Tragédia no Meco: In Memoria Academicorum
Ando
desde o dia em que a tragédia do Meco aconteceu para tentar escrever
algo. Cada vez que pego no computador para o fazer, desligo-o. Oiço as
notícias e fico “aparvalhado” com tudo o que ouço. Nos últimos dias,
então, tem sido um “fartote” de factos novos.Vou tentar expressar o que
me vai na alma.
A primeira coisa que me assalta a alma é, sem dúvida, o sentimento de
perda. Perda pela vida da Catarina,da Andreia, da Joana, da Carina, do
Tiago e do Pedro. Eram jovens que gostavam e viviam a tradição
académica. Convive este sentimento de perda com vários outros como, por
exemplo, os sentimentos de pesar e de perda que as famílias destes
jovens estão a sentir. Quer queiramos quer não, é “contranatura” ver
partir os filhos antes de nós. Depois assalta-me um sentimento medo.
Medo porque sou pai e tenho duas filhas com idade universitária, uma
delas participante activa nas tradições académicas da sua instituição e
outra que, no próximo ano, entrará no ensino superior. Medo porque não
entendo que raio de tradição se anda por aí a fazer e que leva a que
casos destes possam acontecer. Medo porque temo que alguma delas perca o
sentido crítico e não saiba dizer “BASTA”, como lhes ensinei, quando
acharem que as praxes que lhes digam para fazer acarretem risco ou
ultrapassem os limites da sua dignidade. Acho que estão bem instruídas
quanto a isso, mas que o medo me assalta não posso negar.
Depois vem, junto a tudo isto, um sentimento de revolta e de
impotência. Revolta porque ainda sou do tempo em que a tradição era
passada de “estudante para estudante”. Ainda sou do tempo em que as
praxes eram exercidas dentro das instituições. Ainda sou do tempo em que
os “mais velhos” podiam controlar as mesmas, de modo a que não
existissem abusos. Ainda sou do tempo em que o “militarismo” das praxes
não se aplicava nos moldes actuais. Ainda sou do tempo em que as praxes
eram para nos divertirmos todos, tanto os mais velhos como os mais
novos. Ainda sou do tempo em que as tradições eram um local onde se
conheciam amigos que ficavam para toda a vida. Ainda os mantenho, graças
a Deus! Revolta porque ando, desde que começaram a proibir as “praxes”
dentro das instituições, a alertar para os riscos que se estão a correr,
mas ninguém me ouviu! Proibiram para acabar com as praxes e
esqueceram-se que o fenómeno tradições era demasiado grande e iria
continuar noutras circunstâncias e noutros locais. No meio de tanta
gente culta não houve ninguém capaz de perceber e ouvir o ditado popular
que diz “quanto mais perto melhor”. Revolta porque, com essa atitude,
passaram a permitir “praxes privadas” e, assim, começou a ser mais
difícil impedir alguns excessos que, ninguém pode negar, vão
acontecendo. Revolta porque, com esta atitude, estão a conseguir que
alguns sem capacidade e sem bom-senso vão ficando responsáveis por
grupos pelos quais nunca seriam responsáveis se as coisas fossem feitas
“às claras” e na frente de todos. Revolta porque co-organizei um
Congresso de Tradição Académica, para que todas as Academias do país
seguissem o mesmo rumo, e foram incapazes de entender o alcance disso e
de seguir esse rumo. Revolta porque, mais importante de tudo, com a
vossa atitude, permitiram que um grupo de jovens corresse riscos e que
estes acabassem por partir mais cedo do que deviam.
Irra, gente! É tão difícil perceber que as coisas têm de ser feitas
com bom-senso, sem riscos e que, quando estão trajados, representam
muito mais do que vocês próprios?! É tão difícil perceber que ser pelas
tradições académicas é um modo de vida e que, com ele, queremos ser mais
felizes, mais amigos, mais solidários e mais companheiros? É difícil
entenderem que para ensinar isto não é preciso andar a fazer “praxes
militares”? É difícil entenderem que o “poder” que acham que possuem é
só aquele que os outros vos dão? É difícil entender que tradição
académica não é seguidismo mas sim irreverencia e conhecimento? É
difícil dizer “NÃO”?!
A segunda coisa que sempre ensinei aos caloiros foi que o direito de
dizer NÃO é um direito que ninguém lhes pode tirar, é inerente ao ser
humano. Sempre lhes ensinei que em Praxe estamos todos, inclusivamente o
que tiver o cargo mais alto. Por isso, se ele errar terá de responder
por isso. Sempre lhes ensinei que existiriam sempre colegas que estariam
do lado deles para os apoiar na decisão que tomassem. Onde andam esses
“caloiros”?Que raio de ensinamentos é que vocês passaram, que não são
aqueles que me ensinaram e que eu vos ensinei?! Onde foram vocês buscar
este raio de ideias?! Como é possível que gente trajada possa partir
assim?!
Assalta-me a alma um sentimento de revolta perante a dor dos amigos
deles, que olharão todos os dias para o lugar deles e não os vão
encontrar. Que vão querer comentar algo com eles e não os vão ter. Que
vão querer o seu exemplo e não o vão ter. Quantas lagrimas, quanta dor
não anda contida e encoberta naqueles corações! Quanta revolta! Se eu
sinto e não os conhecia, quanta não sentirão eles e elas! Deixo-vos um
apelo: usem essa revolta, usem essa raiva e não permitam que coisas
destas voltem a acontecer.
Não tenho e não quero ter dúvidas que tudo isto que se passou foi
algo que não teve nada relacionado com provas de tradições académicas, e
que foi esse ser traiçoeiro chamado “mar” que resolveu usar das suas
artimanhas e retirar-nos estes amigos. Contudo, também não consigo ter
dúvidas que ir para junto dele num dia de tempestade e de “alerta
vermelho” é, no mínimo, uma enorme falta de bom-senso e uma
irresponsabilidade. Seja ela de quem for.
Aos que exercem Praxe, gostaria de vos deixar alguns apelos.
Lembrem-se sempre que tradição académica foi, é e será sempre VIDA E
PAIXÃO! Nunca se esqueçam disso! Nunca esqueçam que na Tradição
Académica existem sempre normas de conduta que servem para fazer de nós
seres mais correctos, mais amigos, mais solidários, mais companheiros e
melhores seres humanos, e que nunca existiram regras para criar “Rambos”
nem candidatos ao “Survivor”. Tratem os mais novos com o máximo de
respeito, só assim irão ser respeitados. Não são gritos nem humilhações
que lhes irão incutir respeito mas sim o vosso exemplo de bom-senso,
justiça e Academismo. Nunca esqueçam que sempre que trajam representam
muito mais do que vocês mesmos: representam todos os que sentem e vivem a
tradição académica, representam entre outros também a mim e eu,
desculpem, mas não quero ser representado por gente sem classe. Para
isso já me bastam os políticos.
Aos Magníficos Reitores das Instituições de Ensino Superior, se por
algum acidente de percurso lerem este meu desabafo, gostaria de pedir
para lançarem o debate nas suas instituições, para exigirem saber quem
está à frente destas coisas, para os responsabilizarem, mas para lhes
permitirem exercer a tradição académica dentro das instituições, de modo
a diminuir os riscos. Afinal, Magníficos Reitores, se as coisas forem
feitas dentro das instituições, muitas vezes vos bastará aceder a uma
janela do Vosso gabinete para impedir qualquer exagero. Longe do vosso
olhar, e do olhar dos que possuem bom-senso, torna-se muito mais difícil
controlar e pode acarretar tragédias que nada nem ninguém consegue
estimar os danos também para a instituição.
Finalmente uma palavra para os familiares das vítimas: que Deus vos
dê a força que necessitais, pois ninguém além d’Ele será capaz de o
fazer, nem de calcular a dor que estais a sentir.
A vós, Catarina, Andreia, Joana, Carina, Tiago e Pedro, peço que, de
onde estais, rezai por nós todos, para que a sabedoria dos homens possa
encontrar um meio de que isto não volte a acontecer. Eu, simples
académico e pai, gostaria de vos prometer que a próxima vez que vestir o
meu traje será em Luto em vossa memoria, perante a qual me
vergo,TRISTE, INCRÉDULO E REVOLTADO!
Ad Eternum Academicus Lusofonae Universitatis
Fernando Borges
Sem comentários:
Enviar um comentário