Quando passo por estes horizontes sem fim, lembro-me sempre. dessa heroína - a tia Preciosa Pereira. Por esta estrada entre Vidual e Fajão naquele tempo ainda não estava alcatroada, passou por aqui, essa caminheira , a tia Preciosa Pereira, com a mala do correio à cabeça. Fez esta caminhada centenas de vezes, à torreira do Sol, à chuva, ao vento... Eram tempos difíceis. A tia Preciosa calcorreava a pé cerca de trinta quilómetros ida e volta, pela estrada erma da serra.
Toda de preto vestida, pois ficou viúva muito nova e tinha sete filhos menores para criar, e nesse tempo não havia abono de família, nem subsídios. de sobrevivência nem reformas...
Nada! Nada!
Havia apenas a força dos seus braços para trabalhar, a destreza das suas pernas para andar e a sua coragem sem limites para lutar contra a adversidade.Havia, os seus filhos, havia a esperança de que a batalha tinha de ser ganha. Tinha de cultivar todos os motrecos para arranjar o sustento da família. Tinha de fazer
esse difícil serviço de estafeta, do correio sempre incerto e mal pago para vestir, calçar e
alimentar os seus filhos.
Tinha sobre os seus ombros a responsabilidade da sua casa. Tinha uma pesada cruz como muitos fezes dizia. A tia Preciosa não pedia, não era mulher para isso. Também a quem podia ela recorrer? De assistência social nem se falava na serra naquele tempo da década de quarenta.
Com algumas dificuldades, os filhos foram crescendo, os rapazes partiram para Lisboa para trabalhar e as raparigas mais velhas foram servir. Porque trabalhar em qualquer profissão não era desonra nenhuma, pelo contrário, é digno de qualquer pessoa trabalhar honradamente.
A tia Preciosa era uma conversadora fantástica. Dava gosto ouvi-la falar. As suas palavras, as suas frases, as suas respostas, os seus conselhos, os seus ditos, as suas perguntas tinham sempre interesse e profundo significado.
Nunca se esqueceu da sua terra do seu amado Ceiroquinho, apesar de viver no Vidual de Cima aldeia bastante próxima. A aldeia onde nascemos é sempre nossa, e não a podemos negar nem esquecer. A tia Preciosa não se esquecia das pessoas, dos montes, das lombas, das ribeiras, das fazendas, tudo estava vivo na sua memória e no seu coração.
Quando passava pelas Penedas no alto da serra da Amarela com a mala do correio á cabeça olhava sempre para a sua aldeia lá no fundo da Lomba da Missa, e os seus olhos ficavam rasos de lágrimas.
Era a sua mocidade que pairava ainda por esses horizontes, os seus pais, os seus irmãos, os seus vizinhos, mil recordações que lhe passavam pela sua alma tão sofrida. Recordações tão perto e já tão distantes... E lá continuava na sua tarefa até Fajão, sabendo que sobre a sua cabeça levava cartas para a gente da sua aldeia, e isso dava-lhe imenso gosto e prazer.
Esta mulher simples, honrada e corajosa, em jornadas sucessivas, vencia distâncias pela serra descampada, cumprindo a sua obrigação de estafeta.
Todos esses altos penedos cinzentos e silenciosos, viram passar a tia Preciosa centenas de vezes. Eles são testemunhas imortais do esforço e da coragem da tia Preciosa.
A vida também me atirou para Lisboa. Passados alguns anos, um belo dia, encontrei a tia Preciosa em Lisboa onde veio passar uns dias a casa dos seus filhos já casados. Apesar de já estar bastante cansada devido a tantos trabalhos e canseiras que a vida lhe deu, mantinha a mesma postura, a mesma dignidade, a mesma alegria e boa disposição. Foi uma festa encontrá-la e conviver alguns momentos com a tia Preciosa. A sua alegria era contagiante. As suas risadas eram como estrelas candentes rasgando o Céu em noite escura... Com uma idade avançada a tia Preciosa foi para o Céu. Os sinos tocaram na igreja do Vidual e os sons repercutiram-se por encostas e valeiros por onde a tia Preciosa passou a sua vida trabalhosa e difícil.
Partiu para a vida eterna, mas, no silêncio que é a morte uma nova estrela brilhou no firmamento!... A tia Preciosa era um livro aberto que nunca esquecerei, e nele irei sempre escrevendo palavras de um saudoso adeus e profundo respeito pela sua memória.
Tia Preciosa Pereira, António Jesus Fernandes
Toda de preto vestida, pois ficou viúva muito nova e tinha sete filhos menores para criar, e nesse tempo não havia abono de família, nem subsídios. de sobrevivência nem reformas...
Nada! Nada!
Havia apenas a força dos seus braços para trabalhar, a destreza das suas pernas para andar e a sua coragem sem limites para lutar contra a adversidade.Havia, os seus filhos, havia a esperança de que a batalha tinha de ser ganha. Tinha de cultivar todos os motrecos para arranjar o sustento da família. Tinha de fazer
esse difícil serviço de estafeta, do correio sempre incerto e mal pago para vestir, calçar e
alimentar os seus filhos.
Tinha sobre os seus ombros a responsabilidade da sua casa. Tinha uma pesada cruz como muitos fezes dizia. A tia Preciosa não pedia, não era mulher para isso. Também a quem podia ela recorrer? De assistência social nem se falava na serra naquele tempo da década de quarenta.
Com algumas dificuldades, os filhos foram crescendo, os rapazes partiram para Lisboa para trabalhar e as raparigas mais velhas foram servir. Porque trabalhar em qualquer profissão não era desonra nenhuma, pelo contrário, é digno de qualquer pessoa trabalhar honradamente.
A tia Preciosa era uma conversadora fantástica. Dava gosto ouvi-la falar. As suas palavras, as suas frases, as suas respostas, os seus conselhos, os seus ditos, as suas perguntas tinham sempre interesse e profundo significado.
Nunca se esqueceu da sua terra do seu amado Ceiroquinho, apesar de viver no Vidual de Cima aldeia bastante próxima. A aldeia onde nascemos é sempre nossa, e não a podemos negar nem esquecer. A tia Preciosa não se esquecia das pessoas, dos montes, das lombas, das ribeiras, das fazendas, tudo estava vivo na sua memória e no seu coração.
Quando passava pelas Penedas no alto da serra da Amarela com a mala do correio á cabeça olhava sempre para a sua aldeia lá no fundo da Lomba da Missa, e os seus olhos ficavam rasos de lágrimas.
Era a sua mocidade que pairava ainda por esses horizontes, os seus pais, os seus irmãos, os seus vizinhos, mil recordações que lhe passavam pela sua alma tão sofrida. Recordações tão perto e já tão distantes... E lá continuava na sua tarefa até Fajão, sabendo que sobre a sua cabeça levava cartas para a gente da sua aldeia, e isso dava-lhe imenso gosto e prazer.
Esta mulher simples, honrada e corajosa, em jornadas sucessivas, vencia distâncias pela serra descampada, cumprindo a sua obrigação de estafeta.
Todos esses altos penedos cinzentos e silenciosos, viram passar a tia Preciosa centenas de vezes. Eles são testemunhas imortais do esforço e da coragem da tia Preciosa.
A vida também me atirou para Lisboa. Passados alguns anos, um belo dia, encontrei a tia Preciosa em Lisboa onde veio passar uns dias a casa dos seus filhos já casados. Apesar de já estar bastante cansada devido a tantos trabalhos e canseiras que a vida lhe deu, mantinha a mesma postura, a mesma dignidade, a mesma alegria e boa disposição. Foi uma festa encontrá-la e conviver alguns momentos com a tia Preciosa. A sua alegria era contagiante. As suas risadas eram como estrelas candentes rasgando o Céu em noite escura... Com uma idade avançada a tia Preciosa foi para o Céu. Os sinos tocaram na igreja do Vidual e os sons repercutiram-se por encostas e valeiros por onde a tia Preciosa passou a sua vida trabalhosa e difícil.
Partiu para a vida eterna, mas, no silêncio que é a morte uma nova estrela brilhou no firmamento!... A tia Preciosa era um livro aberto que nunca esquecerei, e nele irei sempre escrevendo palavras de um saudoso adeus e profundo respeito pela sua memória.
Tia Preciosa Pereira, António Jesus Fernandes
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