CARA-A-CARA
Porque voto não
O QUE vamos votar? A alteração à lei em vigor que, relembro, despenaliza o aborto em caso de crime de violação, risco de saúde da mulher, grave lesão ou doença do feto, facultando o livre arbítrio da grávida até às dez semanas.Vejamos porque respondo Não deixando em aberto questões que considero relevantes.– Será que estaremos todos devidamente esclarecidos da questão central deste acto a referendar, cumprindo em consciência o dever cívico de votar? Ou será que nos vamos dividir, porventura maioritariamente, entre os que por falta de informação abdicam do exercício deste acto cívico e aqueles que votam cumprindo instruções de terceiros ou orientações político-partidárias?– Questão transversal a toda a comunidade não deveria ser deixado unicamente ao direito de cidadania e consciência cívica e moral de cada um, livremente decidir?– Não será condenável assistirmos à indicação de voto, por partidos políticos empenhados e abertamente em campanha que, considerando-se progressistas e defensores das causas da ética universal e dignidade da pessoa e direitos inalienáveis, atentam contra a vida aconselhando voto no sim? No momento em que a ciência demonstra que no genoma da primeira célula se encontram todas as constantes biológicas, únicas e irrepetíveis de um Ser que só pode ser humano?Que a vida é, a partir desse instante um contínuo que só a morte fará cessar?Independentemente de questões filosóficas, Ser esse que a partir das 7-9 semanas tem actividade cardíaca, motora e reflexos tradutores de vida neurológica, cumprindo pela positiva os mesmos critérios que permitem afirmar a morte quando cessam a sua actividade, no fim da vida de cada um de nós?– E será progressista a ideia de abandonar a grávida na decisão de optar sozinha entre a vida e a morte do ser que tem em si? Por ser incómodo, inconveniente ou indesejado? Na maternidade há sempre uma metade da primeira célula, do zigoto, que lhe não é pertença e foi livremente aceite.Não é dona exclusiva do Ser que transporta no ventre.– A partilha da responsabilidade e tomada de decisão, com todo o drama que possa conter, em nome da saúde física e mental da futura mãe, não deveria envolver o pai, a família e a sociedade, nas organizações específicas de apoio? Ultrapassando pressões que quantas vezes caiem exclusivamente sobre os ombros da mulher grávida, do foro social, económico, laboral e mesmo familiar, ajudando-a, na livre vontade a uma opção pela vida.– Há mais de um século que os movimentos feministas vêm conquistando direitos hoje inquestionáveis, no mundo democrático. Será que no presente e no campo dos direitos e declarações universais em defesa da vida, matriz das civilizações modernas, não se sentirão atingidas? A liberdade de decisão que se lhes reconhece permite matar?– A comunidade humana socialmente organizada e desenvolvida, acautela a natalidade – e hoje são tantos os métodos cientificamente válidos e aceites que quase se poderá dizer engravidar só quem quer – e tem inevitavelmente que evitar o verdadeiro recuo civilizacional que o aborto livre significa.E o problema alastra-se por igual a toda a comunidade europeia em gravíssimo recuo demográfico.– Portugal, país pioneiro na abolição da escravatura e pena de morte no mundo, será que quer retroceder? Procuremos responder agora a algumas questões concretas e mais frequentemente discutidas.1 - A nossa actual lei é retrógrada em relação a outras na comunidade europeia? É exactamente igual à lei espanhola e se neste país o número de abortos “terapêuticos” é maior tal se deve em exclusivo a uma sobrevalorização de alegadas razões do foro psíquico.2 - Há diminuição de abortos clandestinos e, em consequência, menor risco para a saúde com a legalização do aborto? Na Europa e nos países onde o aborto foi legalizado e apesar da difusão da educação sexual e planeamento familiar, o número de abortos aumentou podendo falar-se em verdadeira banalização desta prática, quase integrável como método de planeamento… De tal modo as estatísticas de aborto aumentaram que a tendência actual é tornar a penalizar, a exemplo da Polónia, onde o aborto livre sob o regime comunista tornou banal a sua prática, o que hoje se não verifica com a vigência de uma lei restritiva, semelhante à que está em vigor em Portugal.E na Alemanha, onde o estímulo à natalidade é vertente significativa de actual política de apoio à família.Todavia os abortos clandestinos continuaram a praticar-se, constituindo problema indiscutível de saúde pública que se não pode minimizar. Simplesmente a sua solução não passa pela legalização do mesmo pois mesmo este pode deixar danos físicos e psíquicos, não havendo aborto seguro.3 - A penalização do aborto clandestino, pese embora a envolvente mediática que envolveu casos denunciados, não acarretou pena efectiva em qualquer mulher em Portugal. O estigma e humilhação resultou mais da exposição pública que da pena em si, encontradas que são causas atenuantes.4 - A legalização está ligada a causas progressistas? A protecção da vida é uma causa universal, não de direita ou esquerda ou de credos de qualquer tipo. Muito pobre estará a esquerda ao lado duma cultura de morte ao invés dos direitos da vida. Precisamos de uma política clara de apoio à família e à maternidade.Bem como medidas de educação sexual envolvendo todos os intervenientes da família e da escola, com técnicos especializados.E planeamento familiar acessível.São carências alternativas, consensuais e progressistas, a implementar.
J. Castel-Branco Silveira - Médico
Jornal do Fundão - 01 de Fevereiro de 2007 - edição on-line paga pp 11
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