domingo, 12 de agosto de 2012

E por lugares, e mundos como Ceiroquinho...

Lugares da Alma 

(A Monsenhor Nunes Pereira)

Que sabia estes versos de cor.
Canta-se ainda à noitinha, pela roda de um braseiro. Por invernias, onde se pena de frio.
Por lugares onde Serra, e as Beiras dão de mão. E com o Rio Ceira, sempre encostado em seu perfeito ciúme.
O ciúme que o rio tem daquela Serra.. E por lugares, e mundos como Ceiroquinho.
Boiças, Algares, Relvas, Teixeira e Água d’Alte. Caratão, Porto da Balsa, Castanheira.
Fajão, Góis. Ou ainda Celavisa, Arganil, Gralhas, Vale da Maceira, Sargaçosa.
Ou (e fique-se por aqui): Barrigueiro, Ponte das Três Entradas, Mata. Mas é verdade.
Ainda se canta por estes lugares, com uma guitarra servindo de base. A base necessária ao mote geral da fagulha, saltando no madeiro.
Ainda se canta por aqui (soprando aos ares, e ao frio da noite), coisas da chuva e do vento. Algumas até bem transpiradas:
Esta noite sonhei eu,
A outra sonhado tinha,
Que estava na tua cama,
Acordei, estava na minha.

Tudo, praticamente tudo, o que aqui pertence, que pertence a estes lugares, é chamado a um versejar popular. A porta, e seu trinco.
A rola, e suas queixas. O provento que o pai ganha.
A sede, e a boca (na sua fonte). O terreiro, o vira, o adro da igreja, o jogo do pião.
A fruta do chão, o manjerico, o rosmaninho, a baga do loureiro. E ainda mais: o rio, as pedras de lavar, os quintais, as voltas do lugar, a mó, a nora, o lume, a cinza.
É verdade, sim senhora. Ainda se canta por estes lugares, na companhia de um grilo qualquer, que ninguém manda calar.
E para que tal aconteça, basta (apenas) o tempero de uma pinga, que ajude o cantar, a fazer-se delgadinho.
Jorge Serrão

sábado, 11 de agosto de 2012

"Usanças" de um povo

À Descoberta das Nossas Raízes 

Memórias do Passado: Costumes, os Usos e os Costumes


"Usanças ou hábitos antigos, lendas, memórias, testemunhos, recordações, transmitidos de geração em geração quer por via oral quer escrita, mas fundamentalmente pela voz do povo, é aquilo que é vulgar designar por tradição. 
 

Com toda a propriedade se diz que as tradições são a alma dum povo, lhe imprimem carácter e dão identidade própria, constituindo parte importante da auto-estima duma comunidade.Há mesmo quem defina as tradições como a maneira de agir e de pensar de passadas gerações, tendo na sua base um conjunto de características de um aglomerado humano vindas de épocas remotas e transmitidas, geração após geração, através de um longo período de tempo. Numa análise mais profunda poderá até dizer-se que as tradições alimentam o imaginário das populações. De facto, e à maneira de exemplo, Fajão não seria provavelmente o que é hoje se não pudesse inserir no seu passado o enorme contributo que os “Contos” dão à sua história, fazendo desta velha vila um ponto de convergência de antigas lendas e peculiares comportamentos populares.
Porém, a cada passo ouvimos dizer, com crescente frequência, que a tradição já não é o que era noutros tempos. E alguma razão haverá certamente a fundamentar esta asserção, pois muitas delas perderam significado, outras se vão perdendo, infelizmente, na voragem do tempo, mas há ainda algumas que vão resistindo à erosão do fluir dos anos e das mudanças operadas na sociedade, se não na sua recriação pelo menos na memória de gerações.
É um facto comummente aceite que a preservação da memória do passado, em que o culto das tradições ocupa lugar relevante, é de tal modo importante na vida duma comunidade que quase se poderá afirmar que um povo sem memória é um povo em risco, na justa medida em que a ausência de recordações do passado é indício de falta de história, o que vai transformando as pessoas em seres frios, sem a afectividade inerente à memória que se afigura indispensável para uma sã convivência. É nessa medida que a preservação da memória do passado constitui um factor cultural de inegável mérito, a ponto de se poder afirmar que uma terra não morre enquanto as suas tradições perdurarem no tempo e a sua população, orgulhosa delas, as recriar e preservar na sua vida quotidiana.
É provável que todas as terras tenham as suas tradições, os seus usos e costumes, como parte significativa da sua história. Muitas dessas tradições, na sua manifestação popular, variam de aldeia para aldeia, sem embargo de haver algumas que lhes são comuns, enquanto que outras serão específicas de determinada povoação a quem compete preservá-las como marca importante da sua identidade. O trabalho que se segue pretende mostrar o roteiro das tradições da minha aldeia que me propus relembrar a partir da observância de vários anos, designadamente no tempo da juventude passada na aldeia natal, com o intuito de evocar antigos usos ou lembrar as tradições ali vividas, umas já desaparecidas, outras que ainda se vão mantendo com maior ou menor participação da comunidade e que continuam a ser um sinal de identidade e uma marca cultural dignos de serem preservados.
De acordo com o que se encontra subjacente às suas características, começo por classificar as tradições em quatro grupos, a saber: tradições de natureza social, tradições de carácter religioso, tradições de natureza económica e tradições comunitárias."
Memórias do Passado - Aníbal Pacheco

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O Juiz de Fajão, no Porto

Um dia mataram um homem na serra da Rocha, e o Juiz de Fajão, que andava Por ali à caça, viu quem o matou.

Mas como esse homem andava de mal com certo indivíduo, puseram as culpas a esse com quem ele andava de mal.
No tribunal, as testemunhas juraram que tinha sido esse fulano o assassino..
O Juiz de Fajão tinha visto, mas não podia ser ao mesmo tempo testemunha e juiz. Tinha de julgar conforme a prova testemunhal, mas também não queria condenar um inocente e deixar em liberdade o assasssino.
Então lavrou a seguinte sentença:
Julgo que bem julgo,
posto que bem mal julgado está!
Vi que não vi, morra que não morra!
Dêem o nó na corda que não corra.
Chés-bés; Maria põe palha.
E, lida a sentença, aconselhou o réu a recorrer para a Relação.
Foi o processo para a Relação do Porto, e de lá devolveram-no alegando que não entendiam os dizeres daquela sentença, especialmente aquele «chés-bés, Maria põe palha». Que era melhor lá ir.
Depois entrou, mas ninguém lhe deu cadeira para se sentar. Então ele não se desmanchou; pegou no capote, dobrou-o muito bem dobrado e sentou-se em cima dele.
Perguntaram-lhe então o que queria dizer a sentença, e ele explicou:
«Julgo bem julgo,» porque julguei conforme a prova testemunhal.» «Posto que bem mal julgado está», porque eu vi que o réu está inocente». «Vi, que não vi», porque vi quem matou mas não posso ser Juiz e testemunha». «Morra que não morra, dêem o nó na corda que não corra», porque ele não deve morrer visto que está inocente».
E pergunta o presidente da Relação:
- Então o que é isto que aqui está: «chés-bés, Maria põe palha»?
- Pois os senhores não sabem o que é chés-bés? Até um rapazito sabe o que isso é. Olhe, quando eu entrei estava ali um à porta; se o mandarem chamar, ele diz o que isso é.
Foram chamar o rapazito, e perguntaram-lhe o que quer dizer «chés-bés». Ele respondeu logo: Quer dizer etc., etc.
O Juiz da Relação não se deu por vencido, e perguntou ao Juiz de Fajão:
- Então e isto que aqui está: «Maria põe palha»?
- Sabe, Sr. Dr. Juiz, é que nós lá em Fajão temos falta de azeite para nos alumiarmos, e então deitamos palhas na fogueira para podermos escrever.
Quando a chama vai a apagar-se tem de se dizer: Maria, põe palha! O Juiz da Relação disse então:
- Pois se lá não têm azeite, mande cá uma almotolia que eu dou-lhe o azeite.
Terminada assim a audiência, o Juiz de Fajão levantou-se, despediu-se com todo o respeito e já ia a sair, quando o oficial de diligências lhe gritou lá do cimo da escada: « Então o senhor Juiz não leva o capote?» - O Juiz de Fajão nunca levou cadeira donde se assentou.

A almotolia do azeite
Como o Juiz da Relação do Porto disse ao Juiz de Fajão que mandasse lá uma almotolia, que ele lha enchia de azeite para se alumiar, o Juiz de Fajão, que não era trouxa nenhum, mandou fazer uma almotolia grande, capaz de encher o chedeiro dum carro de bois.
Chamou os latoeiros da terra e dos arredores, e quando a almotolia estava pronta, puseram-na em cima dum carro de bois e lá vão com ela para o Porto.
Chegados ali, bateram à porta do Juiz da Relação, dizendo que iam buscar a almotolia de azeite que estava prometida desde o dia tantos de tal.
A criada, que veio à porta, ficou arrelampada , e foi lá dentro dizer ao patrão: Estão ali uns homens, mandados do Sr. Juiz de Fajão, dizendo que vêm buscar a almotolia de azeite que lhe tinha prometido no dia tantos de tal; mas é uma almotolia que enche o carro!
Ora o Juiz da Relação não tinha dito qual o tamanho da almotolia, e para não dar parte de fraco teve de mandar pedir azeite emprestado para encher a almotolia do Juiz de Fajão.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Juiz de Fajão

O Juiz e os catorze fidalgos de Fajão.
Em Fajão havia o Juiz e os 14 Fidalgos.
Um dia vinha um homem com um molho de mato às costas, e um viandante perguntou-lhe: «O senhor sabe-me dizer quantos são os Fidalgos de Fajão ?»
E o homem respondeu:
«Saberá Vossa Senhoria que comigo somos catorze.

A igreja de Fajão

 Na terra dos "Contos de Fajão" 

 fotos de Mariana Gama 

"A igreja fica encostada ao monte, tendo sido levantada a torre em frente. O titular é Nossa Senhora da Assunção.



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Viagens na Minha Terra

"Fajão recebe-nos com a hospitalidade das suas gentes e com a beleza surpreendente das suas casas. Cada uma tem uma história feita de pequenos pormenores e de configurações inovadoras que respeitam e elogiam as linhas tradicionais. É preciso andar devagar e apreciar o namoro entre o xisto e as madeiras de portas e janelas, ou reparar como a cor das paredes parece iluminar todas as ruas por dentro, e que todas elas nos guiam para a luz dos espaços mais amplos. No exterior destacam-se os telhados em lousa e as carpintarias de linhas sóbrias. As janelas de vidro inteiro e duplo, com portadas interiores, conferem leveza a toda a estrutura dos edifícios. As portas, encimadas por padieiras em madeira, apresentam em alguns casos um tradicional postigo de vidro. Aqui e ali, algumas paredes rebocadas e pintadas de amarelo-torrado alegram a vila com um colorido pontual. Aprecie as aldrabas, os postigos e cercas, as cimalhas e as paredes curvas, as fontes ou as varandas."
Aldeias do Xisto


















Fajão foi vila e sede de concelho até 1855.
No entanto, é uma pequena povoação de difícil acesso, cujo principal encanto reside na permanência de um cariz primitivo de grande interesse e na paisagem que proporciona a quem dela se aproxima.
Rodeada de cabeços nus e de alguns penhascos, torna-se difícil distinguir as serras propriamente ditas de entre uma grande confusão de colinas, lombas, barrancos, cabeços e valeiros, numa estranha sucessão de curvas suaves e graciosas, desérticas até onde a vista alcança.
Fajão fica situada próxima da nascente do rio Ceira...
A antiga Ermida de Nossa Senhora da Guia também foi demolida e, embora a actual seja de uma arquitectura que se adapta ao meio local, o seu modernismo é quase chocante.

À Descoberta de Portugal, vol 1, pp249

Fotos Carlos Gama / Carlos Gonçalves

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Viagens na Minha Terra

Na Vila de Oleiros, pela direita em direcção a Álvaro, chegamos a Casal Novo. A Fábrica da Resina num amontoado de esquecimento e histórias passadas, deu pão a muitas famílias. Pela esquerda entramos no Mítico troço Casal-Madeirã.

Passada a Fonte, a Curva do Gelo, e o Alto do Cavalo (lugar mítico), encontramos a placa de Sobral 5 Km. A partir daqui os nomes são estes: Faval, Leiria de Cima, Leiria do Meio, Pessilgal, Roda de Baixo, Roda de Cima, Sabugal, Sobral de Baixo, Sobral de Cima e Casalinho... E pelos seguintes lugares: Póvoa de Minal, Mourelo, Ninho do Corvo, Val da Constância, Fundo do Val, Picorreia, Sobreirinho e Val da Carreira.

Em Oleiros, no Alto do Cavalo, ( lugar mítico) no horizonte próximo a povoação do Cavalo. Mais para além daquela curva Monte Fundeiro, terra muito marcada pelo drama do GRANDE incêndio de 2003.
E ainda, no troço Madeirã-Casal Novo e Alto da Cava-Casal Novo.
Vale de Mós, Mosteiro...


Em Oleiros, no Alto do Cavalo (lugar mítico) onde no passado ocorreu um crime hediondo.
A povoação do Cavalo, mais para baixo Monte Fundeiro marcada pela tragédia do GRANDE incêndio de 2003.
Escola pequenina e já sem alunos, junto da estrada principal.
Um pastor com o seu pequeno rebanho por ali andava num final de tarde soalheiro.
O caminho estreito levava a Vale Salgueiro onde ocorreu um DRAMA com a passagem do GRANDE incêndio de Agosto de 2003.
Habitantes deste lugar tiveram de refugiar-se dentro de um tanque de água para salvarem a sua pele. Entre eles estava uma cirança de...4 anos!


No espelho retrovisor do Carisma a descida para Azenha da Ribeira, a aldeia de Poeiros e um oásis no mapa dos incêndios: uma mancha de Pinheiros para o futuro queimar? Será? Do meu lado direito avisto lá para longe Alcains, Salgueiro do Campo e para o lado Sul, a grande urbe! Castelo Branco...
Agora é altura de enfrentar uma descida com declive de 20% em 700 metros! Prova para máquinas e condutores!!
Estamos na Azenha de Cima, terra de Xisto e muito bonita.
Para trás ficaram:
Lugares míticos.
Paisagens a perder de vista.
O mapa dos incêndios.
Cristas, Vales, Outeiros, Montes, Serras, Planaltos...
Lugares, sonhos, amores e a esperança de pessoas marcadas pelo tempo, pela dura prova do tempo.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Viagens na Minha Terra

As Minas da Panasqueira são as maiores minas subterrâneas do mundo, com mais de 12 mil quilómetros de túneis escavados pelo homem.

Panasqueira / Rebordões - S. Jorge da Beira
Fotos Carlos Gama / Carlos Gonçalves

Panasqueira. Tudo começou em 1895...
Do Salgueiro 928 mtr S.Jorge da Beira, a Panasqueira, e a serra...de espessos matagais, sobretudo urze, giestas, medronheiros e um farto pinhal.Era tal a abundância de volfrâmio...pedras enormes, puro minério...
Foto tirada no Clube dos Amigos da Panasqueira
Foto tirada no Clube dos Amigos da Panasqueira
Barroca Grande. Foto tirada no Clube dos Amigos da Panasqueira
Entrada no Clube dos Amigos da Panasqueira
Panasqueira vista de S.Jorge da Beira
S. Jorge da Beira da estrada da Panasqueira.
A vertente sul da Serra da Cebola 1296 mtr

domingo, 5 de agosto de 2012

Ponto central

Este excelente blogue parece que se "zangou com a restante blogosfera" (de meios mais "arcaicos" e quiçá sem tantas fontes de informação, até pela enorme dificuldade em ter as fontes informadoras no sítio certo) continua a ser um blogue de referência e leitura diária, da minha parte, mas ao qual não posso passar sem aconselhar uma visita ao SIMPOSIUM TERAPÊUTICO de Classificação fármaco-terapêutica, para que possa iniciar um maior comprometimento com o indivisível, que são todos os profissionais de educação em Portugal, e não apenas a "mania" bem portuguesa, de nos colocarmos uns patamares mais além do senso comum.

sábado, 4 de agosto de 2012

"Nação valente e imortal"



Este Manifesto deveria ser fotocopiado em milhões de folhetos e lançado sobre Portugal à moda antiga. De avioneta.
Hoje em dia está reservado a poucos poderem falar e escrever sem pensar em consequências. Com verdadeira Liberdade!
  Portugal visto por Lobo Antunes
  • Um escritor genial, um retrato demolidor da " Nação valente e imortal". Façam o favor de ler.


Nação valente e imortal

Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.
Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade. O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.
Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!

Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.
Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.
Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis. Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.
Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.
Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.
(crónica satírica de António Lobo Antunes, in Visão, abril 2012)

Errática & insegura

«Sea como sea, yo sigo siendo la rubia». Tan tranquila dicen que se quedó Marilyn Monroe cuando le dijeron que ella no sería la estrella de 'Los caballeros las prefieren rubias'. Le daba igual.
Continua AQUI

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Viagens na Minha Terra


A barragem de Sta Luzia.

O meu carro perto do paredão da barragem de Sta Luzia.
Junto do início da conduta que transporta a "hidro" para a hidroeléctrica do Esteiro.

A albufeira da barragem de Sta Luzia. Pode ver-se a captação de água e parte da piscina artificial.

O Picoto da Serra de Cebola encoberto pela "animação do céu".
A povoação do Esteiro na margem direita do rio Zêzere.


A "hidro" passa por aqui encosta abaixo, após deixar a albufeira da barragem de Sta Luzia.



No caminho de terra batida junto da hidroeléctrica do Esteiro.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A Agricultura na Serra do Açor

"A difícil subsistência das populações serranas esteve sempre dependente da relação estreita entre uma agricultura pobre, de cômbaros e pequenos lameiros, e a criação de gado. De tal modo tudo estava tão intimamente ligado, que a criação do porco ou das cabras se cruzava e confundia a todo o momento com as fainas do milho e do centeio ou com o cultivo da batata, do feijão e das botelhas (abóboras). O milho era o principal sustento: quando faltava o milho faltava tudo. A ele se juntava o feijão, a couve, a batata, o azeite, o vinho, a castanha, o porco, a cabra e pouco mais. O estrume das lojas era essencial para o sucesso das sementeiras. Por isso, havia que ir ao mato para a cama das cabras, uma dura tarefa quotidiana que muitas vezes se realizava antes do sol nascer. Agora, com as serras despovoadas de gentes e de gado, há mato em excesso, mas antes, para se encontrar uma boa malha tinham de se percorrer grandes distâncias nos baldios. Um molho de mato pode ser uma obra de arte quando se sabe enfeixar e depois apertar bem, passando a corda pelo gancho do ervedeiro. Em Dezembro começava-se a tirar o esterco das lojas e a transportá-lo para os bocados - um trabalho pesado, feito à força de braços e às costas, nas cestas. Por vezes, quando os acessos o permitiam, os carros de bois davam uma ajuda no transporte. Depois de Fevereiro, as terras começavam a ser voltadas ao encino, de modo a serem preparadas para a sementeira. Como os solos eram magros e quase sempre inclinados, a cava exigia uma técnica especial - começava-se por tirar a terra, abrindo uma vala na parte mais baixa do terreno e acartando a terra às cestas (nas costas, claro) para a parte mais alta, onde era espalhada. Compensava-se, deste modo, o progressivo deslizamento dos solos devido às regas, à chuva e às próprias cavas. Cavada a terra, o esterco era então espalhado nos regos com um encino mais pequeno. Em Março semeava-se o milho, muitas vezes misturado com feijão, em regos pouco fundos. Depois, o milho era arralado. Com um metro era feito o empalhado com mato, para conservar a humidade do solo. Estava-se então em Junho - era a altura da primeira rega. Seguidamente escanava-se (ou tirava-se a bandeira), quando a barba da espiga estava praticamente seca e desfolhava-se a planta quando a espiga começava a aloirar. As folhas e as bandeiras, depois de secas, eram guardadas como alimento de inverno para as cabras, assim se pagando com boa forragem o bom estrume antes recebido. A rega realizava-se com regularidade até a espiga estar quase madura. Finalmente, em Setembro, as espigas já secas eram cortadas do canoco e transportadas para casa. Aí, ao serão, eram descamisadas (ou escalpeladas e depois debulhadas. As descamisadas e as degulhas, em que os grãos de milho eram descasulados (retirados do casulo), eram uma ocasião de entreajuda e convívio: à luz das candeias de azeite desfolhavam-se as maçarocas e depois os homens malhavam, com paus curtos ou manguais, o grande monte de espigas - uma, duas, três vezes, até a maior parte do grão se soltar do casulo. Sentadas em semi-círculo, as mulheres retiravam dos casulos, com as mãos, os grãos que ainda restavam. Cantava-se, falava-se da vida deste e daquele e, quer encontrassem ou não o "milho-rei" os rapazes e raparigas solteiros arranjavam um pretexto para namoriscarem. Depois, vieram as debulhadoras manuais, a seguir as debulhadoras mecânicas, novas qualidades de milho híbrido (já sem "milho-rei") e, por fim, até a mocidade casadoira começou a debandar para as cidades, à cata de outro grão para o seu sustento."

Dr. Paulo Ramalho - Tempos Difíceis - Tradição e Mudança na Serra do Açor