segunda-feira, 24 de março de 2014

In Memoria Academicorum

Tragédia no Meco: In Memoria Academicorum

4951061Ando desde o dia em que a tragédia do Meco aconteceu para tentar escrever algo. Cada vez que pego no computador para o fazer, desligo-o. Oiço as notícias e fico “aparvalhado” com tudo o que ouço. Nos últimos dias, então, tem sido um “fartote” de factos novos.Vou tentar expressar o que me vai na alma.
A primeira coisa que me assalta a alma é, sem dúvida, o sentimento de perda. Perda pela vida da Catarina,da Andreia, da Joana, da Carina, do Tiago e do Pedro. Eram jovens que gostavam e viviam a tradição académica. Convive este sentimento de perda com vários outros como, por exemplo, os sentimentos de pesar e de perda que as famílias destes jovens estão a sentir. Quer queiramos quer não, é “contranatura” ver partir os filhos antes de nós. Depois assalta-me um sentimento medo. Medo porque sou pai e tenho duas filhas com idade universitária, uma delas participante activa nas tradições académicas da sua instituição e outra que, no próximo ano, entrará no ensino superior. Medo porque não entendo que raio de tradição se anda por aí a fazer e que leva a que casos destes possam acontecer. Medo porque temo que alguma delas perca o sentido crítico e não saiba dizer “BASTA”, como lhes ensinei, quando acharem que as praxes que lhes digam para fazer acarretem risco ou ultrapassem os limites da sua dignidade. Acho que estão bem instruídas quanto a isso, mas que o medo me assalta não posso negar.
Depois vem, junto a tudo isto, um sentimento de revolta e de impotência. Revolta porque ainda sou do tempo em que a tradição era passada de “estudante para estudante”. Ainda sou do tempo em que as praxes eram exercidas dentro das instituições. Ainda sou do tempo em que os “mais velhos” podiam controlar as mesmas, de modo a que não existissem abusos. Ainda sou do tempo em que o “militarismo” das praxes não se aplicava nos moldes actuais. Ainda sou do tempo em que as praxes eram para nos divertirmos todos, tanto os mais velhos como os mais novos. Ainda sou do tempo em que as tradições eram um local onde se conheciam amigos que ficavam para toda a vida. Ainda os mantenho, graças a Deus! Revolta porque ando, desde que começaram a proibir as “praxes” dentro das instituições, a alertar para os riscos que se estão a correr, mas ninguém me ouviu! Proibiram para acabar com as praxes e esqueceram-se que o fenómeno tradições era demasiado grande e iria continuar noutras circunstâncias e noutros locais. No meio de tanta gente culta não houve ninguém capaz de perceber e ouvir o ditado popular que diz “quanto mais perto melhor”. Revolta porque, com essa atitude, passaram a permitir “praxes privadas” e, assim, começou a ser mais difícil impedir alguns excessos que, ninguém pode negar, vão acontecendo. Revolta porque, com esta atitude, estão a conseguir que alguns sem capacidade e sem bom-senso vão ficando responsáveis por grupos pelos quais nunca seriam responsáveis se as coisas fossem feitas “às claras” e na frente de todos. Revolta porque co-organizei um Congresso de Tradição Académica, para que todas as Academias do país seguissem o mesmo rumo, e foram incapazes de entender o alcance disso e de seguir esse rumo. Revolta porque, mais importante de tudo, com a vossa atitude, permitiram que um grupo de jovens corresse riscos e que estes acabassem por partir mais cedo do que deviam.
Irra, gente! É tão difícil perceber que as coisas têm de ser feitas com bom-senso, sem riscos e que, quando estão trajados, representam muito mais do que vocês próprios?! É tão difícil perceber que ser pelas tradições académicas é um modo de vida e que, com ele, queremos ser mais felizes, mais amigos, mais solidários e mais companheiros? É difícil entenderem que para ensinar isto não é preciso andar a fazer “praxes militares”? É difícil entenderem que o “poder” que acham que possuem é só aquele que os outros vos dão? É difícil entender que tradição académica não é seguidismo mas sim irreverencia e conhecimento? É difícil dizer “NÃO”?!
A segunda coisa que sempre ensinei aos caloiros foi que o direito de dizer NÃO é um direito que ninguém lhes pode tirar, é inerente ao ser humano. Sempre lhes ensinei que em Praxe estamos todos, inclusivamente o que tiver o cargo mais alto. Por isso, se ele errar terá de responder por isso. Sempre lhes ensinei que existiriam sempre colegas que estariam do lado deles para os apoiar na decisão que tomassem. Onde andam esses “caloiros”?Que raio de ensinamentos é que vocês passaram, que não são aqueles que me ensinaram e que eu vos ensinei?! Onde foram vocês buscar este raio de ideias?! Como é possível que gente trajada possa partir assim?!
Assalta-me a alma um sentimento de revolta perante a dor dos amigos deles, que olharão todos os dias para o lugar deles e não os vão encontrar. Que vão querer comentar algo com eles e não os vão ter. Que vão querer o seu exemplo e não o vão ter. Quantas lagrimas, quanta dor não anda contida e encoberta naqueles corações! Quanta revolta! Se eu sinto e não os conhecia, quanta não sentirão eles e elas! Deixo-vos um apelo: usem essa revolta, usem essa raiva e não permitam que coisas destas voltem a acontecer.
Não tenho e não quero ter dúvidas que tudo isto que se passou foi algo que não teve nada relacionado com provas de tradições académicas, e que foi esse ser traiçoeiro chamado “mar” que resolveu usar das suas artimanhas e retirar-nos estes amigos. Contudo, também não consigo ter dúvidas que ir para junto dele num dia de tempestade e de “alerta vermelho” é, no mínimo, uma enorme falta de bom-senso e uma irresponsabilidade. Seja ela de quem for.
Aos que exercem Praxe, gostaria de vos deixar alguns apelos. Lembrem-se sempre que tradição académica foi, é e será sempre VIDA E PAIXÃO! Nunca se esqueçam disso! Nunca esqueçam que na Tradição Académica existem sempre normas de conduta que servem para fazer de nós seres mais correctos, mais amigos, mais solidários, mais companheiros e melhores seres humanos, e que nunca existiram regras para criar “Rambos” nem candidatos ao “Survivor”. Tratem os mais novos com o máximo de respeito, só assim irão ser respeitados. Não são gritos nem humilhações que lhes irão incutir respeito mas sim o vosso exemplo de bom-senso, justiça e Academismo. Nunca esqueçam que sempre que trajam representam muito mais do que vocês mesmos: representam todos os que sentem e vivem a tradição académica, representam entre outros também a mim e eu, desculpem, mas não quero ser representado por gente sem classe. Para isso já me bastam os políticos.
Aos Magníficos Reitores das Instituições de Ensino Superior, se por algum acidente de percurso lerem este meu desabafo, gostaria de pedir para lançarem o debate nas suas instituições, para exigirem saber quem está à frente destas coisas, para os responsabilizarem, mas para lhes permitirem exercer a tradição académica dentro das instituições, de modo a diminuir os riscos. Afinal, Magníficos Reitores, se as coisas forem feitas dentro das instituições, muitas vezes vos bastará aceder a uma janela do Vosso gabinete para impedir qualquer exagero. Longe do vosso olhar, e do olhar dos que possuem bom-senso, torna-se muito mais difícil controlar e pode acarretar tragédias que nada nem ninguém consegue estimar os danos também para a instituição.
Finalmente uma palavra para os familiares das vítimas: que Deus vos dê a força que necessitais, pois ninguém além d’Ele será capaz de o fazer, nem de calcular a dor que estais a sentir.
A vós, Catarina, Andreia, Joana, Carina, Tiago e Pedro, peço que, de onde estais, rezai por nós todos, para que a sabedoria dos homens possa encontrar um meio de que isto não volte a acontecer. Eu, simples académico e pai, gostaria de vos prometer que a próxima vez que vestir o meu traje será em Luto em vossa memoria, perante a qual me vergo,TRISTE, INCRÉDULO E REVOLTADO!

Ad Eternum Academicus Lusofonae Universitatis
Fernando Borges

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