domingo, 9 de julho de 2006

Cresce e aparece



"País engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano (...). Já sabemos, pois, que és um homenzinho (...). País dos gigantones que passeiam a importância e o papelão, inaugurando esguichos no engonço do gesto e do chavão. E ainda há quem os ouça, quem os leia, lhes agradeça a fontanária ideia!"
Alexandre O'Neill, "O País Relativo"

Portugal é um país de risco ao meio. De um lado cabeleira esguia, abrilhantada a shampô e gel, do outro a calvície deserta.
Portugal é um país de risco ao meio.
Penteado a preceito para um lado, com traço de pente certeiro e rectilíneo a dividir a abundância capilar, da careca franciscana.
A dividir o litoral do interior.
Portugal é o país da circunstância feita pompa, pompa de tomate "à la trompe l'oeil".
Portugal não é em frente, é para um dos lados. O interior deserta-se, o litoral enfeita-se.
Os sem sobremesa.
Como escrevia Ruy Belo, há os sem pão e os sem sobremesa.
O euro 2004 volta a ser arroz doce servido em parca gamela para os "groumets" instalados da politiquice há quatro anos.
Para o interior as côdeas, para o litoral o Circo.
A desertificação do interior, e o dramático envelhecimento das populações em vez de razões de combate, são rações de Miltra, pretextos de desinvestimento público.
Ao abrigo da velha lei de bronze inscrita na "tabuada do João Ratão", que os políticos escondem nas pesadas e ufanas pastas de couro - o investimento público concentra-se prioritariamente nos aglomerados populacionais. Que é como quem diz - concentra-se onde há mais gente a votar e a contentar. - Cava-se o abismo, perpetuam-se as diferenças. Abandonam-se as regiões pobres do nosso país à sua sorte, a parente pobre a visitar de jipe, com "souvenirs" da loja dos 300 a encher o atrelado. Para lá respirar ar puro, ter uma quinta na Beira, um Monte no Alentejo, uma coutada para caçar em Trás-os-Montes.
Não tardará muito até que as aldeias do interior sejam apenas poisos sazonais, reservas naturais para observar a rusticidade e a pureza rural do país que já foi nosso.
Será como nalgumas regiões da Alemanha, onde as aldeias são povoadas por "actores-figurantes" que recriam os usos e costumes da terra para gáudio a "flash" e "handycam" dos turistas japoneses de sorrisinho Nikon.
Em vez de faculdades de Medicina, fundem-se escolas de teatro no interior.
Porque dentro de pouco tempo haverá bem pouca gente para tratar, haverá apenas turistas para animar.
No Portugal-homenzinho que até chegou a presidente da Europa e até já descompõe os arrogantes austríacos, os jovens do interior continuam a deixar as suas terras, as suas aldeias, em busca de uma vida melhor, tal e qual faziam os seus pais quando Portugal era pequenino e pobrezinho.
Os incentivos à fixação de jovens no Interior são remendos de meia-rota num país todo engravatado que se continua a assoar à gravata por engano. Num país de gente sisuda, mas pouco séria, que está casado com ele mesmo em regime de separação de bens.
Cresce e aparece ó País! Que quanto à careca, nem com restaurador Olex lá vais.
Cresce e aparece porque:
"A Santa Paciência país, a tua padroeira,
já perde paciência à nossa cabeceira".
Agora vou-me à levedura de cerveja, para bebericar a espuma dos dias.


O País do Risco ao Meio, Rui Pelejão
Urbi et Orbi

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