Tempos negros da ditadura e do CCCS
Sem defesa: alguém dizia que você era comunista e jogava a bomba...
O período da ditadura militar no Brasil teve na verdade várias fases, alternando períodos mais ou menos violentos. Em 1980, segundo ano de governo do general João Figueiredo - que iniciaria mais adiante a transição política para o regime democrático -, uma facção militar optava pela distensão política, enquanto a linha dura tentava manter posições rígidas no controle militar do Brasil, há muito reforçadas pelo Ato Institucional nº 5. Como sempre em tais casos, a impossibilidade do controle pleno dos subordinados fazia com que o "guarda da esquina" mandasse na prática mais que o presidente. Em nome da ditadura, muitos desmandos foram cometidos e - muitas vezes - qualquer autoridade local posava de general da República, no estilo "você sabe com quem está falando?".
Em Santos, grupos de extrema direita organizaram o Comando de Caça aos Comunistas de Santos (CCCS), que se arrogou o direito de decidir que publicações poderiam ser ou não vendidas nas bancas de jornais. As ameaças chegaram a ser acompanhadas por bombas e incêndios noturnos em bancas de jornais da região, cujos donos não acataram a decisão do tal CCCS.
Para tal comando, qualquer publicação não pertencente a empresários afinados com o regime político direitista - e portanto todas as publicações alternativas, mantidas por sindicatos e pelas cooperativas de jornalistas - deveria ser impedida de circular, da mesma forma que - no estilo defendido pela organização radical Tradição, Família e Propriedade (TFP) - nenhuma publicação de conteúdo sensual/erótico poderia ser comercializada.
Em 4/8/1980, este jornalista publicava no jornal A Tribuna de Santos (página 4):
Grupos de direita fazem ameaças
As ameaças de grupos direitistas contra a venda de jornais alternativos chegou a Santos. Proprietários de livrarias e de firmas distribuidoras de jornais receberam carta assinada pelo Comando de Caça aos Comunistas de Santos - CCCS -, exigindo que os jornais considerados alternativos não sejam mais vendidos ao público, a partir de hoje. Mas, a ação desencadeada em Santos tem uma particularidade que a difere dos casos registrados em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte: as ameaças incluem as chamadas revistas eróticas (Ele e Ela; Homem; Play-Boy; Privé e outras). Assim, os grupos de direita passam também a atacar as multinacionais, pois a maioria dessas revistas pertence a grupos estrangeiros.
Como não poderia deixar de ser, os proprietários de livrarias e de firmas distribuidoras preferem manter-se no anonimato, "para que a situação não fique ainda mais difícil", como comentaram ontem. Hoje, eles pretendem reunir-se e discutir os problemas que poderão ser ocasionados com as ameaças, pois várias bancas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte foram atacadas por esses grupos. A primeira providência tomada pelos livreiros e distribuidores foi não vender os jornais ao público, ou ainda manter seus estoques dentro das lojas, em lugares de difícil acesso.
Em relação às chamadas revistas eróticas, os livreiros e jornaleiros ainda não tomaram qualquer posição. Segundo a opinião de alguns deles, o Comando de Caça aos Comunistas estaria tentando ganhar o apoio de entidades de servir, "pois em alguns casos, essas entidades reclamaram do erotismo que as revistas apresentam e que estava sendo exposto nas bancas". Outro detalhe da carta, é que o grupo afirma que os livreiros e jornaleiros estão sendo classificados de "inocentes úteis, utilizados pelos vermelhos". A carta deixa claro que o grupo tem raízes regionais, pois afirma que os jornais não devem ser distribuídos "às cidades da Baixada Santista".
A íntegra da carta:
"O Comando de Caça aos Comunistas de Santos (CCCS), unido e coeso aos nobres ideais da Falange Pátria Nova e das Brigadas Moralistas, já identificou o senhor e a sua empresa em nosso index como inocentes úteis dos vermelhos e dos imorais. O CCCS adverte ao senhor, com a sua responsabilidade de proprietário de empresa distribuidora e/ou vendedora de periódicos, que, talvez sem saber, vem colaborando para o aumento da propaganda comunista e da literatura erótico-pornográfica em nosso país, distribuindo ou vendendo à população desta cidade (que um dia ensinou à Pátria a Liberdade e a Caridade), revistas obcenas (sic) e jornais marxistas-leninistas.
"Outras entidades patrióticas, semelhantes à nossa, estão também enviando um alerta semelhante a este, advertindo as pessoas para o clima de subversão política e de afronta à ordem moral da família brasileira. Algumas o fazem incorretamente, pois apenas advertem aos jornaleiros de bancas, simples revendedores economicamente mais fracos, quando os grandes responsáveis, na realidade, são os editores e os grandes distribuidores/vendedores, como o senhor e a sua empresa.
"Assim, para o bem da nossa cidade, do nosso querido Brasil e do seu próprio futuro, exigimos que a sua empresa pare imediatamente de distribuir e/ou vender em Santos e nos municípios da Baixada Santista as seguintes publicações:
"Jornais - Preto no Branco (Cooperativa dos Jornalistas de Santos), Hora do Povo, em Tempo, Pasquim, Movimento, Voz da Unidade, Voz Operária, Repórter, Luta Operária, Convergência Socialista, Lampião, Jornal do Gay; Revistas - Ele e Ela, Play-Boy, Lui, Status, Homem, Close, Privé, Rose, Personal, Confissões, Eros, Fiesta, Exclusive e demais revistas que tratem de assuntos eróticos e sexuais.
Esperamos contar com a sua patriótica colaboração. Não advertiremos mais. Caso contrário tomaremos atitudes drásticas. Comando CCCS".
Carlos Pimentel Mendes, editor do jornal eletrónico Novo Milênio
Sem defesa: alguém dizia que você era comunista e jogava a bomba...
O período da ditadura militar no Brasil teve na verdade várias fases, alternando períodos mais ou menos violentos. Em 1980, segundo ano de governo do general João Figueiredo - que iniciaria mais adiante a transição política para o regime democrático -, uma facção militar optava pela distensão política, enquanto a linha dura tentava manter posições rígidas no controle militar do Brasil, há muito reforçadas pelo Ato Institucional nº 5. Como sempre em tais casos, a impossibilidade do controle pleno dos subordinados fazia com que o "guarda da esquina" mandasse na prática mais que o presidente. Em nome da ditadura, muitos desmandos foram cometidos e - muitas vezes - qualquer autoridade local posava de general da República, no estilo "você sabe com quem está falando?".
Em Santos, grupos de extrema direita organizaram o Comando de Caça aos Comunistas de Santos (CCCS), que se arrogou o direito de decidir que publicações poderiam ser ou não vendidas nas bancas de jornais. As ameaças chegaram a ser acompanhadas por bombas e incêndios noturnos em bancas de jornais da região, cujos donos não acataram a decisão do tal CCCS.
Para tal comando, qualquer publicação não pertencente a empresários afinados com o regime político direitista - e portanto todas as publicações alternativas, mantidas por sindicatos e pelas cooperativas de jornalistas - deveria ser impedida de circular, da mesma forma que - no estilo defendido pela organização radical Tradição, Família e Propriedade (TFP) - nenhuma publicação de conteúdo sensual/erótico poderia ser comercializada.
Em 4/8/1980, este jornalista publicava no jornal A Tribuna de Santos (página 4):
Grupos de direita fazem ameaças
As ameaças de grupos direitistas contra a venda de jornais alternativos chegou a Santos. Proprietários de livrarias e de firmas distribuidoras de jornais receberam carta assinada pelo Comando de Caça aos Comunistas de Santos - CCCS -, exigindo que os jornais considerados alternativos não sejam mais vendidos ao público, a partir de hoje. Mas, a ação desencadeada em Santos tem uma particularidade que a difere dos casos registrados em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte: as ameaças incluem as chamadas revistas eróticas (Ele e Ela; Homem; Play-Boy; Privé e outras). Assim, os grupos de direita passam também a atacar as multinacionais, pois a maioria dessas revistas pertence a grupos estrangeiros.
Como não poderia deixar de ser, os proprietários de livrarias e de firmas distribuidoras preferem manter-se no anonimato, "para que a situação não fique ainda mais difícil", como comentaram ontem. Hoje, eles pretendem reunir-se e discutir os problemas que poderão ser ocasionados com as ameaças, pois várias bancas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte foram atacadas por esses grupos. A primeira providência tomada pelos livreiros e distribuidores foi não vender os jornais ao público, ou ainda manter seus estoques dentro das lojas, em lugares de difícil acesso.
Em relação às chamadas revistas eróticas, os livreiros e jornaleiros ainda não tomaram qualquer posição. Segundo a opinião de alguns deles, o Comando de Caça aos Comunistas estaria tentando ganhar o apoio de entidades de servir, "pois em alguns casos, essas entidades reclamaram do erotismo que as revistas apresentam e que estava sendo exposto nas bancas". Outro detalhe da carta, é que o grupo afirma que os livreiros e jornaleiros estão sendo classificados de "inocentes úteis, utilizados pelos vermelhos". A carta deixa claro que o grupo tem raízes regionais, pois afirma que os jornais não devem ser distribuídos "às cidades da Baixada Santista".
A íntegra da carta:
"O Comando de Caça aos Comunistas de Santos (CCCS), unido e coeso aos nobres ideais da Falange Pátria Nova e das Brigadas Moralistas, já identificou o senhor e a sua empresa em nosso index como inocentes úteis dos vermelhos e dos imorais. O CCCS adverte ao senhor, com a sua responsabilidade de proprietário de empresa distribuidora e/ou vendedora de periódicos, que, talvez sem saber, vem colaborando para o aumento da propaganda comunista e da literatura erótico-pornográfica em nosso país, distribuindo ou vendendo à população desta cidade (que um dia ensinou à Pátria a Liberdade e a Caridade), revistas obcenas (sic) e jornais marxistas-leninistas.
"Outras entidades patrióticas, semelhantes à nossa, estão também enviando um alerta semelhante a este, advertindo as pessoas para o clima de subversão política e de afronta à ordem moral da família brasileira. Algumas o fazem incorretamente, pois apenas advertem aos jornaleiros de bancas, simples revendedores economicamente mais fracos, quando os grandes responsáveis, na realidade, são os editores e os grandes distribuidores/vendedores, como o senhor e a sua empresa.
"Assim, para o bem da nossa cidade, do nosso querido Brasil e do seu próprio futuro, exigimos que a sua empresa pare imediatamente de distribuir e/ou vender em Santos e nos municípios da Baixada Santista as seguintes publicações:
"Jornais - Preto no Branco (Cooperativa dos Jornalistas de Santos), Hora do Povo, em Tempo, Pasquim, Movimento, Voz da Unidade, Voz Operária, Repórter, Luta Operária, Convergência Socialista, Lampião, Jornal do Gay; Revistas - Ele e Ela, Play-Boy, Lui, Status, Homem, Close, Privé, Rose, Personal, Confissões, Eros, Fiesta, Exclusive e demais revistas que tratem de assuntos eróticos e sexuais.
Esperamos contar com a sua patriótica colaboração. Não advertiremos mais. Caso contrário tomaremos atitudes drásticas. Comando CCCS".
Carlos Pimentel Mendes, editor do jornal eletrónico Novo Milênio
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