quinta-feira, 20 de março de 2008

"O conflito foi para as ruas"

Resumo: No passado, a liberdade de propagar livremente a própria fé entre pessoas com crenças e convicções contrárias era um princípio fundamental da democracia - uma evidência.

© 2004 MidiaSemMascara.org

Será que a Igreja tem futuro nesta geração? Na minha opinião, ela está correndo grande perigo. Há uma verdadeira tempestade a caminho. As pressões e manipulações que estamos enfrentando atualmente tornar-se-ão tão esmagadoras no futuro a ponto de fazerem com que as batalhas dos últimos quarenta anos pareçam brincadeiras.[1]

No auge do debate entre fundamentalistas e modernistas, no século XX, as maiores batalhas foram travadas nos campos da teologia, da inerrância da Escritura, da evolução, do evangelho social e de questões relacionadas com o desvio radical dos liberais em relação à ortodoxia tradicional.

Hoje em dia, poderíamos dizer que o conflito foi para as ruas. Estamos nos defrontando, agora, com o resultado daquelas batalhas antigas. O Dr. Francis Schaeffer anteviu, sabiamente, a "verdadeira tempestade" que era inevitável numa cultura que se recusa a aceitar a infalibilidade bíblica, os valores morais e éticos que dão estabilidade à sociedade e as restrições estabelecidas pela ordem judaico-cristã.

O interessante é que o catalisador que expõe as questões básicas por trás do abismo intransponível que separa os crentes sérios dos neopagãos liberais é justamente o evangelismo. No passado, a liberdade de propagar livremente a própria fé entre pessoas com crenças e convicções contrárias era um princípio fundamental da democracia - uma evidência. Esse direito foi um fato básico da vida ocidental durante quase duzentos anos. Para os evangélicos, entretanto, já não há mais nenhuma garantia de que ele seja respeitado. O evangelismo cristão está recebendo sua ordem de despejo.

Por exemplo, quando anunciaram seus planos de lançar uma campanha para evangelizar hindus e muçulmanos, os batistas do Sul dos EUA foram criticados pela Casa Branca. Falando em nome do então presidente Bill Clinton, o secretário de Imprensa Joe Lockhart colocou os batistas na categoria dos grupos que "perpetuam antigos ódios religiosos"[2]. Ele também desferiu um outro ataque, ao afirmar que o grande desafio do século 21 seria eliminar a "intolerância [...] e o ódio religioso".

Não é nenhum exagero afirmar que as declarações do governo Clinton contra a visão da Grande Comissão por parte da Convenção Batista do Sul representam um dos mais ultrajantes ataques da Casa Branca contra os evangélicos nos dias de hoje.[3]

Como os atenienses

Por razões que iremos discutir em detalhes, a opinião predominante na sociedade moderna é que todas as religiões, cultos, seitas ou rituais tribais têm o mesmo valor e devem ser aceitos em sua forma original. Portanto, dizer que o cristianismo não é simplesmente um outro caminho, mas sim o único caminho para se obter a vida eterna e ter um relacionamento correto com Deus é algo completamente fora de sintonia com o sistema filosófico humanista contemporâneo. Conseqüentemente, propagar o Evangelho do Novo Testamento e tornar Cristo conhecido é uma afronta terrível, totalmente inaceitável nesta nova terra de muitos deuses.

Em vários aspectos, estamos vivendo em condições espirituais semelhantes às encontradas pelos emissários da fé cristã no primeiro século. Em Atenas, o apóstolo Paulo e seus companheiros encontraram um ambiente onde os expoentes da filosofia "de outra coisa não cuidavam senão dizer ou ouvir as últimas novidades" (Atos 17.21).

Os pagãos que freqüentavam o Areópago, na antiga Atenas, tinham as mesmas indagações que os filósofos modernos. Eles buscavam a verdade, mas nunca conseguiam encontrá-la. Ouvir um argumento novo que estimulasse o intelecto, ou um conceito estranho e revolucionário, ou uma religião obscura, nova e misteriosa era o ponto alto de sua vida diária.
O Areópago era um lugar de altares erigidos para a adoração de muitos deuses, e aqueles pagãos refinados se consideravam extremamente religiosos. Para não deixar nenhuma brecha a descoberto, eles até erigiram um altar que despertou interesse especial do apóstolo de Cristo: "Porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: Ao Deus Desconhecido. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio" (Atos 17.23).

Essa mensagem revolucionou o mundo ocidental e tornou-se a base da democracia, que libertou nações inteiras das restrições, da pobreza e da barbárie impostas por séculos de paganismo desgastado.

Agora, ao que parece, estamos voltando ao Areópago. Infelizmente, essa jornada não é uma progressão para algo melhor, e sim um declínio em direção a uma cultura neopagã ávida em reprimir justamente a mensagem que nos liberta.

Quando a expressão nova ordem mundial infiltrou-se como uma metástase no vocabulário corrente do Ocidente, nos anos 90, poucas pessoas realmente entenderam suas ramificações. A era da "Aldeia Global" ainda estava em construção e nós éramos alertados, constantemente, que teríamos de mudar nossa maneira de pensar para nos ajustarmos à realidade radicalmente nova. Estávamos, de fato, à beira de uma "nova realidade" que iria requerer mudanças acentuadas na nossa visão de mundo e no nosso estilo de vida. O velho espírito nacionalista estava sendo descartado. Ele era um entulho atravancando o progresso.

A economia global

A filosofia predominante do "dinheiro é tudo" não foi difícil de ser aceita pelos neopagãos ocidentais, mal-acostumados e secularizados. Afinal de contas, depois da Revolução Cultural, o que restava da vida senão a riqueza e a segurança pessoais? E a nova prosperidade se encaixava perfeitamente no padrão. Mas haveria algumas baixas, como bem demonstrou a queda vertiginosa das bolsas de valores.

No rádio, na TV e nas publicações impressas, os jornalistas e analistas econômicos estavam apavorados. Alguns comentaristas chegaram ao cúmulo de comparar a queda das bolsas à quebradeira de 1929. Outros, não paravam de falar no descontentamento do povo nas ruas, diante das falcatruas de empresas como a Enron e a WorldCom e seus bandos de contadores, especializados em maquiar os balanços. Havia uma preocupação traumatizante com o impacto que isso poderia ter sobre o papel de liderança do Mundo Livre.

Quanto desse caos era real e quanto era retórica político-partidária, é algo que se pode questionar; porém, uma coisa ficou dolorosamente evidente: uma geração marcada pela ambição egocêntrica e pela ética relativista, que não crê em valores absolutos e cuja ganância é sancionada por uma cultura sem moral e sem âncoras espirituais ia deixar seqüelas na sociedade.

Será que o homem ocidental moderno ainda tem a capacidade de ficar ultrajado? Sim, pelo menos quando o assunto é dinheiro.

Um comentarista de uma emissora de televisão secular disse há algum tempo que está chegando o dia em que as guerras não serão travadas por motivos militares e, sim, por razões econômicas. Podemos não concordar completamente com essa afirmação, mas arriscamos a opinião de que os futuros confrontos militares terão maior probabilidade de ser guiados por conveniências econômicas do que por sensibilidades humanitárias. O ponto central disso tudo é: o que importa na aldeia global é o dinheiro.

O novo ecumenismo

O novo esquema de coisas na comunidade internacional exige um processo de nivelamento. As nações que "têm" precisam descer e se transformar em nações que "têm menos", enquanto as nações que "não têm" precisam subir de status e se transformar em nações que "têm mais". Em outras palavras, a inclusão é a norma, com seus diversos componentes operando em harmonia. Na verdade, todo o sistema é uma espécie de neo-socialismo global, tendo a economia como fator unificador. No entanto, quando entramos na questão da religião, o elemento centralizador é a unidade.

Porém, o tipo de unidade adotado nesse novo ambiente não se baseia mais no familiar modelo ecumênico do século passado. Naquela época, religiosos protestantes de destaque se juntaram no espírito da cooperação interdenominacional, baseada em interpretações esquerdistas da teologia. Tudo o que podia criar "divisão" ou ser "ofensivo" foi posto de lado em favor de um programa de ação social. Obviamente, os principais elementos "ofensivos" jogados na lata de lixo foram, em essência, as doutrinas e práticas históricas da fé cristã.

Um componente fundamental dessa predisposição mental é a crença na bondade intrínseca do homem - a idéia de que todo ser humano possui uma centelha divina. Nesse quadro, não há lugar para uma degradante natureza pecaminosa que rebaixe a nobreza do homem.

No modo de pensar esquerdista, tudo o que essa "centelha divina" precisa para se tornar uma chama flamejante é o ambiente certo e uma generosa dose de boa vontade. Embora esse arroubo de fantasia teológica já tenha sido desmascarado pela terrível espiral descendente de degeneração que estamos padecendo, os sonhadores não se deixaram abater. Infelizmente, o mito da bondade do homem permeia o pensamento de muitos teólogos, psicólogos, políticos e jornalistas.

A ideologia que fabricou esse modo de pensar e serviu de fundamento para o ecumenismo antigo esvaziou as igrejas tradicionais, espantou os fiéis dos bancos e provou ser um enorme fracasso. Para todos os propósitos práticos, ela está fora de moda. O novo ecumenismo é um produto completamente diferente.

Embora retenha o conceito de unidade às custas da ortodoxia, o novo produto não se restringe às denominações protestantes e organizações relacionadas. Ele é global quanto à perspectiva, inclusivo até a medula quanto à natureza e abraça a unidade internacional com uma única notável exceção: não há lugar para evangélicos que se recusam a cerrar fileiras com os recém-iluminados.

No novo ecumenismo, todas as religiões, seitas e doutrinas são dignas de crédito, aceitáveis e igualmente virtuosas, assim como os deuses e práticas a elas associados.

Num sentido real, o processo de nivelamento da unidade global secular é reproduzido no mundo religioso. A razão disso é simples: ambos os sistemas se baseiam em filosofias que não têm verdades espirituais absolutas, nem valores morais significativos e nem respeito pelas crenças e princípios judaico-cristãos. Portanto, os que não concordam caem em descrédito, são ridicularizados e estigmatizados como entraves ao progresso. Se você se mantém fiel à inerrância da Palavra de Deus e acredita que a comissão de Jesus para evangelizar ainda é uma ordenança inescapável - uma obrigação - então você está se habilitando a receber esse estigma.

Vem aí a repressão

À medida que esse código para o "progresso" for sendo cada vez mais aceito, a coerção dos dissidentes se tornará uma questão de fundamental importância. Afinal de contas, se o mundo está sendo transformado numa sociedade global realmente unificada - uma aldeia global, se você preferir - então não há lugar para significativas divergências de opinião. Se a maioria acredita que "todo ser humano é divino", os que tentam convencer as pessoas do contrário são criadores de caso que estão perturbando a dignidade dos deuses e violando as regras do jogo. Então, o problema é: o que fazer com eles?

A verdade nua e crua é que, hoje em dia, os evangélicos conscientes estão se movendo num terreno extremamente íngreme; e muitos deles não têm a menor noção do perigo que correm, como crianças que atravessam uma rua movimentada, na hora de maior tráfego, sem esperar o sinal abrir.

Da mesma forma que os leprosos eram sistematicamente segregados na Antigüidade, nós também o seremos. Sim, está chegando a hora em que seremos os órfãos da aldeia global.

Os órfãos da aldeia global
Elwood McQuaid

Publicado em Chamada.com.br

O autor é editor-chefe de The Friends of Israel.
Notas:
1. Francis A. Schaeffer, The Church at the End of the 20th Century (A Igreja no Final do Século XX), Crossway Books, Wheaton. Ill., 1994, p.5.
2. Janet e Craig Parshall, The Light in the City (A Luz na Cidade), Thomas Nelson Publishers, Nashville, 2000, p.xvii.
3. Idem.

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