Interrogações e
perplexidades em torno das provas de aferição do 1º Ciclo
Segundo informação divulgada
pelo GAVE “As provas nacionais de aferição visam recolher informação relevante
sobre os desempenhos dos alunos nas áreas de Língua Portuguesa e de Matemática.
Estas provas, pelo carácter universal da sua aplicação e pela natureza da
informação que os seus resultados proporcionam, constituem um instrumento de
diagnóstico disponibilizado às escolas, aos professores e às famílias, que
permite uma reflexão coletiva e individual sobre a adequação das práticas
letivas às finalidades e aos objetivos educacionais propostos no currículo.”
Efetivamente, nos últimos
anos, as provas de aferição têm constituído um importante instrumento de
reflexão, devolvendo aos professores e aos pais a imagem das fragilidades do
nosso ensino e reorientando algumas práticas docentes, que gradualmente se
deslocaram para uma outra forma de abordar os conteúdos, nomeadamente no que se
refere à Matemática. As editoras não perderam tempo e puseram no mercado, não
só as provas que foram saindo, como manuais atualizados com modelos
semelhantes, que induziram os professores a treinarem os alunos segundo aqueles
figurinos.
Este ano, as provas de aferição foram
de uma perplexidade inquietante. Se, por um lado, o formato não era muito
diferente, os conteúdos e a forma de colocar as questões primaram pela criação
gratuita de obstáculos aos alunos, parecendo confundir-se exigência com provas
demasiado longas, no caso da de Língua Portuguesa, e com dificuldades provocadas
por questões pouco facilitadoras da compreensão, na de Matemática.
Relativamente
à prova de Língua Portuguesa, é sabido que muitos alunos (mesmo aqueles que normalmente têm um bom
desempenho académico) não tiveram tempo de a terminar, alguns nem de chegar à
Gramática. Para além das perguntas nem sempre muito acessíveis, o
segundo texto era demasiado longo e com informação excessiva, que obrigava os
alunos a estarem permanentemente a consultá-lo. Como se isso não bastasse, os
critérios que os alunos tinham de ter em conta para a elaboração do texto eram
imensos, o que os levava a perderem-se, não respeitando completamente as
orianteções para a sua escrita.
Mas,
se para alguma coisa servissem as ocorrências que têm de ser registadas pelos
professores aplicadores durante a prova, bastaria que o GAVE fizesse a
percentagem dos alunos que não tiveram tempo de acabar a prova, o que confirmaria
a sua pouca adequação a crianças desta idade.
Quanto
à Matemática, de acordo com a informação do GAVE “a prova tem por referência o Programa de Matemática do
Ensino Básico (homologado em dezembro de 2007)”. Não podemos, contudo, esquecer
que o novo programa, implementado de forma faseada, só foi generalizado em
2010.
No entanto, esta prova de Matemática parece pretender avaliar
tópicos/objetivos que não estão expressos no programa do 1º ciclo (só no 2º
ciclo), o que é uma decisão pouco rigorosa e, certamente, com consequências no
próprio processo avaliativo. Exemplo disso é o diagrama de
caule-e-folhas (pergunta 8, do Caderno 1), que não faz parte dos tópicos
nem dos objetivos específicos do programa do 1º ciclo, mas é apresentado
como um exemplo de tratamento de dados nas notas, cujo papel é “esclarecer o
alcance de cada objetivo, proporcionando opções metodológicas para o professor”(PMEB,
pg.2).
Basta consultar o Programa de Matemática, na página 27, no tema “Organização e
tratamento de dados” e confrontar o mesmo tema com o do Programa do 2º ciclo, na
página 43. Por que razão se escolheu esta forma organização da informação e não outras
que vêm claramente explícitas no Programa do 1º Ciclo (gráficos de barras,
gráficos circulares…)?!
O
mesmo acontece com as isometrias (pergunta 11 do Caderno 2), em que apenas
aparece explícito como objetivo específico o trabalho com as simetrias de
reflexão, nomeadamente em frisos. Mais uma vez, é nas notas que se apresenta
como sugestão de atividade, de forma a ajudar os alunos a apropriarem-se do
conceito, não como um conteúdo, tal como aparece na pergunta da prova.
Acresce
que a maioria das
perguntas exigia um raciocínio que muito poucos alunos desta idade conseguem
realizar, para não falar das que admitem uma enorme possibilidade de
respostas, como é o caso da pergunta nº 6 do caderno 1, o que é de uma excessiva
complexidade.
O que se pretende, então, avaliar? O sistema, nomeadamente
o que
os alunos devem mesmo saber no final do 4º ano de escolaridade ou o novo
programa de matemática, pondo-o em causa (através de questões já referidas)? Mas o quê desse Programa? Os objetivos (gerais e
específicos) ou as notas, que sugerem atividades? O
que se quer provar?
Qual é a legitimidade de um instrumento de aferição
que tem itens que não são conteúdos nem objetivos específicos do Programa do 1º
ciclo?
Por outro lado, qual a coerência desta provas
com as orientações do Ministério da Educação? De acordo com o Despacho nº
17169/2011 o conceito de competência, designadamente o “Currículo Nacional do
Ensino Básico – Competências Essenciais” deixa de “constituir referência para os
documentos oficiais do Ministério da Educação e Ciência, nomeadamente para os
programas, metas de aprendizagem, provas e exames nacionais”. No entanto, agora
aparece-nos uma prova que exige uma complexidade de competências.
Qual é a reflexão que devemos
fazer? Trabalhar mais o que é lateral aos Programas? Ou quiçá, o que não é do
Programa? Treinar os conteúdos que exigem mecanização? Ou colocar os alunos
perante uma progressiva complexidade de competências? (Mas, já agora, ao nível
das suas idades!)
Para
completar este quadro, que se adivinha já bastante negro, os critérios de
correção das provas são arrasadores. Vejam-se as
orientações dadas aos professores corretores para cortar e para não aceitar
estratégias diversificadas de resolução dos
problemas, limitando a cotação ao “certo/errado”.
Uma certeza fica: esta é uma prova claramente ideológica. Parece haver necessidade de mostrar que o Novo Programa de Matemática “não
funciona” para o poder denegrir e justificar a necessidade de o reformular. Mas
é, sobretudo, pouco ético, pois é feito à custa dos alunos e dos professores.
Perante os resultados, que
se adivinham desastrosos, estas provas de aferição apenas conseguem criar o descrédito
relativamente a este tipo de avaliação. Mas então será também isso o que se
pretende?
Num país livre (por enquanto!)
e num estado de direito, não podemos deixar de denunciar estes aspetos de que
ninguém fala, por desconhecimento. Somos nós, professores, que temos de fazer
ouvir a nossa voz e antes que a avalanche dos resultados nos caia em cima.
Sobretudo, é preciso
tornar claro que o que se evidencia neste processo é o insucesso destas provas,
mais do que o retrato do que os alunos sabem ou do que os professores ensinam!
Inácia Santana –
professora do 1º Ciclo
de Matemática.
Estas provas, pelo carácter universal da sua aplicação e pela natureza da
informação que os seus resultados proporcionam, constituem um instrumento de
diagnóstico disponibilizado às escolas, aos professores e às famílias, que
permite uma reflexão coletiva e individual sobre a adequação das práticas
letivas às finalidades e aos objetivos educacionais propostos no currículo.”
Efetivamente, nos últimos
anos, as provas de aferição têm constituído um importante instrumento de
reflexão, devolvendo aos professores e aos pais a imagem das fragilidades do
nosso ensino e reorientando algumas práticas docentes, que gradualmente se
deslocaram para uma outra forma de abordar os conteúdos, nomeadamente no que se
refere à Matemática. As editoras não perderam tempo e puseram no mercado, não
só as provas que foram saindo, como manuais atualizados com modelos
semelhantes, que induziram os professores a treinarem os alunos segundo aqueles
figurinos.
Este ano, as provas de aferição foram
de uma perplexidade inquietante. Se, por um lado, o formato não era muito
diferente, os conteúdos e a forma de colocar as questões primaram pela criação
gratuita de obstáculos aos alunos, parecendo confundir-se exigência com provas
demasiado longas, no caso da de Língua Portuguesa, e com dificuldades provocadas
por questões pouco facilitadoras da compreensão, na de Matemática.
Relativamente
à prova de Língua Portuguesa, é sabido que muitos alunos (mesmo aqueles que normalmente têm um bom
desempenho académico) não tiveram tempo de a terminar, alguns nem de chegar à
Gramática. Para além das perguntas nem sempre muito acessíveis, o
segundo texto era demasiado longo e com informação excessiva, que obrigava os
alunos a estarem permanentemente a consultá-lo. Como se isso não bastasse, os
critérios que os alunos tinham de ter em conta para a elaboração do texto eram
imensos, o que os levava a perderem-se, não respeitando completamente as
orianteções para a sua escrita.
Mas,
se para alguma coisa servissem as ocorrências que têm de ser registadas pelos
professores aplicadores durante a prova, bastaria que o GAVE fizesse a
percentagem dos alunos que não tiveram tempo de acabar a prova, o que confirmaria
a sua pouca adequação a crianças desta idade.
Quanto
à Matemática, de acordo com a informação do GAVE “a prova tem por referência o Programa de Matemática do
Ensino Básico (homologado em dezembro de 2007)”. Não podemos, contudo, esquecer
que o novo programa, implementado de forma faseada, só foi generalizado em
2010.
No entanto, esta prova de Matemática parece pretender avaliar
tópicos/objetivos que não estão expressos no programa do 1º ciclo (só no 2º
ciclo), o que é uma decisão pouco rigorosa e, certamente, com consequências no
próprio processo avaliativo. Exemplo disso é o diagrama de
caule-e-folhas (pergunta 8, do Caderno 1), que não faz parte dos tópicos
nem dos objetivos específicos do programa do 1º ciclo, mas é apresentado
como um exemplo de tratamento de dados nas notas, cujo papel é “esclarecer o
alcance de cada objetivo, proporcionando opções metodológicas para o professor”(PMEB,
pg.2).
Basta consultar o Programa de Matemática, na página 27, no tema “Organização e
tratamento de dados” e confrontar o mesmo tema com o do Programa do 2º ciclo, na
página 43. Por que razão se escolheu esta forma organização da informação e não outras
que vêm claramente explícitas no Programa do 1º Ciclo (gráficos de barras,
gráficos circulares…)?!
O
mesmo acontece com as isometrias (pergunta 11 do Caderno 2), em que apenas
aparece explícito como objetivo específico o trabalho com as simetrias de
reflexão, nomeadamente em frisos. Mais uma vez, é nas notas que se apresenta
como sugestão de atividade, de forma a ajudar os alunos a apropriarem-se do
conceito, não como um conteúdo, tal como aparece na pergunta da prova.
Acresce
que a maioria das
perguntas exigia um raciocínio que muito poucos alunos desta idade conseguem
realizar, para não falar das que admitem uma enorme possibilidade de
respostas, como é o caso da pergunta nº 6 do caderno 1, o que é de uma excessiva
complexidade.
O que se pretende, então, avaliar? O sistema, nomeadamente
o que
os alunos devem mesmo saber no final do 4º ano de escolaridade ou o novo
programa de matemática, pondo-o em causa (através de questões já referidas)? Mas o quê desse Programa? Os objetivos (gerais e
específicos) ou as notas, que sugerem atividades? O
que se quer provar?
Qual é a legitimidade de um instrumento de aferição
que tem itens que não são conteúdos nem objetivos específicos do Programa do 1º
ciclo?
Por outro lado, qual a coerência desta provas
com as orientações do Ministério da Educação? De acordo com o Despacho nº
17169/2011 o conceito de competência, designadamente o “Currículo Nacional do
Ensino Básico – Competências Essenciais” deixa de “constituir referência para os
documentos oficiais do Ministério da Educação e Ciência, nomeadamente para os
programas, metas de aprendizagem, provas e exames nacionais”. No entanto, agora
aparece-nos uma prova que exige uma complexidade de competências.
Qual é a reflexão que devemos
fazer? Trabalhar mais o que é lateral aos Programas? Ou quiçá, o que não é do
Programa? Treinar os conteúdos que exigem mecanização? Ou colocar os alunos
perante uma progressiva complexidade de competências? (Mas, já agora, ao nível
das suas idades!)
Para
completar este quadro, que se adivinha já bastante negro, os critérios de
correção das provas são arrasadores. Vejam-se as
orientações dadas aos professores corretores para cortar e para não aceitar
estratégias diversificadas de resolução dos
problemas, limitando a cotação ao “certo/errado”.
Uma certeza fica: esta é uma prova claramente ideológica. Parece haver necessidade de mostrar que o Novo Programa de Matemática “não
funciona” para o poder denegrir e justificar a necessidade de o reformular. Mas
é, sobretudo, pouco ético, pois é feito à custa dos alunos e dos professores.
Perante os resultados, que
se adivinham desastrosos, estas provas de aferição apenas conseguem criar o descrédito
relativamente a este tipo de avaliação. Mas então será também isso o que se
pretende?
Num país livre (por enquanto!)
e num estado de direito, não podemos deixar de denunciar estes aspetos de que
ninguém fala, por desconhecimento. Somos nós, professores, que temos de fazer
ouvir a nossa voz e antes que a avalanche dos resultados nos caia em cima.
Sobretudo, é preciso
tornar claro que o que se evidencia neste processo é o insucesso destas provas,
mais do que o retrato do que os alunos sabem ou do que os professores ensinam!
Inácia Santana –
professora do 1º Ciclo
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