fusão não falta cepa por aqueles sítios, e para a mineração madeira de castanho, e algumas outras.
No lugar, (...) de Pereirinha aparecem também amostras de mineral de ferro.
Saindo de Fajão, e indo pelo alto da serra, que divide o bispado de Coimbra do da Guarda, encontram-se vagos e dispersos sobre a rocha xistosa pedaços de mineral de ferro.
Chumbo
Sobre a Vila de Avô nos montes que vão encadeados até a serra do Açor, aparecem veios com ocres de chumbo, que merecem ser examinados constam estas serras de granito, xisto argilosos, e talvez gnaeisse.
Subindo a serra do Açor, e do sítio chamado Cabeça da Chama, indo para o norte da mata da Margaraça, os bancos contêm ocras de chumbo.
Indo para a Castanheiro no vale chamado da Corça, por onde corre norte, e sul um pequeno ribeiro, há um veio pequeno de galena, com mineral de chumbo branco cristalizado.
Nos ribeiros e suas margens do sítio chamado Porto da Balsa, cujos montes são muito altos, há veios de quartzo com ocras, ou veios de chumbo, de três e mais palmos de grossura.
Nos bancos a oeste aparecem seipos avulsos com óxido de chumbo, e também pequenos veios de galena. Esta formação continua por toda a correnteza dos montes de norte a sul, desde o vale do Garcia até a serra do Açor.
Subindo pelo vale do Garcia até o alto, acha-se a mina de chumbo da Alforria, vulgarmente chamada de coja. Tinha-se aberto esta mina em tempos antigos, mas estava entulhado o socavão; o bispo conde reformador reitor a mandou de novo abrir há já anos. Este veio se dirige de norte a sul. Os trabalhos que nele se fizeram foi, primeiro, aprofundar um poço na altura de quarenta palmos, segundo, no fundo deste poço se abriu uma galeria inclinada, do comprimento de 15 palmos; terceiro, no fim dela se aprofundou o segundo poço de vinte palmos de altura; quarto, no fundo deste se abriu uma galeria muito inclinada do comprimento de sessenta palmos. Em todo campo destas lavras, se encontraram diversas betas, ou vieiros, mais ou menos profinates; uns perpendiculares, outros nadantes, ou pouco inclinados. A ganga ou matriz destes vieiros é quartzo, que corre entre xisto argiloso. O chumbo se acha em Sado de galena pela maior parte, muitas vezes cristalizada, porém
também com chumbo branco cristalizado, e óxido avermelhado, e amarelado. A galena é rica em chumbo e deu pelo ensaio de 60-70%, segundo as amostras: não contém prata, senão 68g por cem arráteis de chumbo. Esta mina está hoje alagada, porque não tiveram o acordo de dar escoantes às águas, ou por bombas, ou melhor com uma galeria de esgoto. Porém creio que não será difícil esgotar as águas; e dar melhor direção aos trabalhos. Do mineral plúmbeo, depois de sorteado, poderá a galena pura ser fundida em forno de reverberio segundo o método inglês, e o impuro em forno de manga, misturando o mineral pesado com cobre calcário e mineral de ferro, que pode vir das mostras para servirem de precipitantes combinando-se com o enxofre, e reduzindo os óxidos de chumbo, evitando-se a volatilização deste.
Saindo do pequeno lugar de Piodão para chão da Egoa, a meia légua de distância há uma bela mina de chumbo, cuja galena dá 80%.
Prosseguindo por estes montes até o pequeno lugar do Gandufo, aparece um delgado veio de chumbo, que corre na direção de Leste Oeste, e cuja galena dá também perto de 80%. Este chumbo contém alguma pouca prata, pois deu 3 out. q. gr. por cento, ou quintal de chumbo.
Voltando de Cervalhos, à Castanheira, indo por um grande souto, e caminhando pela serra do Castanheiro, encontram-se amostras de croido de chumbo, e muitas escórias antigas.
Continuando para o vale das Cabras, cheio de densos matos e despenhadeiros, encontram-se vários veios de chumbo, mas delgados.
Os mesmos indícios de chumbo continuam até Fajão.
No termo da Vila de Pampilhosa e lugar de Piscanceiro fundeiro há uma beta que corre em xisto argiloso, e paralelo com a rocha, a qual tem por ganga quartzo mais ou menos ferruginoso e argila cinzenta, penetrados muitas vezes de óxido de chumbo branco e pardacento. Dentro deste veio ou beta logo à superfície aparecem muitos pedaços e às vezes de grandeza considerável de galena de chumbo, cobertos de cera de chumbo e de ferro. Esta beta tem em vários lugares a superfície um palmo de projiansa, como se vê na margem da ribeira, mas subindo para o monte há poucas braças perde-se ao eu parece. Os rústicos asseveram que quando a ribeira está quase seca de verão aparecem cortando o seu leito vários pequenos veios de galena. No sítio chamado o Covão meio quarto de légua de Piscanceiro parece um pequeno veio de dois terços de polegada de projiansa de galena de chumbo, com camisa aos lados de óxido branco de chumbo. Na margem da ribeira subindo para o monte aparece um veio da grossura de um dedo, e seguindo a sua direção e demonstrando-se a terra superficial, que é a argila cor de cinza quando seca, aparecem vários veios, que se cruzam um veio do norte para o sul, e o outro para leste. Neste primeiro veio descapado e aprofundado por socavão de pesquisa se tiravam pedaços de galena de uma arroba de peso, mas estes pedaços não são contínuos, como já disse, mas dispersos na ganga; porém no dia em que se fez esta freguesia se tiravam de pedaços de galena de chumbo acima de quatro arrobas. Foi preciso desmontar oito palmos de altura para descapar o veio. Continuando-se na extração do dito veio se extraiu em outro dia em mineral seguido de chumbo 15 palmos de comprido, oito
de alto e quatro de largura; mas aí desapareceu o veio: porém os outros paralelos de argila que continuam com regularidade são todos os indícios de haver muito mineral de chumbo para aqueles sítios e vizinhanças. Adauj, ou três tiros de bala da distância deste veio para a direita subindo da ribeira há lembrança de se ter descoberto outro veio, porém o socavão de pesquisa que então se fez está hoje tapado.
Em Alvaro sobre o Zezere descobriu Manoel da Cruz Santiago uma mina de chumbo cujo xisto ignoro, mas creio que era na serra da Boleteira em um vale, onde há uma galeria antiga hoje entulhada por um açude que se fez na barroca.
Há no termo em circunferência de uma légua muita abundância de cepa, algumas matas de medonhos, sobreiros, e pinheiros: e todo o terreno é muito arado e capaz para nele se semearem e criarem grandes matas. A ribeira que corre junto à mina é pequena, mas pode se inverno mover duas rodas: de verão é muito pobre, porque tomam as suas águas para regar os milhos. Mais abaixo quase um quarto de légua se junta a esta outra ribeira, que chamam dos Braçais, e ambas juntas sendo recolhidas em tanque por meio de um açude podem mover todo o verão duas rodas.
O chumbo fundido pode vir em bestas, ou carros a embarcar no Mondego perto do Laredo, distância de sete léguas; e daí ir embarcando até a Figueira.
Além destes metais, até aqui referidos, há indo do lugar chamado a Venda da Serra, para o vale do craril da Carapinha, na serra da Moita, um viveiro de pirites arsenical cristalizada, que corre entre rocha xistosa. Na cerca do convento dos Antônimos da vila de Coja há bancos de xisto decomposto com imensidade de piritas sulfúreas; e às vezes à flor da terra se encontram pedaços de enxofre nativo. Os montes que cercam a vila contêm muitas águas férreas e sulfúricas.
Ao norte do lugar de Cavalheiros há um veio de cobalto em ganga de quartzo. Todo o terreno é muito vitriólico. Caminhando pelo ribeiro, que nasce do Forcado (termo da Pampilhoza) e vem precipitado por uma quebrada até a Quinta do Bispo, aí aparecem os bancos xistosos, decompostos, e penetrados de vitríolo; e nas rochas das margens do ribeiro aparecem veios de piritas sulfúreas com sal de Glanber.
Junto da Vila de Forjão para os cepos, no sítio chamado Foz da Pontinha, há muitas piritas, que têm todos os sinais de serem auríferas: nestes lugares a rocha xistosa alterna com camadas de quartzo branco.
No profundo vale de Cervalhoso, de que depois falaremos, aparecem algumas palhetas de ouro, que requerem mais pesquisas.
No norte de Piscanceiro cimeiro há um barroco cuja terra lavada e batea mostra ouro em pó.
Há neste distrito metalúrgico de entre Alva e Zezere muitas minas do tempo dos romanos, que merecem novo exame e desentulho, ou podem servir de guia para se pesquisarem os veios antigos ou alguns novos, na sua continuação e acompanhamento ou cruzamento. Os sítios, onde sei que acham, são os seguintes:
1) No limite da Castanheira, em um vale chamado o Fragal, há uma galeria antiga da largura de 12 palmos, por onde se podia entrar somente até o comprimento de 15 palmos porque o mais estava entulhado.
2) Subindo da alforsia para a serra do Açor, logo no princípio se acha uma galeria antiga de vinte palmos de alto, e dez de largo aberta à picão, que atravessa grande parte da montanha, segundo é tradição por uma légua de comprido. Os povos chamam esta mina o Palácio do Rei Açor e crêem que nela há grandes tesouros. Provavelmente foi mina de chumbo argentífero; pois por toda esta serra se encontram veios de chumbo e de antimônio, que ainda não estão pesquisados.
3) Sobre os montes da vila de Fajão, em direção a noroeste, há outra galeria antiga de 15 palmos de alto e quatro de largo, onde se acham restos de chumbo fundido, e litargírio.
No lugar de Cavalheiro há um grande socavão, ou mina antiga com medas de pedregulho, e restos de escórias, e ocras, que mostram ter havido ali grande mineração.
4) Da outra banda do monte do Forcado, termo da Pampilhoza, há duas grandes galerias, ou minas antigas, abertas à picão, dos quais a primeira tem seis palmos de alto; e três quartos de largo na distância desta sessenta papos acha-se a segunda, que tem dez de alto e cinco de largo. Na primeira só se pode agora entrar até trinta palmos; na segunda porém até trezentos; e nesta aparecem restos de um poço de luz, ou clarabóia, que tem seis palmos em quadro. Há tradição no povo, que estas galerias atravessam o monte. A rocha que cortam e penetram é de xisto argiloso; as paredes das galerias ainda mostram sinais do ferro e nelas aparecem alguns fragmentos avulsos de carvão, restos do antigo modo de lavrar as minas com fogo posto como praticavam os romanos. Servem agora estas galerias de caneiros de água que represam os lavradores para regar os seus milhos.
5) Ainda que já fora deste distrito metalífero, porém a pouca distância do Zezere, devo referir que saindo da vila de Oleiros caminho de Proença a nova, no sítio chamado o Alto de Fernão Porco, junto à estrada há um grande poço antigo, e junto a ele grandes montes de entulho chamam a esta mina a Cova da Moura. Na encosta do monte e nas suas fraldas há notícia de se terem achado pedaços de quartzo com folhetas de ouro encravado; e contam que um deste pedaços fora vendido a um ourives pelo preço de 14600 (?).
Quando não tivéssemos achado neste distrito todos os jazigos metálicos, que ficam acima apontados bastavam para fazermos juízo da sua riqueza tantos restos de antiga mineração, quais os mencionados. Estou convencido por estudo e longa experiência que onde aparece uma beta possante, de certo há muitas outras que a acompanham ou cruzam. Igualmente onde houver qualquer mineração cartaginesa ou romana de alguma consideração podemos estar certos que os jazigos são ricos; porque esses povos não podiam lavrar minas com proveito e duração, que não fossem ricas e abundosas, pela ignorância da engenharia subterrânea, montanística, e metalurgia própria; por não terem as máquinas de extração e esgoto, que hoje possuímos, e pela falta da pólvora para trocar e dar fogo às rochas e matrizes, sem o que pouco se cava em cada ano, e se pouco sai muito dispendioso. Acrescentamos que os mineiros de então, escravos ou criminosos forçados, nem sabiam minas porque o não tinham aprendido; nem podiam ter zelo e atividade: acrescentamos de novo que grande parte destas antigas minas podem ser desentulhadas, e lavradas outra vez com muito proveito, porque seus jazigos metálicos por via de regra estão intactos desde o nível da galeria de esgoto para baixo; e os poços e
galerias, existentes são já outras tantas lavras de socorro, de que podemos deitar mão para a nova lavra.
Seria muito interessante e curioso que se fizesse o quadro topográfico de todas essas escavações antigas, que se acham a cada passo pelo nosso Portugal, a que os rústicos chamam furnas, fojos e covas de mouras encantadas; não só a bem da arqueologia lusitânica; mas principalmente para nos servirem de indícios certos, e de estímulo para novos descobertos, e para nova mineração, tanto proveitosa para nós, que havia sido para esses povos industriosos e ricos. Das que tenho visitado, e das muitas outras de que tenho notícias certas ficam fora de toda a dúvida as noticias históricas, que há cerca das grandes riquezas subterrâneas da Espanha, e principalmente da Galícia, Lusitânia e Turdetânia, de cujas porções reformou o nosso Portugal, nos deixaram Políbio, Strabo, Dioscórides, Plínio, Justino e outros. Por uma longa série de séculos, foi Portugal provavelmente para os fenícios, e é certo, para os cartagineses e romanos, o que hoje é para nós o Brasil, e para os espanhóis, o Peru e México.
Mas para aproveitarmos estes preciosos dons da providência são precisos ciência, zelo e cabedais. E por que não teremos? Virá tempo em que acordaremos da profunda modorra, em que temos jazido. É de esperar que nessa paternidade mais instruída, será também mais ativa e corajosa. Haja energia e boa vontade, e seremos ricos e felizes (mas desgraçadamente chegamos os portugueses à situação dos romanos em tempo de Tito Lívio; pois se nós podemos dizer o mesmo que este historiador diria dos seus: "Ad hoc tempora perventum est, quitbus nec vitia nostra, nec remedia pati popumus").
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