terça-feira, 12 de junho de 2012

O insucesso das ditas provas de aferição fica aqui claro


Interrogações e perplexidades em torno das provas de aferição do 1º Ciclo

Segundo informação divulgada pelo GAVE “As provas nacionais de aferição visam recolher informação relevante sobre os desempenhos dos alunos nas áreas de Língua Portuguesa e de Matemática. Estas provas, pelo carácter universal da sua aplicação e pela natureza da informação que os seus resultados proporcionam, constituem um instrumento de diagnóstico disponibilizado às escolas, aos professores e às famílias, que permite uma reflexão coletiva e individual sobre a adequação das práticas letivas às finalidades e aos objetivos educacionais propostos no currículo.”
Efetivamente, nos últimos anos, as provas de aferição têm constituído um importante instrumento de reflexão, devolvendo aos professores e aos pais a imagem das fragilidades do nosso ensino e reorientando algumas práticas docentes, que gradualmente se deslocaram para uma outra forma de abordar os conteúdos, nomeadamente no que se refere à Matemática. As editoras não perderam tempo e puseram no mercado, não só as provas que foram saindo, como manuais atualizados com modelos semelhantes, que induziram os professores a treinarem os alunos segundo aqueles figurinos.
Este ano, as provas de aferição foram de uma perplexidade inquietante. Se, por um lado, o formato não era muito diferente, os conteúdos e a forma de colocar as questões primaram pela criação gratuita de obstáculos aos alunos, parecendo confundir-se exigência com provas demasiado longas, no caso da de Língua Portuguesa, e com dificuldades provocadas por questões pouco facilitadoras da compreensão, na de Matemática.

Relativamente à prova de Língua Portuguesa, é sabido que muitos alunos (mesmo aqueles que normalmente têm um bom desempenho académico) não tiveram tempo de a terminar, alguns nem de chegar à Gramática. Para além das perguntas nem sempre muito acessíveis, o segundo texto era demasiado longo e com informação excessiva, que obrigava os alunos a estarem permanentemente a consultá-lo. Como se isso não bastasse, os critérios que os alunos tinham de ter em conta para a elaboração do texto eram imensos, o que os levava a perderem-se, não respeitando completamente as orianteções para a sua escrita.

Mas, se para alguma coisa servissem as ocorrências que têm de ser registadas pelos professores aplicadores durante a prova, bastaria que o GAVE fizesse a percentagem dos alunos que não tiveram tempo de acabar a prova, o que confirmaria a sua pouca adequação a crianças desta idade.

Quanto à Matemática, de acordo com a informação do GAVE a prova tem por referência o Programa de Matemática do Ensino Básico (homologado em dezembro de 2007)”. Não podemos, contudo, esquecer que o novo programa, implementado de forma faseada, só foi generalizado em 2010.
No entanto, esta prova de Matemática parece pretender avaliar tópicos/objetivos que não estão expressos no programa do 1º ciclo (só no 2º ciclo), o que é uma decisão pouco rigorosa e, certamente, com consequências no próprio processo avaliativo. Exemplo disso é o diagrama de caule-e-folhas (pergunta 8, do Caderno 1), que não faz parte dos tópicos nem dos objetivos específicos do programa do 1º ciclo, mas é apresentado como um exemplo de tratamento de dados nas notas, cujo papel é “esclarecer o alcance de cada objetivo, proporcionando opções metodológicas para o professor”(PMEB, pg.2). Basta consultar o Programa de Matemática, na página 27, no tema “Organização e tratamento de dados” e confrontar o mesmo tema com o do Programa do 2º ciclo, na página 43. Por que razão se escolheu esta forma organização da informação e não outras que vêm claramente explícitas no Programa do 1º Ciclo (gráficos de barras, gráficos circulares…)?!
O mesmo acontece com as isometrias (pergunta 11 do Caderno 2), em que apenas aparece explícito como objetivo específico o trabalho com as simetrias de reflexão, nomeadamente em frisos. Mais uma vez, é nas notas que se apresenta como sugestão de atividade, de forma a ajudar os alunos a apropriarem-se do conceito, não como um conteúdo, tal como aparece na pergunta da prova.
Acresce que a maioria das perguntas exigia um raciocínio que muito poucos alunos desta idade conseguem realizar, para não falar das que admitem uma enorme possibilidade de respostas, como é o caso da pergunta nº 6 do caderno 1, o que é de uma excessiva complexidade.
O que se pretende, então, avaliar? O sistema, nomeadamente o que os alunos devem mesmo saber no final do 4º ano de escolaridade ou o novo programa de matemática, pondo-o em causa (através de questões já referidas)? Mas o quê desse Programa? Os objetivos (gerais e específicos) ou as notas, que sugerem atividades? O que se quer provar?
Qual é a legitimidade de um instrumento de aferição que tem itens que não são conteúdos nem objetivos específicos do Programa do 1º ciclo?
Por outro lado, qual a coerência desta provas com as orientações do Ministério da Educação? De acordo com o Despacho nº 17169/2011 o conceito de competência, designadamente o “Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais” deixa de “constituir referência para os documentos oficiais do Ministério da Educação e Ciência, nomeadamente para os programas, metas de aprendizagem, provas e exames nacionais”. No entanto, agora aparece-nos uma prova que exige uma complexidade de competências.
Qual é a reflexão que devemos fazer? Trabalhar mais o que é lateral aos Programas? Ou quiçá, o que não é do Programa? Treinar os conteúdos que exigem mecanização? Ou colocar os alunos perante uma progressiva complexidade de competências? (Mas, já agora, ao nível das suas idades!)
Para completar este quadro, que se adivinha já bastante negro, os critérios de correção das provas são arrasadores. Vejam-se as orientações dadas aos professores corretores para cortar e para não aceitar estratégias diversificadas de resolução dos problemas, limitando a cotação ao  “certo/errado”.
Uma certeza fica: esta é uma prova claramente ideológica. Parece haver necessidade de mostrar que o Novo Programa de Matemática “não funciona” para o poder denegrir e justificar a necessidade de o reformular. Mas é, sobretudo, pouco ético, pois é feito à custa dos alunos e dos professores.
Perante os resultados, que se adivinham desastrosos, estas provas de aferição apenas conseguem criar o descrédito relativamente a este tipo de avaliação. Mas então será também isso o que se pretende?
Num país livre (por enquanto!) e num estado de direito, não podemos deixar de denunciar estes aspetos de que ninguém fala, por desconhecimento. Somos nós, professores, que temos de fazer ouvir a nossa voz e antes que a avalanche dos resultados nos caia em cima. Sobretudo, é preciso tornar claro que o que se evidencia neste processo é o insucesso destas provas, mais do que o retrato do que os alunos sabem ou do que os professores ensinam!
Inácia Santana – professora do 1º Ciclo
de Matemática. Estas provas, pelo carácter universal da sua aplicação e pela natureza da informação que os seus resultados proporcionam, constituem um instrumento de diagnóstico disponibilizado às escolas, aos professores e às famílias, que permite uma reflexão coletiva e individual sobre a adequação das práticas letivas às finalidades e aos objetivos educacionais propostos no currículo.”
Efetivamente, nos últimos anos, as provas de aferição têm constituído um importante instrumento de reflexão, devolvendo aos professores e aos pais a imagem das fragilidades do nosso ensino e reorientando algumas práticas docentes, que gradualmente se deslocaram para uma outra forma de abordar os conteúdos, nomeadamente no que se refere à Matemática. As editoras não perderam tempo e puseram no mercado, não só as provas que foram saindo, como manuais atualizados com modelos semelhantes, que induziram os professores a treinarem os alunos segundo aqueles figurinos.
Este ano, as provas de aferição foram de uma perplexidade inquietante. Se, por um lado, o formato não era muito diferente, os conteúdos e a forma de colocar as questões primaram pela criação gratuita de obstáculos aos alunos, parecendo confundir-se exigência com provas demasiado longas, no caso da de Língua Portuguesa, e com dificuldades provocadas por questões pouco facilitadoras da compreensão, na de Matemática.

Relativamente à prova de Língua Portuguesa, é sabido que muitos alunos (mesmo aqueles que normalmente têm um bom desempenho académico) não tiveram tempo de a terminar, alguns nem de chegar à Gramática. Para além das perguntas nem sempre muito acessíveis, o segundo texto era demasiado longo e com informação excessiva, que obrigava os alunos a estarem permanentemente a consultá-lo. Como se isso não bastasse, os critérios que os alunos tinham de ter em conta para a elaboração do texto eram imensos, o que os levava a perderem-se, não respeitando completamente as orianteções para a sua escrita.

Mas, se para alguma coisa servissem as ocorrências que têm de ser registadas pelos professores aplicadores durante a prova, bastaria que o GAVE fizesse a percentagem dos alunos que não tiveram tempo de acabar a prova, o que confirmaria a sua pouca adequação a crianças desta idade.

Quanto à Matemática, de acordo com a informação do GAVE a prova tem por referência o Programa de Matemática do Ensino Básico (homologado em dezembro de 2007)”. Não podemos, contudo, esquecer que o novo programa, implementado de forma faseada, só foi generalizado em 2010.
No entanto, esta prova de Matemática parece pretender avaliar tópicos/objetivos que não estão expressos no programa do 1º ciclo (só no 2º ciclo), o que é uma decisão pouco rigorosa e, certamente, com consequências no próprio processo avaliativo. Exemplo disso é o diagrama de caule-e-folhas (pergunta 8, do Caderno 1), que não faz parte dos tópicos nem dos objetivos específicos do programa do 1º ciclo, mas é apresentado como um exemplo de tratamento de dados nas notas, cujo papel é “esclarecer o alcance de cada objetivo, proporcionando opções metodológicas para o professor”(PMEB, pg.2). Basta consultar o Programa de Matemática, na página 27, no tema “Organização e tratamento de dados” e confrontar o mesmo tema com o do Programa do 2º ciclo, na página 43. Por que razão se escolheu esta forma organização da informação e não outras que vêm claramente explícitas no Programa do 1º Ciclo (gráficos de barras, gráficos circulares…)?!
O mesmo acontece com as isometrias (pergunta 11 do Caderno 2), em que apenas aparece explícito como objetivo específico o trabalho com as simetrias de reflexão, nomeadamente em frisos. Mais uma vez, é nas notas que se apresenta como sugestão de atividade, de forma a ajudar os alunos a apropriarem-se do conceito, não como um conteúdo, tal como aparece na pergunta da prova.
Acresce que a maioria das perguntas exigia um raciocínio que muito poucos alunos desta idade conseguem realizar, para não falar das que admitem uma enorme possibilidade de respostas, como é o caso da pergunta nº 6 do caderno 1, o que é de uma excessiva complexidade.
O que se pretende, então, avaliar? O sistema, nomeadamente o que os alunos devem mesmo saber no final do 4º ano de escolaridade ou o novo programa de matemática, pondo-o em causa (através de questões já referidas)? Mas o quê desse Programa? Os objetivos (gerais e específicos) ou as notas, que sugerem atividades? O que se quer provar?
Qual é a legitimidade de um instrumento de aferição que tem itens que não são conteúdos nem objetivos específicos do Programa do 1º ciclo?
Por outro lado, qual a coerência desta provas com as orientações do Ministério da Educação? De acordo com o Despacho nº 17169/2011 o conceito de competência, designadamente o “Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais” deixa de “constituir referência para os documentos oficiais do Ministério da Educação e Ciência, nomeadamente para os programas, metas de aprendizagem, provas e exames nacionais”. No entanto, agora aparece-nos uma prova que exige uma complexidade de competências.
Qual é a reflexão que devemos fazer? Trabalhar mais o que é lateral aos Programas? Ou quiçá, o que não é do Programa? Treinar os conteúdos que exigem mecanização? Ou colocar os alunos perante uma progressiva complexidade de competências? (Mas, já agora, ao nível das suas idades!)
Para completar este quadro, que se adivinha já bastante negro, os critérios de correção das provas são arrasadores. Vejam-se as orientações dadas aos professores corretores para cortar e para não aceitar estratégias diversificadas de resolução dos problemas, limitando a cotação ao  “certo/errado”.
Uma certeza fica: esta é uma prova claramente ideológica. Parece haver necessidade de mostrar que o Novo Programa de Matemática “não funciona” para o poder denegrir e justificar a necessidade de o reformular. Mas é, sobretudo, pouco ético, pois é feito à custa dos alunos e dos professores.
Perante os resultados, que se adivinham desastrosos, estas provas de aferição apenas conseguem criar o descrédito relativamente a este tipo de avaliação. Mas então será também isso o que se pretende?
Num país livre (por enquanto!) e num estado de direito, não podemos deixar de denunciar estes aspetos de que ninguém fala, por desconhecimento. Somos nós, professores, que temos de fazer ouvir a nossa voz e antes que a avalanche dos resultados nos caia em cima. Sobretudo, é preciso tornar claro que o que se evidencia neste processo é o insucesso destas provas, mais do que o retrato do que os alunos sabem ou do que os professores ensinam!
Inácia Santana – professora do 1º Ciclo

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