É A ISTO QUE SE CHAMA DEMOCRATOCRACIA?
Na educação vivemos um momento singular:
ninguém sabe o que faz, porque o faz e, mesmo, se o faz. Se exceptuarmos
os docentes, que continuam a exercer, diariamente, com sentido de
profissionalidade a sua actividade (apesar de tratados como pessoal
indiferenciado, desqualificado e descartável) todos os restantes
responsáveis do Ministério da Educação (ME) agem com uma indigência
quase malévola, raramente prevendo (à excepção das de carácter
financeiro) as consequências pessoais, familiares, materiais, técnicas e
organizacionais, do impacto de grande parte das suas medidas aprovadas
“à la carte”.
Os últimos meses têm sido, como diria o
nosso povo, “um fartar, vilanagem”. Basta considerar os títulos das
primeiras páginas dos jornais: “Ministério quer ver professores a
comprar escolas”; “Ministério tem milhões para despedir professores”;
Ministério tem milhões para o ensino privado”. “Quem quiser educação de
qualidade, que a pague”; “A inclusão regressa ao passado”; “Professores
contratados têm que pagar a sua própria avaliação”.
Vale a pena citar mais?
No actual contexto, não é possível
vislumbrar uma medida preditiva do comportamento do ministro, ou de um
qualquer dos seus secretários de Estado, talvez porque deve haver algum
efeito de indução ao “chip” cerebral, quando entram, pela primeira vez,
num qualquer elevador da 5 de Outubro.
O que afirmavam antes de entrarem para o
governo, já não é palavra que se cite, ou aceite, como vinda de gente
coerente e fiável.
Hoje, todos eles agem nos antípodas. Mais
parecem personagens erráticas de um qualquer enredo dos antigos teatros
de revista em que, de uma semana para a outra, se mudava a narrativa,
os cenários e os diálogos, mas os personagens permaneciam, sempre os
mesmos.
A generalidade dos professores
contratados foi formada em instituições de ensino superior, avaliadas a
acreditadas pelo próprio Estado? Tiveram estágios profissionalizantes,
tutelados por professores seniores, que assistiram às suas aulas e
avaliaram e classificaram a sua actuação? A maioria deles serviu (e bem)
o sistema durante décadas?
Para o ME, nada disso interessa, porque o ministério entende que toda a
profissionalidade docente se reduz a uma meia dúzia de conhecimentos
teoréticos e pode ser avaliada, através de uma simples prova, corrigida,
avaliada e classificada, por outros docentes, os quais nem foram
preparados para isso.
Se essa prova foi construída, ou não,
para ter um efeito de descriminação negativa, o que interessa ao mundo?
Se a malfadada prova foi, ou não, estatisticamente validada, que
importância tem isso para a ciência e a fidelidade dos seus resultados?
Nada, mesmo nada interessa, desde que Nuno, o Incrato, e os seus
secretários de Estado metam uns tostões a mais na caixa de esmolas do
Orçamento.
E, pasme-se! As instituições de ensino
superior que ainda formam docentes, face a todo este cenário, remetem-se
a um silêncio que as envergonha, perante tamanho atestado de suspeita
incompetência que o ME lhes pretende passar!
Admiro, também, que, até hoje, ninguém se tenha dado ao trabalho de
coligir o que pensavam, ministro e alguns dos seus secretários de
Estado, sobre estas matérias, meses antes de subirem as escadas do
poder.
Que percurso científico e académico
permite, a alguns deles, a insistência no disparate constante, tão
nítido no nervosismo com que, publicamente, anunciam cada nova medida a
implementar, e a acrescentar ao rol do vai vem de decisões
inconsequentes, mas todas elas com um objectivo certeiro: o de promover a
total desarticulação organizacional da Escola Pública que tínhamos –
fiável e confiável – como o provaram centenas de estudos científicos,
efectuados na última década.
Diariamente lançam-se para as escolas
instruções aleatórias, descoordenadas, que uma boa parte dos
responsáveis regionais e locais não sabe como interpretar e aplicar. Num
dia avançam-se, impensadamente, mil passos, para, no dia seguinte, se
regredirem dois mil: e, em ambas as situações, sem qualquer
esclarecimento convincente, do porquê do fazer e do desfazer.
Nos pais, nos alunos, nos docentes, no
pessoal não docente, no conjunto da comunidade educativa, cresce a
incredulidade. Ninguém dá a cara por ninguém. É o reino do “Deus dará”,
do desencanto, das rotinas, do tempo preenchido em deslocações, em
reuniões, em burocracias redundantes, em incongruências organizacionais
e, sobretudo, na produção de muito estímulo à resiliência.
Como qualquer mortal sabe, estas
situações ajudam em tudo, menos à promoção da qualidade do ensino que
devíamos estar a proporcionar aos nossos alunos e, logo, ao futuro do
nosso país.
Na Europa, Portugal introduziu, hoje, um
fenómeno invulgar e inimaginável há meia dúzia de anos atrás: os
milhares de professores que ficaram desempregados e foram obrigados a
emigrar ou a mudar de profissão, constituem o maior desperdício de
formação e de qualificação (e aí também estamos a falar de gasto verbas,
de tempo perdido, de estruturas malbaratadas…) a que a Europa jamais
assistiu, em qualquer outra profissão.
Um dia, estes (des)governantes deverão
prestar contas pelo que fizeram à Escola Pública portuguesa, que com
tanto custo foi erguida sobre os escombros do salazarismo. Que o tempo
seja curto e o juízo justo.
João Ruivo
ruivo@rvj.pt