O BRASIL é sobretudo conhecido pelo seu lado lúdico (futebol, Carnaval, praia, novela), que espalha pelo mundo uma imagem do Brasil como um país alegre, espontâneo, bonito, festeiro... Mas esta imagem esconde o lado mais sombrio deste imenso país: a cara da violência.
Muitos perguntam: como é possível que um país com tantos lados bonitos, artísticos, com tanta ginga e alegria, possa ser um dos países mais violentos do mundo? Muitas respostas já se deram a esta pergunta que todos os dias é feita por uma grande parte de nós que vivemos aqui e nos deparamos com todo o tipo de violência ao virar da esquina.
Temos que nos lembrar que o Brasil (e todo o continente americano) é um país em formação. Tem 500 anos de história sangrenta de colonização e tentativa de consolidação de uma sociedade mais justa, e solidária. Quando dizemos que o Brasil é um país em formação isto implica sobretudo, que valores já consolidados em outros mundos aqui ainda não estão consolidados.
O Brasil é um país que fez uma passagem do mundo rural para o urbano, num curto espaço de tempo. Por exemplo, quando cheguei no Estado do Pará, na região onde vivo, setenta por cento da população vivia no espaço rural e só trinta por cento no urbano. Em apenas vinte anos houve uma inversão. Hoje setenta e cinco por cento vive nas cidades e só uma ínfima parte vive no mundo rural. Este fenómeno aconteceu em todo o Brasil e trouxe consequências dramáticas:
1 – As cidades brasileiras não estavam conseguindo responder aos problemas já existentes por falta de verdadeiras políticas públicas viradas para os problemas urbanos. A chegada de verdadeiras multidões vindas do mundo rural, exacerbaram este problema.
2 – Os “neo-urbanos” acabaram por ir para periferias onde as condições de vida era diferente do que haviam sonhado e bem pior que no campo. Encontraram uma falta total de infra-estruturas e condições mínimas de sobrevivência: sem água, sem energia, sem emprego, sem ruas... O sonho totalmente destroçado. Esta situação atinge de maneira exacerbada a juventude que se sentiu traída.
3 – Muita gente dirá: esse problema encontramos em todo o lugar. No entanto no Brasil ele é bem pior, por um outro motivo. O Brasil é um país em construção também nos seus valores. Vir para a cidade fez perder, principalmente na juventude, muito da sua sensibilidade, tornando o “novo brasileiro” frio e calculista, incapaz de comover-se e sentir compaixão, inclusive incapaz de socorrer um amigo que está sendo assaltado. Perdeu-se não só a qualidade de vida que se tinha no campo, mas perderam-se sobretudo aquelas qualidades e sentimentos que nos fazem humanos: a capacidade de nos emocionarmos e nos tornarmos solidários diante do sofrimento do outro.
4 – A raiz da violência está directamente ligada a este novo Brasil, urbano, injusto, abandonado totalmente pelo poder público, dominado por gangues e Comandos Vermelhos. Um Brasil desprovido dos valores essenciais da compaixão, da solidariedade, do compromisso pelo bem de todos.
5 – E este Brasil sombrio, violento, calculista, frio, cruel... está substituindo o Brasil luminoso, alegre e lúdico. Este Brasil está sendo construído a partir de políticas públicas erradas que privilegiam as exportações, a balança de pagamentos, o crescimento do PIB, em detrimento de verdadeiras políticas públicas que coloquem de novo o Brasil nas mãos de um Estado brasileiro verdadeiramente interessado pelo seu povo. Urgentemente precisa-se devolver ao povo brasileiro o direito de sonhar um sonho possível: O PAÍS DA TERRA SEM MALES, de que fala o mito guarany.
6 – Aproximam-se as eleições no Brasil e os políticos, candidatos a dirigentes deste imenso país, devem assumir este compromisso com urgência. No entanto eu já não tenho muita esperança na classe política, já que a história brasileira, antiga e recente, mostra como essa classe está muito mais interessada em aumentar seu património do que fomentar políticas públicas que minimizem esta problemática.
7 – Lula mais uma vez aparece como candidato. Nestes quase quatro anos de governo Lula repetiu, quase na sua totalidade, as políticas neo-liberais de seu antecessor. Priorizou o agro-negócio, as exportações, controle das contas, aumento das reservas em moeda estrangeira... Criou algumas políticas sociais compensatórias, que não passaram de programas assistencialistas. Ainda estamos esperando o início de verdadeiras políticas públicas que ataquem frontalmente os endémicos problemas brasileiros: desigualdades sociais, perversa distribuição de renda, analfabetismo funcional crónico, total inexistência de infra-estrutura básica nas periferias da maioria das cidades brasileiras e no interior do país, ineficiência no sistema de saúde, insuficiência do salário mínimo, segurança pública.
8 – O Brasil não precisa de mais polícia ou repressão, mas precisa de mais políticos idóneos e solidários com aqueles que os elegeram e a quem eles representam.
José Cortes - Professor e Missionário do Verbo Divino, com notável trabalho em defesa da Amazónia
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