terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Histórias da História de Ceira

"O rio Mondego nasce na Serra da Estrela e parte, serra abaixo, em direcção ao mar. Depois de receber as águas do Dão, serpenteia num vale apertado entre encostas até que, subitamente, no lugar da Portela, está ás portas de Coimbra e aproxima-se, finalmente, da planície. É aqui que recebe as boas-vindas do rio Ceira, descido ao seu encontro desde a Serra de S. Pedro do Açor.

Os dois rios encontram-se onde a ponte de ferro, velha de 125 anos, dá passagem à Estrada da Beira, que de Coimbra vai em direcção á Guarda e à fronteira de Vilar Formoso. Ao lado dessa ponte, uma outra, por onde o comboio se dirige à Lousã.

É um lugar cruzamento de caminhos, quer o que é já desusado - o caminho do rio por onde os barqueiros antigamente transportavam pessoas e mercadorias -, quer os outros, cheios de movimento. Ali mesmo, sobre um morro sobranceiro, foi construída a Escola Básica 2,3 de Ceira. As suas janelas mereceram uma paisagem encantadora. As águas dos dois rios que se encontram, as encostas verdes que lhes ladeiam as margens, o casario das povoações próximas, constituem um cenário que encanta quem o vê. E para esta Escola vêm, todos os dias, os jovens da Vila de Ceira e das povoações que lhe estão ligadas.

As terras junto ao Ceira estiveram desde o séc. VIII, como o resto da região, na posse dos muçulmanos. Durante essa ocupação, os mouros permitiam que a vida decorresse com normalidade em troca do pagamento de contribuições. Depois, com o início da reconquista, a região tornou-se terra de constantes lutas. Nessa altura, entre os séculos IX e XII, quando Coimbra era a cidade cristã mais ao sul, a população destes lugares sofreu as angústias de ser uma terra de fronteira, constantemente sujeita à destruição de colheitas e ao perigo de vida provocado pelas incursões, ora cristãs, ora mouras. Quando D. Afonso Henriques tomou o poder, a linha de defesa da região de Coimbra era constituída pelo largo semicírculo formado pelos castelos de Penacova, Arouce (Lousã), Miranda, Penela, Soure, Montemor e Santa Eulália.

Muitos dos confrontos que nesta época se davam entre cristãos e mouros resultavam de rápidas incursões de inimigos no território, geralmente dirigidas, não à povoação em si, mas aos campos de cultivo e às pastagens e matas, a fim de se apoderarem de alimentos, gado ou lenha. Era arriscado sair para longe da povoação, mas ás vezes tornava-se necessário fazê-lo; quando as populações fronteiriças saíam a cortar lenha e madeira, criava-se um destacamento de gente que os protegesse. Dava-se a esta operação o nome de azaria (de azza = machado); se os mouros os surpreendiam, havia uma luta que tomava o nome de azar.

Para diminuir o perigo, construíam-se ou reaproveitavam-se pequenas fortificações, simples torres, que tinham grande importância porque serviam de atalaias de dia e de escutas durante a noite. Quando se detectava a aproximação do inimigo, faziam-se sinais por meio de almenaras (fumo ou fogo) que avisavam do perigo os vigilantes de outros locais. Então tocava-se a rebate e chamava-se o povo. Esta convocação repentina era conhecida por apelidar a terra; o apelido era a resistência ao ataque dos mouros.

Cercando o vale da foz do Ceira, existiam várias destas pequenas fortificações, não se sabe bem se aproveitadas de época anterior ou se construídas na altura. Resta a memória de duas, uma através do nome da terra, Castelo Viegas, outra ainda visível, embora em ruínas, a torre de Bera.

Porém, a acção sistemática de reconquista levada a cabo por D. Afonso Henriques começa a dar os seus frutos. O castelo de Leiria é construído em 1135, procurando-se assim suster as investidas mouras mais a sul. Miranda vê o seu castelo reconstruído em 1136 e recebe foral, tal como Arouce. Os habitantes da região de Ceira, embora livres de ataques directos, por certo ainda sofriam grandes angústias com as notícias das constantes incursões mouras na região de Ladeia, perto do Rabaçal.

A segurança total só terá vindo com a conquista de Santarém em 1142, quando a terra de ninguém, palco de lutas, desceu para sul do Tejo.

Ceira, senhorio de Mestre Julião Pais

Nesta época, o governo não tinha sede certa e permanente. As frequentes viagens da corte faziam com que o centro da administração fosse a cidade, a vila ou o lugar onde o rei se encontrava. Na sua tarefa de governante, o rei era auxiliado pela Cúria Régia, conselho de grandes do reino que o acompanhavam. Dessa Cúria, além do alferes-mor, do mordomo e de outros, fazia parte o chanceler (cancellarius).

Era a este alto funcionário que estava confiada a guarda do selo real que autenticava todos os documentos régios. Superintendia ao trabalho dos funcionários da chancelaria, tanto dos escrivães, como dos notários; todos os actos régios passavam pelas suas mãos, já que muitas vezes supervisionava a redacção ou redigia ele próprio documentos régios e era quem os autenticava com o selo pendente ou com o signum regis. Além disso, o chanceler era também o chefe da magistratura.

Sucedeu que D. Afonso Henriques, após o desastre de Badajoz em 1169, altura em que partiu uma perna, foi obrigado a uma vida mais sedentária. Nessa altura, estabeleceu-se em Coimbra, cidade a que estava ligado Julião Pais, quer por laços familiares quer pela posse de bens. A partir de 1183, é a este senhor de Ceira que é entregue a chancelaria cuja responsabilidade viria a assumir até 1215, ano da sua morte.

O Infante D. Sancho já participava na maior parte dos actos públicos durante os últimos anos do reinado do seu pai. Mas quando chegou o momento de lhe suceder no trono, a continuidade da administração foi sobretudo assegurada por este célebre chanceler que, em 1185, data da morte de D. Afonso I, exercia o cargo havia dois anos. Gerindo os negócios públicos com grande sabedoria, manteve as funções durante todo o reinado de D. Sancho I e ainda nos primeiros tempos do reinado de D. Afonso II.

O título de Mestre que lhe era atribuído tornou-se um reconhecimento da sua grande sabedoria e dos vastos conhecimentos jurídicos que dele fizeram um dos vultos a cuja acção se deveu a consolidação do reino português.

Deve ter sido esse valor que fez com que D. Afonso Henriques, desejando beneficiar o seu ilustre chanceler, Mestre Julião Pais - um dos homens mais importantes do Portugal de então - tenha justamente escolhido Ceira e o seu termo para constituir o senhorio que lhe concedeu em 1180. Não foi possível, no entanto, encontrar até agora notícia de qual o fim que estas terras tiveram após a morte do chanceler Julião, em 1215.

O foral manuelino de vila nova de Ceira

Em 1514, Ceira recebeu de foral D. Manuel.

Na época em que o foral foi outorgado
, os lugares da vila possuíam, além da produção agrícola, o valor dos moinhos e pisões que, movidos pela força das águas do rio Ceira, serviriam as populações locais e dos arredores. Além disso, aqui ficava um importante porto fluvial. Numa época em que as estradas não passavam de caminhos e carreiros, o transporte fluvial era o mais fácil e eficaz. Quer mercadorias, quer pessoas, tudo se transportava pelo rio. E nesta confluência de "estradas" fluviais - o Mondego, o Ceira e o Dueça - um porto tinha um valor acrescido.
Em 1643, o Processo de vistoria que, a requerimento do juiz de Ceira, se fez a uns baldios no dito lugar, prova que a povoação era ainda um concelho, visto que ainda tinha juiz.

Entre 1827 e 1836 mantém-se a categoria administrativa, comprovada pelo Livro de Coimas do Concelho de Ceira, um registo de coimas por transgressões de posturas municipais que está interrompido após o último auto de coima registado a 7 de Fevereiro de 1836.

No entanto, no Termo de recenseamento eleitoral do mesmo ano de 1836, Ceira consta já como freguesia do concelho de Coimbra. Embora não tenha sido até agora possível encontrar elementos precisos sobre esta modificação, é de notar que ela é contemporânea das reformas administrativas de Passos Manuel, no início do reinado de Dª. Maria II.

Ceira no séc. XX

Nos finais do séc. XIX, as estradas macadamizadas começaram a reduzir a importância do transporte fluvial. A produção industrial de tecidos tinha tornado obsoletos os pisões, que desapareceram sem deixar memória nas gentes que hoje ali vivem. A industrialização também veio a diminuir o trabalho dos moinhos. Apenas a agricultura familiar continuava a ser uma riqueza apreciável. Talvez tenha sido então que os serviços prestados aos habitantes da cidade de Coimbra se tornaram um dos principais meios de subsistência da população de Ceira.

No início do séc. XX, na obra Notas de Arqueologia e Etnografia do Concelho de Coimbra, a respeito de Ceira, Vergílio Correia refere a ausência de monumentos capazes de interessar os estudiosos. No entanto sublinha o pitoresco do local, descrevendo as inundações que transformam o vale num lago, os pinhais que formam "uma selva escura e densa" nas encostas da Joariça ou Aljuriça, as oliveiras que "laivam de cinzento o vermelho dos barros".
Em meados do séc. XX, a maior parte da população da freguesia de Ceira vivia do cultivo de leiras de terra, feito em grande parte pelas mulheres, já que a maior parte dos homens trabalhava na cidade em diversos ofícios.
Na mesma época, as mulheres ocupavam-se também da lavagem da roupa das senhoras de Coimbra, tarefa em que se tornaram famosas usando a sua antiga sabedoria popular.

A roupa era recolhida nas casas da cidade à Segunda-feira e trazida em grandes trouxas sobre um carro de bois. No dia seguinte, havia que fazer a barrela, tarefa que exigia uma noite passada ali, à beira-rio fizesse o tempo que fizesse. Não havia sujidade que resistisse à acção das cinzas e da água quente.

Durante o resto da semana, era preciso secar dezenas e dezenas de lençóis, toalhas, fronhas, guardanapos... Se o tempo fazia negaças, era um corrilório para os pinhais, onde faziam o estendal, ora a pôr, ora a tirar a roupa. E, na Segunda-feira seguinte, lá partiam de novo para Coimbra, a levar a roupa branquinha e a trazer novas trouxas de roupa suja.

As mulheres de Ceira ainda arranjavam tempo para ir à cidade e andar a vender, de casa em casa, os raminhos de carqueja que então era usada para acender os fogões das cozinhas.

Mas os tempos mudaram e as máquinas de lavar e os novos fogões fizeram desaparecer estes trabalhos, que hoje não são mais do que uma recordação.
Ceira foi elevada a Vila no mês de Junho de 1997.
Hoje, é povoada por pessoas que trabalham essencialmente em Coimbra, no comércio, na indústria e em serviços. São também célebres os seus viveiros de árvores de fruto.
Com o crescimento da cidade de Coimbra, tornou-se numa povoação de subúrbio. No entanto procura manter uma vida cultural própria..."
Trabalho feito por alunos da eb23 - Ceira

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