terça-feira, 6 de dezembro de 2005

A matança do porco

A matança significava fartura, boa disposição e entreajuda. Era feita com tempo frio, mas nunca em dia de vento suão, que atraía as varejeiras.
Para matar um porco eram necessários no mínimo quatro homens. O bicho era deitado num banco e ajoujado com uma faca. As mulheres recolhiam imediatamente em gamelas ou bacias de barro o sangue para os enchidos.
Uma vez morto, o porco era chamascudo com carquejas acesas e depois esfregado com bocados da mesma carqueija até a pele exterior sair quase completamente. Finalmente era barbeado com uma navalha afiada e lavado com minúcia.
Chegava então a vez de ser preso pelas duas patas traseiras a um chambaril e pendurado num caibro ou trave de uma loja. Abria-se-lhe a barriga, retiravam-se as miudezas e separavam-se as carnes de acordo com as diferentes utilizações.
Do porco, absolutamente nada se desperdiçava: As tripas, depois de lavadas, eram utilizadas nos enchidos;
As costelas, o lombo e os torresmos (uma mistura de carne magra, fígado e outras miudezas), temperavam-se e conservavam-se em azeite, nas caçoilas de barro preto;
As coleiras,as bandas e as orelhas eram guardadas na salgadeira;
Os presuntos e as pás eram também conservados em sal um ou dois meses; depois de lavados penduravam-se ao fumeiro cerca de quinze dias; por fim, depois curados besuntavam-se com azeite e colorau;
Os chouriços e chouriças (de carne, de sangue ou de bofes) começavam a fazer-se no dia seguinte ao da matança. As carnes temperavam durante alguns dias e depois, com o auxílio da enchedeira, eram colocadas nas tripas. Os enchidos secavam ao fumeiro oito a quinze dias e depois conservavam-se em azeite;
As farinheiras eram feitas com farinha de milho e com ossadas do porco que, por serem muitas, se coziam (suprema ironia) na panela do porco.
A vianda do porco (nabos, batatas, couves, botelhas) cozinhava-se na "panela do porco" - uma enorme panela de ferro com três pernas que quase todo o dia fervia e refervia ao lume, nas cozinhas. Esta vianda, misturada com água e farinha, era transportada para o curral nas ferradas, de madeira ou latão. Os porcos comiam-na em maceiras, escavadas em troncos de árvores, ou nas pias, de granito mais ou menos tosco, conforme as regiões e a pedra existente.


(Dr. Paulo Ramalho, Tempos Difíceis - Tradição e Mudança na Serra do Açor)

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