Todas as grandes greves operárias do século passado tiveram outros
motivos além de salários e melhores condições de trabalho. Ao lado das
chamadas greves económicas, estalaram as greves políticas. O seu
objectivo era obter ou impedir uma medida política. Não eram dirigidas
contra os patrões, mas contra o governo do Estado, para o levar a
conceder mais direitos políticos aos trabalhadores ou dissuadi-los de
enveredar por uma via que Ihes seria prejudicial. Assim podia mesmo
acontecer que os patrões estivessem de acordo com esses objectivos e
favorecessem a greve.
No capitalismo é necessário reconhecer à classe
operária uma certa igualdade social e um certo número de direitos
políticos. A produção industrial moderna assenta sobre técnicas
complexas que advêm dum saber altamente desenvolvido; exige por isso dos
trabalhadores uma colaboração pessoal atenta e o seu acordo para porem
em acção as suas capacidades. Não se Ihes pode pedir, como no caso dos
coolies (1) ou dos escravos, que vão até ao esgotamento das suas forças
utilizando a coacção física, o chicote ou a violência. A resposta seria
igualmente dura: a sabotagem das máquinas. A coacção deve ser
interiorizada, utilizar meios de pressão moral, fazendo apelo à
responsabilidade individual. Os trabalhadores não devem sentir-se
escravos impotentes e irritados, devem possuir meios para se oporem aos
males que se tenta infligir-lhes. Devem sentir-se livres - livres para
venderem a sua força de trabalho - e que vão até ao esgotamento das suas
forças porque são eles - formalmente e na aparência - que determinam a
sua própria sorte na competição geral. Se se quer que a classe operária
continue a existir, é necessário reconhecer-lhe, não somente a liberdade
pessoal e jurídica proclamada pelo direito burguês, mas também os
direitos e liberdades particulares: direito de associação, direito de
reunião, direito sindical, liberdade de expressão, liberdade de
imprensa. E todos esses direitos políticos devem ser protegidos pelo
sufrágio universal: os trabalhadores devem poder exercer influência
sobre o parlamento e sobre a fabricação das leis.
O capitalismo
começou por recusar estes direitos. Foi ajudado pelo despotismo herdado
do passado e pelo atraso mental dos governantes no poder. Começou por
tentar transformar os trabalhados em vítimas impotentes da exploração.
Somente pouco a pouco, na sequência de lutas ferozes contra essa
opressão desumana, alguns direitos foram arrancados. Nas suas origens, o
capitalismo temia a hostilidade das classes inferiores; artesãos
empobrecidos pela concorrência das máquinas, operários reduzidos à fome
pelos seus baixos salários. O direito de voto era reservado estritamente
às classes ricas. Mais tarde quando o capitalismo estava solidamente
instalado, quando os lucros foram suficientes e o domínio estava
assegurado, as restrições ao direito de voto desapareceram
progressivamente. Mas foi somente sob coacção de uma forte pressão dos
trabalhadores e muitas vezes depois de duros combates. As batalhas pela
democracia são, no século XIX, o essencial da política interna dos
países onde o capitalismo estava instalado. E começou pela Inglaterra.
Em
Inglaterra, o sufrágio universal era uma das exigências principais da
carta apresentada pelos trabalhadores ingleses do «movimento cartista».
Foi o primeiro e mais glorioso período de luta da classe operária
inglesa. A agitação que então se desenvolveu jogou um papel importante
para forçar os proprietárias da terra, detentores do poder, a ceder à
pressão do movimento pelas reformas que, simultaneamente, lançavam os
capitalistas industriais, cuja forca estava em desenvolvimento. O Reform
Act de 1832 reconheceu aos investidores industriais uma parte do poder
político, mas os operários regressaram a casa de mãos vazias e tiveram
de continuar a lutar. O movimento cartista atingiu o seu apogeu em 1839,
quando foi decidido que o trabalho cessaria até que as reivindicações
fossem satisfeitas. Foi o que se chamou: o mês sagrado.
Os
trabalhadores ingleses foram, assim, os primeiros a brandir a ameaça
duma greve política, arma nova na sua luta. Mas a greve não se realizou
e, em 1842, a que foi desencadeada teve de ser interrompida sem
resultado. Não tinha podido fazer vergar o poder, agora aumentado, da
classe dirigente, que agrupava então os senhores das terras e os donos
das fábricas. Só uma geração mais tarde, após um período de prosperidade
e expansão industrial sem precedentes, a propaganda pelos direitos
políticos reaparece, desta vez sob o impulso dos sindicatos agrupados na
Associação Internacional dos Trabalhadores (a primeira Internacional, a
de Marx e Engels). A opinião pública burguesa já estava agora preparada
para estender gradualmente o direito de voto à classe operária.
Em
Franca, desde 1848, o sufrágio universal fazia parte da constituição
republicana, se bem que o governo dependesse sempre, mais ou menos, do
apoio da classe operária. Na Alemanha, nos anos de 1866-1870, a fundação
do Império correspondia a um desenvolvimento febril do capitalismo que
subvertia a população inteira; o sufrágio universal parecia ser um meio
de garantir o contacto permanente com o conjunto do povo. Mas em muitos
outros países, a classe dominante, e por vezes apenas uma parte
privilegiada desta, agarrava-se firmemente ao seu monopólio político.
Nesta situação as campanhas pelo direito de voto apresentavam-se como
ponto de partida para a conquista do poder político e da liberdade. Elas
arrastaram um número cada vez maior de trabalhadores a participar na
actividade política e na sua organização. Por outro lado, o medo do
domínio pelo proletariado agudizou a resistência da classe dominante.
Sob a sua forma jurídica e legal, o problema parecia sem esperança de
solução favorável às massas: o sufrágio universal não podia ser
concedido por um voto legal, no parlamento, quer dizer por deputados
escolhidos pela maioria dos privilegiados, e que eram assim convidados a
destruir as suas próprias bases. Daqui resultava que o fim só podia ser
atingido por meios extraordinários, por uma pressão exterior e
finalmente por greves políticas em massa. Um exemplo clássico é a greve
pelo direito de voto que houve na Bélgica em 1893. De facto é
instrutivo.
Na Bélgica, um sufrágio censitário restrito permitia a
uma súcia de conservadores do partido clerical deter eternamente o poder
governamental. As condições de trabalho nas minas de carvão e nas
fábricas eram notoriamente as piores da Europa e levavam frequentemente a
explosões de cólera que se traduziam em greves. A extensão do direito
de voto considerado como um meio de reforma social, muitas vezes
proposta como tal por alguns parlamentares liberais, era sempre recusada
pela maioria conservadora. Então o Partido Operário, que conduzia a
agitação, que se organizava e preparava para este tipo de acção há anos,
decidiu uma greve geral. Esta greve tinha por fim fazer pressão sobre o
Parlamento durante a discussão de uma proposta de lei sobre um novo
modo de eleição. Devia demonstrar o grande interesse que nela tinham as
massas e a sua firme vontade: estas não hesitariam em abandonar o seu
trabalho, para prestarem toda a sua atenção a esta questão fundamental. A
greve devia também incitar todos os elementos indiferentes, quer
trabalhadores, quer pequeno-burgueses, a tomar parte no que, para eles,
era de interesse vital. Devia igualmente mostrar, aos dirigentes
«limitados», o poder social da classe operária, devia fazer-lhes
compreender que os trabalhadores estavam fartos de estar sob tutela.
Claro que a maioria parlamentar começou por resistir, recusando
inclinar-se perante pressões exteriores, querendo decidir em plena
consciência. Fez ostensivamente retirar o projecto de sufrágio universal
da ordem do dia e pôs-se a debater outros problemas. Entretanto, a
greve estendia-se cada vez mais; parou toda a produção, o mesmo
aconteceu com os transportes e os serviços púbicos, tão ciosos,
habitualmente, do dever, foram atingidos. O funcionamento ao aparelho
governamental ficou perturbado e no mundo dos negócios, onde começava a
manifestar-se uma inquietação crescente, pensava-se em voz alta que era
menos perigoso satisfazer as exigências dos grevistas que correr para a
catástrofe. Também a determinação dos parlamentares começou a
enfraquecer; sentiam que tinham de escolher entre ceder ou esmagar a
greve com a intervenção do exército. Mas poder-se-ia, neste caso, ter
confiança nos soldados? A sua resistência teve pois que se vergar, a sua
alma e consciência modificar-se e, finalmente, aceitaram e votaram o
projecto. Os trabalhadores, graças à sua greve política. tinham
alcançado o seu fim e obtido o seu direito político fundamental.
Depois
de um tal sucesso, muitos trabalhadores e os seus porta-vozes pensaram
que esta nova arma, tão eficaz, poderia ser utilizada mais
frequentemente para obter reformas importantes. Mas tiveram que mudar de
tom. A história do movimento operário conheceu mais greves políticas
seguidas de insucessos que de sucessos. Este género de greves procura
impôr a vontade dos trabalhadores a um governo da classe capitalista. É
uma espécie de revolta, de revolução, que desperta o instinto de
conservação da classe dominante e a leva à repressão. Estes instintos só
são reprimidos quando uma parte da própria burguesia se sente
incomodada pelo arcaísmo das instituições políticas e sente necessidade
de reformas. As acções das massas operárias tornam-se então um
instrumento de modernização capitalismo. A greve resulta porque os
trabalhadores estão unidos e cheios de entusiasmo, face a uma classe
possidente dividida. Paradoxalmente, ela pode atingir o seu fim, não
porque a classe capitalista esteja fraca, mas porque o capitalismo está
forte. O capitalismo saiu reforçado da greve belga, porque o sufrágio
universal, que assegura, no mínimo, a igualdade política, permite-lhe
enraizar-se mais profundamente na classe operária. O direito de voto é
inseparável do capitalismo evoluído, porque os trabalhadores precisam de
eleições, como, aliás, dos sindicatos, para assegurar a sua função na
sociedade capitalista.
Mas se agora os trabalhadores crêem ser
capazes de impor a sua vontade, contra os reais interesses dos
capitalistas, em certos pontos mesmo menores, deparam com uma classe
dominante sólida como um bloco. Sentem-no instintivamente e permanecem
indecisos e divididos, porque não têm para os conduzir projectos
precisos, que anulariam todas as indecisões. Verificando que a greve não
é geral, cada grupo torna-se por sua vez hesitante. Voluntários vindos
de outras classes sociais oferecem-se para assegurar os serviços de
urgência e as trocas; sem dúvida não são capazes de fazer andar a
produção, mas a sua atitude desencoraja, mesmo que pouco, os grevistas. A
proibição de reuniões o desdobramento das forças armadas, a lei marcial
mostram a força do governo e a vontade de a utilizar. A greve começa
então a apodrecer e deve terminar, por vezes com consideráveis perdas e
muitas desilusões para as organizações vencidas. Na sequência de
experiências como estas, os trabalhadores puderam dar-se conta de que o
capitalismo tem forças internas que Ihe permitem resistir a esses
assaltos mesmo massivos e organizados. Mas ao mesmo tempo sentem, com
certeza, que as greves de massas, se são feitas no momento próprio,
permanecem uma arma eficaz.
Esta ideia foi confirmada pela primeira
revolução russa de 1905. Ela mostrou que as greves de massas podiam ter
um carácter inteiramente novo. A Rússia da época ainda só estava nos
começos do capitalismo; contava-se apenas com algumas fábricas nas
grandes cidades, mantidas essencialmente por capital estrangeiro e
subsídios do Estado, onde camponeses esfaimados se amontoavam na
esperança de se tornarem trabalhadores industriais. Os sindicatos e as
greves eram proibidas. O governo era primitivo e despótico. O Partido
Socialista, composto de intelectuais e operários, tinha de combater por
aquilo que as revoluções burguesas da Europa haviam já obtido: a
supressão do absolutismo e a introdução de direitos e leis
constitucionais. Por este facto, a luta dos trabalhadores russos só
podia ter um carácter espontâneo e caótico. Começou por greves
selvagens, protestando contra as miseráveis condições de trabalho. Foram
duramente reprimidas pelos cossacos e pela polícia. A luta tomou então
um carácter político.
polícia. A luta tomou então um carácter político.
(1) Colonos índios ou chineses em colónias europeias.
Marxists Internet Archive
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