Vale do rio Ceira visto por Eugénio de Andrade.
"Pelo vale, realmente fértil, corre o Ceira: uma faixinha de água, liricamente debruada de choupos e amieiros, que não tarda a entrar no Mondego. Ao fundo, o monte do Senhor da Serra e, mais longe, entre lilás e violeta, a serra da Lousã. Duas vezes por dia, no meio daquele verde todo, dando serventia a duas ou três casas que por ali havia, passava um comboiinho, que se desfazia ao apitar. Os terraços da casa precipitavam-se no abismo quase a prumo, e entre as fragas rompia um vegetação áspera, em tufos. Ao entardecer, avistava-se às vezes, a sair de uma loca, uma raposa, que logo desaparecia entre as giestas e as urzes; e os milhafres pairavam sereninhos. Por detrás da casa, os pinheiros, os eucaliptos e as acácias eram um imenso leque aberto. E à roda, um silêncio maior que o mundo.
Penso em Coimbra e é este o rumor que me chega: um amanhecer de pássaros, o coaxar das rãs pela noite fora".
Eugénio de Andrade, «Poesia e Prosa».
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