sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Pardieiros

A estradinha que hoje lá chega (e deve ser por aqui o caminho turístico para o Piódão), não foi fácil fazer a partir da Benfeita, e nela interveio um homem que nasceu nos Pardieiros, o Dr. Fausto Dias. Aliás, na aldeiazinha de Pardieiros nasceram homens importantes, que se distinguiram pela sua inteligência e amor à sua terra.
Para falar de Pardieiros e das suas gentes, ninguém melhor do que Sérgio Francisco. Foi durante muitos anos presidente da Comissão de Melhoramentos de Pardieiros, foi um dinamizador da construção da sua magnífica Casa de Convívio, e continua sempre pronto para dar o seu contributo a tudo que diga respeito aos interesses e desenvolvimento da sua terra.
Gosta de guardar tudo que a ela diga respeito e possui documentos valiosos, alguns com cerca de 300 anos. Os conterrâneos facultam-lhos, porque sabem que ficam em boas mãos. E fala, por exemplo, de José Lencastre Marques Correia, o saudoso José Lencastre, espírito brilhante de fidalgo e de poeta, durante tantos anos apreciado colaborador de "A Comarca de Arganil" e de tantos outros periódicos, que nasceu em Pardieiros em 1873. Sogro e tio do saudoso Dr. Vasco de Campos, foi viver para a Quinta da Carvalha (Ponte das Três Entradas) após o seu casamento, acabando por ser vereador da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, fundador da Tuna Mozart Luz da Serra Carvalhense e da Irmandade de São João Batista. Para além da sua colaboração em diversos jornais, deixou-nos obras em prosa e em verso que são hoje raridades.
Fala também de Manuel Simões, um homem dos Pardieiros, que mandou construir à sua custa a capelinha da Senhora das Necessidades, junto ao cruzamento da estrada que segue para o Sardal, com a ideia de ali vir a construir um santuário com capelas pela encosta, no género de Nossa Senhora das Preces, em Aldeia das Dez. E quando morreu, deixou a José dos Santos, seu cunhado e herdeiro, o encargo de continuar a sua obra, subsidiando as festas que naquele lugar tão pitoresco se haviam de continuar a realizar todos os anos. E ao sentir aproximar-se a morte, José dos Santos deixou bens à família - Manuel Duarte, do Sardal, Manuel Nunes, do Enxudro, familiares de José Lencastre e professor Horácio Cruz Barata, de Folques - para que as festas continuassem a realizar-se na Senhora das Necessidades até que, talvez incitados para isso, acabaram por doar tudo à Paróquia (Comissão do Culto).
E fala ainda de Alfredo Francisco Gomes, o mais dinâmico lutador dos Pardieiros no nosso movimento regionalista em Lisboa. Fundador da primeira Comissão de Melhoramentos de Pardieiros, em 1930, para a construção da Escola, bem como da Casa da Comarca de Arganil, era um homem distinto e evoluído, que teve na sua casa de Pardieiros uma valiosa biblioteca, rara ao tempo numa casa de aldeia rural. Começou a trabalhar em Lisboa na antiga Casa José Alexandre (a melhor e mais conhecida ao tempo no seu género na Baixa lisboeta), onde aos 19 anos já era encarregado, fundando depois, na Rua Ivens, a que se tornou também muito conhecida "Casa das Utilidades". Veio a ter outros estabelecimentos em Lisboa e veio a ser um homem muito conhecido no nosso movimento regionalista, mas mais tarde a vida veio a não lhe correr bem, acabando por morrer na sua casa de Coja.
Recorda ainda António José Filipe, funcionário público considerado, que fez parte das Comissões de Melhoramentos da terra e da Irmandade, sempre interessado nos problemas da terra, bem como a família dos Franças, que tiveram a sua actividade no Brasil e vieram depois viver para os Pardieiros.
Tem também um folheto com os Estatutos da Irmandade de São Nicolau, dos Pardieiros, de 1908, aprovados pelo Governador Civil de Coimbra em 9 de Junho de 1910, e alguns exemplares do jornal "O Facho", editado pela Paróquia da Benfeita, da responsabilidade do padre Joaquim da Costa Loureiro.
E o Dr. Fausto Dias? Guardámo-lo para o fim. O Dr. Fausto Dias nasceu já numa casa rica, com boas propriedades. Em dada altura, os pais foram viver para Coimbra, onde compraram uma valiosa vivenda, enquanto o filho estudava e se formou em medicina. Especializou-se em otorrinolaringologia na famosa Clínica Mayo nos Estados Unidos, montando anos depois consultório em Lisboa, tornando-se um especialista muito conhecido. Solteirão, sem filhos, bom amigo da família, gostava de viajar e de escrever, deixou obras valiosas sobre a sua especialidade, escreveu um opúsculo sobre uma viagem ao "Coração dos Alpes" e gostava de colaborar em jornais, amealhando meios de fortuna. Muito ligado ao Movimento Regionalista Arganilense em Lisboa, fez parte da Comissão de Melhoramentos de Pardieiros e da Casa da Comarca de Arganil, colaborou sempre generosamente nas iniciativas a favor da sua terra e mandou construir, exclusivamente à sua custa, a Capela de Pardieiros. Pensa-se que chegou a presidir ainda à Liga dos Amigos de Olivença, e quando pressentiu que estava perto do fim da vida, que chegou a 4 de Outubro de 1994, decidiu criar uma Fundação com o seu nome, a que deixou bens e dinheiro num total de cerca de 100 mil contos.
Como está constituída e como funciona?
A Fundação Fausto Dias é uma instituição particular de solidariedade social e de utilidade pública, constituída em Cartório Notarial em 9 de Dezembro de 1992, com o fim de gerir os bens doados pelo seu fundador, Dr. Fausto Dias Martins Pereira. Conforme vontade expressa pelo doador, os corpos gerentes da Fundação ficaram assim constituídos: Conselho de Administração: Sérgio Francisco, Dr. Fausto José Dias Duarte Santos e Mário Pereira dos Santos. Conselho Fiscal: Dr. Marcelo Rodrigues, Dr. Fausto Manuel Dias de Figueiredo e Rita Carolina Neves Dias Duarte Santos.
Já está em funcionamento a Fundação? Por enquanto estão-se a gerir os bens imóveis (prédios urbanos) e a fazer investimentos na sua valorização, no sentido de aumentar o rendimento, já que ainda estamos pendentes da isenção de imposto sucessório, que solicitamos, uma vez que se trata de uma instituição de utilidade pública.
Quais foram as instituições contempladas com os rendimentos da Fundação? Embora com valores diferentes, conforme vontade do doador e consta da respectiva escritura de constituição, são os seguintes contemplados: Comissão de Melhoramentos de Pardieiros; Irmandade de São Nicolau de Pardieiros; Imaculado Coração de Maria, de Fátima (Monte Redondo); Casa da Infância Dr. Elísio de Moura, Coimbra; Casa do Gaiato, com sede em Coimbra; Sociedade Portuguesa de Ciência e Ética Pedro Hispano, Porto; Instituição Colégio dos órfãos, Coimbra; Centro Social e Paroquial da Freguesia de Benfeita; Comissão de Melhoramentos da Esculca (Coja); Criaditas dos Pobres, Coimbra; Congregação das Servas de Maria, Coimbra.
Como vai a Comissão de Melhoramentos de Pardieiros? Sérgio Francisco, que foi presidente da direcção até Setembro de 1995, não voltando a candidatar-se, responde: "- A Comissão de Melhoramentos está praticamente inactiva neste momento. Cobram-se quotas, funciona o Bar e a Casa de Convívio, mas para além disso não se vê mais nada."
Quais as mais prementes aspirações de Pardieiros no aspecto de procurar melhorar a vida na aldeia, presentemente? Tinha-se planeado construir uma piscina, e até já se tem doado o terreno para isso. Só que ainda não apareceu ninguém que arranque com a iniciativa para a levar por diante. A piscina constituiria ainda uma reserva estratégica de água, da maior importância para ataques a incêndios florestais, a que a nossa região serrana está constantemente sujeita.
Por uma e por outra razões, a piscina justifica-se nestas aldeias serranas longe dos rios e do mar. Pardieiros pode tê-la. Assim se oponha a isso a Comissão de Melhoramentos através dos seus dirigentes e pardieirenses mais dedicado.


Texto de 28-10-97 adaptado do livro Crónicas regionalistas - região de Arganil, vol. II, António Lopes Machado

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